O ano de 2021 está na reta final e não podemos negar que não foi um ano fácil. Enquanto o mundo ainda lidava com as consequências da pandemia de COVID-19, o Brasil enfrentou instabilidade e tensão nos campos econômico e político. Mas a vida sempre encontra formas de seguir e, no mundo da arte, muitos acontecimentos renovaram o otimismo do público. Nesse contexto a Artsoul traz uma rápida retrospectiva de alguns dos principais eventos que nos inspiraram e ajudaram a olhar para o mundo com mais criatividade. Eventos importantes como as feiras e as exposições da Bienal voltaram a acontecer presencialmente. Grandes instituições e galerias reabriram as portas para receber o público, todos seguindo medidas rígidas de proteção sanitária.
Ainda assim, o legado deixado pelo isolamento social no que se refere às experiências artísticas virtuais seguiu forte neste ano, tanto em relação ao amplo uso das online viewing rooms e das exposições virtuais, quanto aos leilões, feiras e vendas online no mercado da arte, que teve um expressivo crescimento em relação a 2020 e anos anteriores à pandemia. Segundo relatório da ArtPrice, o mercado de arte contemporânea teve um desempenho histórico no primeiro semestre de 2021, com crescimento de 50% em relação ao primeiro semestre de 2019, antes da pandemia. As vendas de obras de artistas em ascensão, que representam a estética ultra contemporânea, chegaram à soma de 395 milhões de dólares nas vendas de leilões em 2021. Grande parte dessa recuperação se deu justamente graças a essa expansão do virtual e das vendas on-line, bem como à chegada dos NFTs (non fungible tokens), que representaram um terço das vendas online.
O mercado da arte online se estabelece cada vez mais como uma realidade promissora, como mostram os relatórios da Hiscox Online Art Trade e da Artprice, o Online Art Collector, da Artsy e o Art Basel and UBS Global Art Market. Neste último, por exemplo, aponta-se que a quantidade de vendas online permaneceu mais de dois terços acima dos números de 2019. Já o Hiscox Online Trade Report, mostra que as vendas online feitas na primeira metade de 2021 se aproximaram dos 6.8 bilhões de dólares, podendo chegar até 13.5 bilhões até o final do ano.
O Online Art Collector Report, da Artsy, por sua vez, divulgou uma pesquisa mostrando que 84% das pessoas que colecionam arte afirmaram terem adquirido obras também online, superando de longe os 64% alcançados em 2019. O grande responsável por esses números são os marketplaces, apontados como o meio escolhido por 58% dos entrevistados em 2021, um aumento expressivo em relação aos 41% de 2019. Especialistas do setor apontam que este aquecimento do mercado da arte percebido desde 2020 e potencializado em 2021 pode ser uma consequência do isolamento social, uma vez que a maior parte do público teve gastos menores em outros setores, como viagens, restaurantes e vida noturna, por exemplo, e passou mais tempo em casa, fazendo com que aumentasse o interesse em investir em obras de arte para seus lares.
O público jovem, em sua maioria entre 20 e 40 anos de idade, conectado e bem informado, acostumado aos meios digitais desempenhou um papel significativo nesse sentido. A pesquisa da Art Basel e UBS aponta que a mudança para o digital trouxe melhorias na transparência de preços, acesso a informações e aos artistas, atraindo este público, além da redução das barreiras de entrada no mercado, que permitiu o desenvolvimento dessa base mais ampla de novos colecionadores em diferentes níveis de preços.
Em paralelo ao mercado da arte, exposições, mostras e eventos movimentaram o circuito, retomando e ampliando a vida artística e cultural do país. Vamos relembrar os principais acontecimentos no circuito brasileiro em 2021:
Iniciamos o calendário cultural de 2021 com a exposição Beatriz Milhazes: Avenida Paulista, promovida pelo Itaú Cultural, com curadoria de Ivo Mesquita. A mostra apresentou gravuras e colagens da artista em sinergia com uma exposição de suas pinturas no MASP. Na esteira das experiências virtuais, a exposição também podia ser visitada em 360 graus no site do Itaú Cultural, enquanto o processo de criação era comentado pela própria artista.
Beatriz Milhazes. Avenida Paulista, 2020. Imagem: Carta Campinas
A exposição em homenagem ao centenário do artista mineiro Amilcar de Castro (Paraisópolis, Minas Gerais, 1920 – 2002), abriu em fevereiro no MuBE (Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia). Na ocasião, cerca de 120 obras do artista foram expostas nos espaços internos e externos do museu, dialogando com a arquitetura icônica do prédio projetado por Paulo Mendes da Rocha. Foi realizada em parceria com o Instituto Amilcar de Castro, com curadoria de Guilherme Wisnik, arquiteto professor da FAU-USP, crítico de arte e curador, além de Rodrigo de Castro, filho do artista e diretor do Instituto, e Galciani Neves, curadora-chefe do MuBE. A exposição destacou-se pela possibilidade de visita virtual e rico material educativo disponibilizado no site do museu, num momento em que a reabertura das instituições estava apenas começando.
Amilcar de Castro. Sem título, circa 1990. Imagem: Marcus Vinicius de Arruda Camargo
Nossa próxima parada é na Pinacoteca de São Paulo, que inaugurou em maio a exposição Enciclopédia Negra, a qual reuniu as 103 obras realizadas por artistas contemporâneos para o livro homônimo de autoria dos pesquisadores Flávio Gomes e Lilia M. Schwarcz e do artista Jaime Lauriano, publicado em março de 2021 pela Companhia das Letras. No livro, são apresentadas as biografias de mais de 550 personalidades negras, em 416 verbetes individuais e coletivos. Para ilustrar o material, 36 artistas contemporâneos como Ayrson Heráclito, Jaime Lauriano, Mulambö, Renata Felinto, entre outros, foram convidados a produzir retratos dos biografados. A exposição contou também com um tour virtual em 3D.
Mulambö. Retrato produzido para o livro. Imagem: Mulambö / Divulgação
A exemplo das experiências em arte inteiramente virtuais, EmRede(s) foi a primeira exposição de arte da plataforma Artsoul e contou com curadoria de Priscila Arantes. A mostra foi um desdobramento do 1º Edital de Artistas Independentes da Artsoul que selecionou 25 artistas independentes de várias partes do Brasil para integrarem o escopo de artistas do marketplace e apresentou um olhar expandido sobre a produção destes através de fotos, vídeos, entrevistas, verbetes críticos e conexões em rede que evidenciam as potências poéticas de cada uma das produções, tomando partido das possibilidades de conexão e diálogo do ambiente virtual.
Anna Paes. Abu, 2020. Imagem: Artsoul
Em agosto o MASP inaugurou a mostra Desejo Imaginante, mais ampla exposição dedicada à artista Maria Martins (Campanha, Minas Gerais, 1894 – 1973), artista fundamental na história do modernismo brasileiro e no panorama do surrealismo internacional. A exposição incluiu 45 trabalhos, entre esculturas e gravuras, produzidos nas décadas de 1940 e 1950, além de 41 publicações e fotografias que narram a história da artista. Foi dividida em 5 núcleos que abordavam como Martins articulou os diversos imaginários acerca do Brasil e dos trópicos ao longo de sua produção.
Maria Martins. O Impossível, 1945. Imagem: MASP
Um dos mais importantes eventos de arte do Brasil, a Bienal de São Paulo, previu sua 34ª edição para 2020, mas foi adiada em razão da pandemia e reagendada para setembro deste ano. A edição contou com a curadoria-geral de Jacopo Crivelli Visconti, apresentando 1.100 obras de 91 artistas de todos os continentes e uma rica programação paralela espalhada por vários pontos-chave da cidade de São Paulo. “Faz escuro mas eu canto”, o título desta edição, foi inspirado por um verso do poeta amazonense Thiago de Mello, escrito em 1965 que provocava sobre a importância da produção artística em tempos sombrios.
34ª Bienal de São Paulo. Imagem: Amazônia Real
Parte integrante da 34ª Bienal de São Paulo, a exposição Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea, que aconteceu entre setembro e novembro no MAM-SP (Museu de Arte Moderna de São Paulo), com curadoria do artista, arte-educador, escritor, geógrafo e curador indígena da etnia makuxi Jaider Esbell (Normandia,Roraima, 1979 – 2021). A mostra reuniu trabalhos de artistas dos povos Baniwa, Guarani Mbya, Huni Kuin, Krenak, Karipuna, Lakota, Makuxi, Marubo, Pataxó, Patamona, Taurepang, Tapirapé, Tikmũ’ũn_Maxakali, Tukano, Wapichana, Xakriabá, Xirixana e Yanomami, materializados em desenhos, pinturas, fotografias e esculturas tratando das transformações visuais do pensamento cosmológico e narrativo ameríndio. A mostra foi um evento fundamental no movimento de se construir outras histórias da arte para além de tentar encaixar a arte indígena em uma narrativa canônica.
Jaider Esbell, Sem título, 2018. Imagem: DASartes
Outros eventos de grande importância para o circuito brasileiro de arte são as feiras ArtRio e SP-ARTE, que neste ano aconteceram entre setembro e outubro de forma híbrida, com programação tanto presencial quanto virtual. A 11ª edição da ArtRio contou com a participação de mais de 16 instituições e 60 galerias, muitas das quais presentes na Artsoul. Já a SP-ARTE em sua 17ª edição, contou com 128 expositores, entre instituições, editoras e galerias, várias também presentes na ArtSoul.
André Vargas. A língua como um estandarte. Portasvilaseca Galeria. Imagem: CASACOR
Uma das mais importantes premiações do circuito brasileiro de arte, o Prêmio PIPA todos os anos promove uma tradicional exposição com artistas vencedores da edição. Em 2020, a pandemia impediu que a exposição com os vencedores daquele ano (Gê Viana, Maxwell Alexandre, Randolpho Lamonier e Renata Felinto) fosse produzida, tendo sido adiada para setembro de 2021, onde esteve em cartaz no Paço Imperial do Rio de Janeiro. Juntamente com a mostra dos vencedores de 2020, estava exposta a Coleção do Instituto PIPA, além de uma apresentação dos artistas selecionados de 2021, sendo eles Denilson Baniwa, Ilê Sartuzi, Marcela Bonfim e Ventura Profana. Em outra galeria do museu, a Praça dos Arcos, o Instituto PIPA mostrou algumas obras que adquiriu e comissionou nos últimos anos, assinadas por artistas contemporâneos brasileiros que fazem parte da história do Prêmio PIPA.
Denilson Baniwa. “Re – Antropofagia”, 2019. Imagem: Arte que acontece
Finalmente, encerramos a programação de grandes eventos de 2021 com a exposição retrospectiva de Lygia Clark (Belo Horizonte, Minas Gerais, 1920 – 1988), uma das mais importantes artistas do século 20. A mostra Lygia Clark (1920-1988) 100 anos foi realizada pela Pinakotheke Cultural em sua sede em São Paulo em colaboração com a Associação Cultural Lygia Clark e teve curadoria de Max Perlingeiro. Reunindo cerca de 100 obras da artista, entre pinturas, desenhos, gravuras, bichos, objetos relacionais, fotografias, documentos e outros materiais.
Lygia Clark. Máscara abismo, 1968. Imagem: Revista Pesquisa
Luísa Prestes é artista visual, pesquisadora e arte-educadora. Participou de residências, ações, performances e exposições no Brasil e no exterior.
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