Desde a antiguidade até a contemporaneidade, obras que representam ou apresentam a natureza morta ocupam importante espaço nas artes visuais, presentes na produção de renomados artistas e coleções museais do mundo todo.
O termo “natureza morta”, usado pela primeira vez entre o fim do século XVI e início do século XVII, na Holanda, nomeia o gênero artístico caracterizado pela disposição de objetos inanimados num plano, seja em uma pintura, num esboço e em mosaicos ou vitrais. Estes objetos são geralmente flores, frutas e alimentos, utensílios, instrumentos musicais e ferramentas organizados pelo artista para compor o cenário das obras de arte.
Apesar da nomeação tardia, o surgimento do gênero em si se dá muito antes da Idade Moderna. As primeiras pinturas de natureza morta que se tem registro foram feitas pelos egípcios por volta do século XV a.C. para decorar, como forma de oferenda, cemitérios e tumbas que acompanhavam os mortos na passagem para o além-vida.
Essa representação de objetos inanimados logo foi adotada por artistas greco-romanos e transitou entre diversos estilos e períodos e, mesmo estando sempre presente como uma categoria de menor valor se comparada a obras de retratos e paisagens, foi de suma importância para descobrir e testar técnicas e diferentes materiais na pintura. Sua ascensão, porém, ocorreu somente entre os séculos XVII e XVIII, juntamente com o movimento Barroco.
Durante o Renascimento, a natureza morta aparecia como um detalhe adicional às obras de retrato e paisagem. Apenas no final do século XVI, com a pintura “Cesto de Frutas”, do pintor barroco Caravaggio, que a natureza morta protagonizou uma pintura marcante. Estas pinturas tinham cunho realista, feitas a partir da tinta a óleo, técnica popular na época. Existia a preocupação em representar exatamente o que era visto, com detalhes e falhas, luzes e sombras e variações tonais; as pinceladas eram precisas e pouco visíveis.
É com o Impressionismo e o Pós-Impressionismo que o gênero passa a ser visto com mais recorrência , sendo pintado por diversos artistas renomados, como Claude Monet, Renoir, Paul Cézanne, Camille Pissarro e Van Gogh. A partir disso, a natureza morta deixa de ser vista apenas como objeto de estudo e passa a ganhar mais atenção no mundo da arte, uma vez que começam a ser comercializadas e expostas, algo que não ocorria antes.
Até esse momento a mimese (cópia da realidade pela arte) ainda era um assunto em pauta, assim como a busca pelo belo, porém, as preocupações com realismo não eram mais tantas e a arte passava a receber uma característica própria: pinceladas leves e marcadas que texturizavam as telas, além da utilização de cores vivas e saturadas nas composições.
No início do século XX, dentro das Vanguardas Europeias, a natureza morta se destacou no Fauvismo, Cubismo e Surrealismo, quebrando totalmente com a estética clássica e mimética dos períodos anteriores e atribuindo novas visões e formas para os objetos inanimados, além de concepções subjetivas e espirituais associadas ao mundo inconsciente.
Alguns dos principais artistas desses estilos a representarem a natureza morta em suas obras foram, respectivamente, Henri Matisse, Pablo Picasso, Frida Kahlo e Salvador Dalí, além dos também renomados pintores brasileiros, Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti.
Esta é apenas uma das quatro obras de girassóis que Van Gogh pintou entre agosto e setembro do ano de 1888 e é provavelmente a mais famosa natureza morta já feita, sendo extremamente renomada e uma das principais pinturas do artista.
A tela, junto das outras três feitas para adornar a sala de seu colega e pintor, Paul Gauguin, foi pintada utilizando a técnica de impasto com tinta a óleo, quase toda em tons de amarelo que, inclusive, era a cor preferida de Van Gogh. Há um contraste simbólico entre a cor vibrante que transmite alegria e vida ensolarada, e algumas pétalas murchas que remetem à realidade depressiva em que vivia. Contraste que agregou ainda mais interpretações ao seu trabalho.
Atualmente a obra está localizada em Londres e faz parte do acervo da National Gallery.
A obra, que foi a primeira natureza morta a fazer sucesso como um gênero próprio, sem incluir a figura humana junto a ela, trouxe importantes benefícios para os estudos barrocos, caracterizados principalmente pela luz e sombra. A partir dela, diversos artistas passaram a retratar objetos como frutas, alimentos e até mesmo carnes e animais mortos, abatidos para consumo.
Nesta tela, Caravaggio cria uma tensão ao posicionar o cesto na beira da mesa, causando a impressão de que ele pode cair a qualquer momento, algo que, segundo pesquisadores, teria sido uma reação do artista contra a estética de proporção e harmonia maneirista.
O quadro é uma pintura de tinta a óleo sobre tela e está atualmente localizada na Biblioteca Ambrosiana, em Milão, na Itália.
Uma das poucas obras assinadas por Cézanne, “Cesta de Maçãs” (1893) se tornou uma das mais conhecidas naturezas mortas do pós-impressionismo e de todos os tempos.
Feita com tinta a óleo sobre tela, a obra fez parte de uma exposição organizada pelo comerciante de arte parisiense, Ambroise Vollard, dedicada ao artista, em 1895. Foi a primeira vez, após vinte anos pintando em exílio, que seu trabalho foi exposto ao público.
A pintura, localizada na School of the Art Institute of Chicago, em Illinois, nos Estados Unidos, carrega fortes características de seu estilo, como as cores saturadas, as marcas de pinceladas e as sombras mais claras, em tom de cinza azulado.
Esta foi a última obra feita por Frida Kahlo, finalizada aproximadamente oito dias antes de sua morte, em 14 de julho de 1954.
Nela, a artista pinta uma natureza morta com melancias, considerada a fruta favorita da maioria dos mexicanos, além de ser uma comida tradicional do Dia de los Muertos. Em um pedaço de uma delas, escreve a frase “Viva la Vida”, que pode ser compreendida como uma homenagem à vida e à recuperação do tempo perdido, associada a seu estado de saúde na época.
Pintada com tinta a óleo sobre masonite, a obra se destaca entre o restante da coleção da pintora. Isso porque, apesar dos problemas de saúde que passava em seus últimos dias de vida, a combinação de cores utilizada transmite a sensação de alegria, contendo ainda mais significado.
O quadro, assim como a maioria de sua arte, pertence ao acervo do Museu Frida Kahlo, na Cidade do México, fundado em sua homenagem.
“Natureza Morta com Melão”, 1872. Claude Monet. Imagem: Museu Calouste Gulbenkian.
A mais conhecida natureza morta de Claude Monet, localizada no Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa, é feita a óleo sobre tela e utiliza técnicas e pinceladas levemente marcadas, características do estilo impressionista, dando a impressão de uma imagem chuviscada, com ruídos.
Acredita-se que o quadro tenha sido pintado sob inspiração de outras duas obras: “Flores e Frutas numa Mesa” (1865), de Henri Fantin-Latour; e “Natureza Morta com Melão e Pêssegos” (1866), de Edouard Manet. Entretanto, a obra de Monet se destaca, não apenas por sua fama, mas pela composição de cores que transmite a sensação de frutas maduras e vivas.
Com a invenção da fotografia no século XIX e posteriormente o surgimento da Pop Art nos anos 50, descobriu-se uma nova atribuição para a natureza morta, utilizando-a para refletir sobre o consumo em massa de produtos cotidianos ou até para protestar sobre guerras através da representação de armamentos bélicos, agregando-os valor artístico.
Um dos artistas que mais se apropriou do gênero foi o americano Andy Warhol, em sua obra “Latas de Sopa Campbell” (1962); um bom exemplo de como a arte dos objetos inanimados se adequou ao estilo e a novas técnicas.
O ready-made foi também um momento em que a natureza morta se desenvolveu no último século. Após o Dadaísmo de Marcel Duchamp, que se destacou com obras que chocavam ao trazer objetos industriais para o circuito artístico, a contemporaneidade abraçou a antiarte e as composições com objetos cotidianos.
Por fim, no campo da escultura, o artista contemporâneo libanês-brasileiro, Camille Kachani, traz uma série de esculturas de naturezas mortas com variados objetos, como móveis de madeira, instrumentos musicais, louças e até mesmo granadas. Com galhos folheados que parecem brotar da superfície, as esculturas estimulam um novo olhar a estes objetos, ressignificando suas funções originais.
Julia Mattioni é artista visual e estudante de Artes Visuais das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).
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