O ano está chegando ao fim e este é um ótimo momento para fazer uma retrospectiva dos principais acontecimentos no circuito da arte em 2022. Foi um ano movimentado para as artes no Brasil e no mundo, com a tão esperada sensação de volta à normalidade pós-pandemia de COVID 19.
Durante a pandemia, o mundo aprendeu e inventou novas formas de socialização e experiências artísticas atravessadas pela tecnologia e pela virtualidade. Algumas destas práticas provaram-se duradouras, como as exposições imersivas de realidade virtual; outras, nem tanto, como os NFTs (Non fungible tokens), que desaceleraram este ano. Já o mercado online de arte seguiu crescendo, mesmo com o retorno ostensivo dos eventos presenciais.
De acordo com o relatório anual da consultora francesa Artprice, teve destaque o segmento da arte Ultra Contemporânea, com um crescimento de 28% em relação a 2021. Este segmento abarca aqueles artistas com menos de 40 anos de idade. Destes, o destaque especial é para as artistas mulheres, que representam 8 dos 10 melhores artistas ultra contemporâneos apontados pela Artprice.
O segmento dos NFTs que no ano anterior parecia extremamente promissor, neste ano teve uma queda impressionante. Conforme a publicação da Artprice, no primeiro semestre de 2021, foram vendidos 30 lotes, por um faturamento de 107 milhões de dólares, enquanto que no primeiro semestre de 2022, foram vendidos 50 NFTs, no valor de 3,2 milhões de dólares.
Já o mercado online de arte, de acordo com o relatório da Hiscox, segue crescendo, mesmo com a diminuição dos efeitos da pandemia. Segundo o relatório, quase dois terços dos compradores de arte entrevistados compraram arte ou colecionáveis online, um crescimento em relação aos dois anos anteriores. Além disso, mais de 8 em cada 10 compradores, adquiriram obras online nos últimos 12 meses.
Os entrevistados pelas Hiscox mostram que o mercado online veio para ficar. Na pesquisa deste ano, 84% afirmaram acreditar que a mudança do mercado da arte para os meios digitais é permanente. Número muito mais expressivo do que os 51% que admitiam esta crença no ano anterior.
Concomitantemente aos acontecimentos do mercado da arte, com seus leilões e feiras, em 2022, muitas exposições, bienais e eventos movimentaram o circuito artístico brasileiro e global. A seguir você pode conferir quais foram alguns dos principais:
Começamos essa recapitulação falando do fenômeno das exposições imersivas. Neste ano, o público brasileiro pode experienciar exposições imersivas de caráter altamente tecnológico dedicadas a três grandes mestres: Portinari, Van Gogh, Monet.
A exposição Beyond Van Gogh, experienciada por milhões de pessoas ao redor do mundo, esteve no Brasil de março a julho deste ano. Nela, o público pôde viver uma experiência imersiva em mais de 300 obras do artista criada através de recursos de tecnologia de ponta. Beyond Van Gogh trouxe ao Brasil um misto de luz, arte, cor, música e formas, projetadas em diversas superfícies.
O Rio de Janeiro também teve uma exposição imersiva dedicada à obra de Van Gogh. Inaugurada em abril, Van Gogh e seus contemporâneos, levou ao público uma história digital desenvolvida através de projeções em 360° de imagens de altíssima definição e transmissão Dolby HD com trilha sonora original.
Também no início de março inaugurou no MIS Experience a exposição Portinari Para Todos. A mostra interativa curada por Marcello Dantas era dedicada inteiramente à produção de Cândido Portinari. A exposição imersiva, interativa e digital em escala monumental era dividida em três áreas expositivas, a primeira contendo instalações interativas acerca da vida e do legado do artista. Na segunda parte, a sala Portinari imenso, convidava a imersão nas obras, em escala monumental. O terceiro espaço era dedicado ao acervo de Portinari.
Em 2022, o público brasileiro também pode experienciar de forma imersiva a obra do mestre impressionista Claude Monet. Na exposição multimídia Monet à Beira D’água, que já passou pelo Rio de Janeiro e agora pode ser visitada em São Paulo, 285 obras do artista são projetadas. As pinturas são apresentadas em sequências de animações digitais 2D e 3D, utilizando tecnologia de ponta para criar uma experiência multissensorial em 360 graus.
Ainda em março, foi inaugurada a exposição Adriana Varejão: Suturas, fissuras, ruínas da Pinacoteca de São Paulo. Nela, foi apresentada uma visão panorâmica da produção da artista através de mais de 60 trabalhos produzidos desde o início da carreira de Adriana Varejão até obras inéditas concebidas especialmente para esta ocasião. A mostra foi curada por Jochen Volz e ocupou sete salas do primeiro andar do prédio, além do Octógono da Pinacoteca.
O ano avançou e em abril aconteceu a 59ª Bienal de Arte de Veneza, um dos mais importantes eventos artísticos do mundo. Esta edição da mostra, denominada “The milk of dreams”, teve curadoria geral de Cecília Alemani e foi inspirada no livro homônimo de autoria da artista surrealista Leonora Carrington (1917-2011). A curadora pensou a mostra a partir de três temas principais: a representação dos corpos e suas metamorfoses; a relação entre indivíduos e tecnologias e a conexão entre os corpos e a terra. Neste ano, o pavilhão brasileiro contou com a curadoria de Jacopo Crivelli, que por sua vez selecionou o artista alagoano Jonathas de Andrade para ocupar o espaço.
Inaugurada no dia 18 de maio, dia da Luta Antimanicomial, a exposição Bispo do Rosario – Eu vim: aparição, impregnação e impacto reuniu mais de 400 peças de Bispo do Rosario e obras de artistas contemporâneos e modernos que foram influenciados de alguma forma por ele, além de experiências artísticas realizadas em ateliês de instituições psiquiátricas brasileiras. A curadoria foi feita por Ricardo Resende, curador do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, com co-curadoria de Diana Kolker, curadora-pedagoga do mBRAC, em parceria com o Itaú Cultural.
No mês seguinte, em junho, começou a 15ª edição da Documenta de Kassel, uma das mais antigas e importantes exposições internacionais de arte contemporânea. A edição deste ano contou com 72 grupos, entre artistas e colaboradores. Estima-se que mais de 1.500 pessoas tenham participado na construção desta edição, ocupando 39 espaços da cidade alemã. O foco da Documenta deste ano era a priorização da solidariedade e convivência como práticas potentes no campo da artes, através do conceito lumbung proposto pelo coletivo Ruangrupa. O coletivo nativo da Indonésia com mais de 20 anos de atividade assinou a direção artística desta edição da Documenta e aparece em primeiro lugar na lista dos 100 mais influentes do mundo da arte em 2022, de acordo com a ArtReview.
No ano em que se completaram 200 anos da independência do Brasil e num contexto de intensa revisão das histórias do Brasil – expressa em livros, exposições, conferências, filmes e documentários -, o MASP inaugurou a exposição Histórias Brasileiras. A mostra, que aconteceu entre agosto e outubro, reuniu cerca de 380 obras de 250 artistas. As obras foram divididas em oito núcleos desenvolvidos por diferentes equipes de curadoria sob direção curatorial de Adriano Pedrosa, diretor artístico do MASP.
Em 2022, a Bienal do Mercosul chegou a sua 13ª edição. Neste ano, a mostra contou com curadoria geral de Marcello Dantas e abordou os conceitos de Trauma, Sonho e Fuga, além de propor uma nova abordagem à noção de tecnologia a partir de um viés orgânico. A exposição aconteceu entre setembro e novembro e contou com a participação de mais de 100 artistas de 23 nacionalidades.
Este ano também marcou o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 e, ao longo do ano, diversos eventos celebraram a importante data, sem perder o olhar crítico e de revisão histórica. Foram exposições como Era uma vez o moderno, por exemplo, que esteve em cartaz na Fiesp e é considerada a maior já feita sobre o modernismo no Brasil. Também a mostra 100 anos modernos no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, que investigou o impacto dos modernistas paulistas na cultura brasileira ao longo de um século. Já a mostra Brasilidade Pós Modernismo do Centro Cultural do Banco do Brasil, se propôs a investigar as brasilidades que se constituíram enquanto representação e produção de conhecimento após o advento do modernismo. A exposição MODERNOS do Museu de Arte Brasileira da FAAP, por sua vez, se diferenciou por se debruçar sobre as diferenças entre o Antes de 1922 e Depois de 1922. Estes são apenas alguns exemplos entre uma profusão de outros eventos ao redor de todo o país que se dedicaram a tratar do tema.
Na segunda metade deste ano vimos uma escalada na quantidade de protestos contra mudanças climáticas que partem do ataque a obras de arte como forma de causar impacto. Em outubro, por exemplo, duas jovens, em protesto contra o consumo de combustíveis fósseis, jogaram sopa de tomate na obra Os Girassóis, de Vincent Van Gogh, e depois colaram suas mãos à parede abaixo do quadro. No mesmo mês, na Austrália, dois ambientalistas colaram as mãos em um quadro de Pablo Picasso.
Além destes, também houveram casos de um Monet lambuzado com purê de batata e um Andy Warhol rabiscado. Tais atos levantaram questões pertinentes como: por que atacar objetos produzidos há séculos e que não emitem carbono na atmosfera? Qual o impacto e eficiência deste tipo de atitude em relação à obras de arte e objetos históricos? Seja como for, estes protestos fizeram com que mais de 90 líderes de instituições culturais ao redor do mundo assinassem uma carta que alerta para os riscos dos protestos usando obras de arte como forma de chamar a atenção para a crise climática.
Encerrando a retrospectiva, está a exposição Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro, inaugurada em novembro no Inhotim e que seguirá em cartaz até meados de 2023. A mostra, que conta com obras de cerca de 30 artistas e coletivos, se divide em cinco núcleos que estabelecem um diálogo com temas presentes no Quilombo e os relaciona à produção contemporânea de artistas brasileiras e brasileiros. A mostra, organizada pela direção artística e a equipe curatorial de Inhotim, faz parte da pesquisa iniciada pelo museu em 2021, em parceria com o Ipeafro, sobre a obra do artista, poeta, dramaturgo e ativista Abdias Nascimento.
Luísa Prestes, formada em artes visuais pela UFRGS, é artista, pesquisadora e arte-educadora. Participou de residências, ações, performances e exposições no Brasil e no exterior.
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