Um dos nomes mais icônicos da Arte Moderna Europeia, Pablo Picasso (1881 – 1973) foi precursor do movimento cubista e em seu repertório figuram diversas linguagens artísticas: pinturas, gravuras, cerâmicas, esculturas e mais.
A transição de uma estética realista para as expressões abstratas marca um ponto de inflexão determinante na carreira do artista, que o colocou na vanguarda do movimento artístico de sua época.
Picasso nasceu na cidade de Málaga, Espanha, em 1881, filho de María Picasso y López e José Ruiz Blasco e foi iniciado nas artes plásticas desde cedo graças à influência de seu pai, professor de artes e também pintor. Picasso muda-se para a Galiza (região autônoma da Espanha) quando seu pai recebe uma oportunidade de emprego na Escola Provincial de Belas Artes da Corunha. Os registros biográficos sobre o artista costumam relatar que aos 13 anos de idade Picasso já superava seu pai nas habilidades da pintura.
Aos 14 anos a família Picasso muda-se novamente, desta vez para Barcelona, e, aos 16 anos, Picasso se estabelece em Madrid. Em ambas as estadias Picasso adentrou as escolas de arte de cada cidade – La Lonja e a Real Academia de Belas-Artes de São Fernando, respectivamente. Sempre um prodígio, foi já na adolescência que Picasso produziu sua primeira pintura a óleo de grandes dimensões (166cm x 118cm) intitulada A primeira comunhão.
Percebe-se o forte realismo da pintura, que encaixa-se nos conformes de grande parte das expectativas da pintura acadêmica do fim do século XIX. Porém, assim como a cena representada na pintura, a obra marca o que viria a ser a inauguração de um novo ciclo na vida do próprio Picasso, o que aconteceria de fato após sua próxima viagem.
Em 1900 o artista faz sua primeira visita à capital francesa. Na cidade, Picasso teve a oportunidade de aproximar-se e conviver com a classe artística, porém, seus primeiros anos no país foram marcados pela pobreza e pela depressão. O período entre os anos 1901 e 1904 é conhecido como a Fase Azul dentro da carreira do artista.
O velho guitarrista cego é talvez a obra mais icônica da Fase Azul de Picasso. O tom sóbrio – e até sombrio – permeou as obras deste período, sendo muito marcado pela predominância dos tons de azul. Outro traço marcante é a recorrente representação de personagens às margens da sociedade.
Já nos anos de 1904 a 1906, Picasso teria o que hoje costuma-se chamar de sua Fase Rosa, marcado por tons mais alegres de laranja e rosa – assim como beges e vermelhos. A transição de Picasso costuma ser atribuída ao seu relacionamento com Fernande Olivier, artista e modelo, e à sua ascensão financeira, após receber um patrocínio de Ambroise Vollard, negociante de arte.
Apesar de dotadas de tons mais quentes, as obras desta Fase ainda continham certa sobriedade. Em Rapaz com cachimbo, Picasso retrata um jovem adolescente de roupas azuis com uma coroa de flores e dois arranjos florais acompanhando-o de cada lado. O quadro é considerado uma das obras mais belas de sua Fase Rosa – vendida por U$104 milhões em 2004.
Já entre 1906 e 1909, Picasso começaria a traçar caminhos que o levariam para a vanguarda da arte moderna. Algumas vezes denominada de Fase Africana (ou apenas de influências africanas), o período revela alguns dos marcos estéticos do que viria a ser o movimento cubista.
Em Les demoiselles d’Avignon, Picasso sela sua ruptura com os padrões tradicionais e figurativos que norteavam as produções artísticas da época. Com uma representação estilizada dos corpos de forma geometrizada e distorcida, com olhares pungentes e poses fortes, as mulheres representadas possuem um ar de imponência sobre o observador – vale notar, também, que todas olham diretamente de volta a quem as contempla. As duas figuras da direita têm seus rostos compostos por figuras que se assemelham a máscaras africanas – caráter que estaria muito presente nas obras do artista durante esse período (e, por isso, a atribuição do nome “Fase Africana”).
O rompimento com a tradição da representação verossímil do corpo humano fez parte de um sentimento compartilhado pelos artistas que levariam adiante a vanguarda da Arte Abstrata. Para boa parte deles, a pintura já não deveria se ater apenas à representação mais realista possível da forma humana. Com o advento da fotografia – que passou a cumprir o papel de representação do mundo – a pintura poderia expandir-se para campos ainda não explorados. Como o próprio Picasso declarou , “[a] fotografia chegou no momento certo para libertar a pintura de qualquer anedota, e qualquer literatura e até do sujeito”.
Nos anos de 1909 a 1912, Picasso deu início à sua investigação formal no cubismo – ao lado de Georges Braque, outro proponente do movimento. O cubismo propôs a desconstrução de objetos e personagens em frações geométricas.
As obras cubistas costumam representar diferentes pontos de vista de um mesmo objeto na tela – aferindo tridimensionalidade à superfície bidimensional. De Menina com bandolim para Ma jolie – ambas representando uma mulher segurando um instrumento – é possível notar uma maior prevalência da abstração na obra posterior – acompanhando a tendência do movimento cubista de aproximar-se cada vez mais do abstrato. Se na primeira obra a personagem retratada ainda é consideravelmente discernível, já na segunda é necessário um olhar mais atento e meticuloso para capturar as partes que compõem tanto a mulher quanto o instrumento representados.
Os anos de 1919 a 1929, no pós Primeira Guerra Mundial, marcam um momento de grande transição para o artista. O envolvimento com o movimento surrealista e com artistas como Joan Miró influencia o olhar de Picasso para a inserção de elementos distorcidos e associados ao inconsciente. No fim da década de 1930, por exemplo, Picasso produziria sua mais conhecida obra, Guernica.
Guernica retrata uma cena da Guerra Civil Espanhola, mais especificamente, o bombardeio realizado por aviões nazistas, com o apoio das forças nacionalistas de Francisco Franco, sobre a cidade basca de Guernica. A pintura demonstra a tragédia e o horror causado pela guerra, especialmente sobre os indivíduos. Os corpos distorcidos, braços e cabeças que parecem desanexados e as expressões de terror e desespero das personagens – animais, adultos e crianças – compõem um dos maiores símbolos anti-guerra, que é Guernica. Os tons de preto e branco dão um tom quase jornalístico à obra. Traços de abstração e de surrealismo, somados às proporções do trabalho (3,5m x 7,8m) criam um cenário paralisante.
Nas suas três últimas décadas de vida, de 1940 a 1973, profícuo, Picasso viria a produzir e criar mais do que em qualquer outro período de sua vida. Suas obras não se restringiam à pintura, mas somavam também gravuras (usualmente em técnica de linóleo) e esculturas. Em 1946, na cidade de Antibes, França, Picasso estabeleceu seu ateliê em uma das alas do Museu Grimaldi a convite do curador. Lá produziu 23 pinturas e 44 desenhos, voltando a Paris após o período. Em 1966, como homenagem, o museu viria a se chamar Musée Picasso.
Pablo Picasso morreu aos 92 anos em 1973, em Mougins, na França, já consagrado como um dos gênios da Arte Moderna.
Mesmo após sua morte, o nome de Picasso continua protagonizando manchetes ao longo dos anos. Em 2015, sua tela Mulheres de Argel viria a ser a obra mais cara do século XX vendida em leilão até o início deste ano. Em 2020, uma obra inédita feita em carvão foi leiloada pela Sotheby’s, casa de leilão consolidada no mercado de arte internacional.
Pablo Picasso. Mulheres de Argel (versão “O”), 1955. Reprodução: Artsy.net
No Brasil, suas obras já protagonizaram episódios como o roubo da tela O retrato de Suzanne Bloch no mesmo caso em que uma tela de Candido Portinari fora roubada do MASP. Para além das manchetes, suas obras já compuseram exposições marcantes como a segunda Bienal de São Paulo, onde Guernica foi exposta em 1953 – é possível conferir curiosidades sobre o transporte da obra para a cidade de São Paulo no podcast “Bienal, 70 anos”.
Do realismo que se libertou ao pobre e triste azul, que se transformou ao quente e florido para ao fim desembocar no cubismo, Picasso foi um dos nomes mais influentes da arte no século XX, elevando a colagem ao nível das belas artes e, assim, expandindo seus horizontes de forma irreversível.
Matheus Paiva é produtor cultural e internacionalista, formado pela Universidade de São Paulo.
O mundo dos sonhos e o inconsciente na obra de artistas surrealistas