O Moulin de la Galette foi escolhido como o tema principal de várias obras de arte renomadas através das décadas. Artistas como Van Gogh, Renoir e Picasso, decidiram utilizar os mesmos locais como inspiração para suas pinturas. Mas o que cativou tantos artistas os levando a escolher a mesma localidade para suas obras? O que é o Moulin de la Galette?
Apesar do que sugere, Le Moulin de la Galette não é o nome de um moinho. Esse título foi atribuído ao baile público originalmente criado pela família Debray. Os eventos se davam entre dois moinhos históricos, Blute-fin e Radet. Os últimos dois, dos trinta moinhos de Montmartre, foram preservados e sobrevivem até os dias de hoje.
O moinho Radet, segundo a família Debray, existe desde 1268. Ele já foi chamado de Moulin Chapon, nomeado com o sobrenome de um de seus antigos donos, e já foi transferido de local inúmeras vezes, graças a projetos de urbanização através dos séculos. Sendo utilizado para moer desde alabastro para porcelana até ingredientes para perfume.
Já o moinho Blute-fin, foi construído em 1621. Assim como o anterior, já incorporou diferentes nomes, Moulin du Palais ou Moulin Bout, por exemplo, e apenas em 1795 que ganhou o nome Blute-fin. Era conhecido por toda a capital por sua farinha extremamente fina, na época que foi adquirido pelos Debray.
O moinho sofreu restauros e graças a eles seu interior está intacto e é o único moinho funcional que ainda existe no bairro, porém, faz parte de uma propriedade privada e não pode ser visitado pelo público geral.
Os bailes tiveram início em torno de 1810, quando os moinhos funcionavam durante a semana e aos domingos as festas aconteciam, eventualmente os moinhos cessaram suas atividades e os eventos começaram a ser realizados quatro vezes por semana. Com a criação de novas ruas o acesso foi facilitado e o local se tornou cada vez mais conhecido e frequentado.
Apesar de inicialmente se chamarem, Bal Debray, os bailes logo tiveram seu nome mudado para Moulin de la Galette, pois nestes eventos, junto ao vinho de Butte era servido um pão de centeio chamado galette.
As festas que encarnam o espírito alegre e jovial de Paris assim como a vida noturna parisiense, serviram de inspiração para inúmeros artistas de épocas diferentes. Cada um trazendo sua própria perspectiva sobre o local, e as impressões deixadas pelos bailes e seus frequentadores.
Pintado por Renoir, Dance at le Moulin de la Galette (1876) é um dos quadros mais icônicos do pintor impressionista, considerado “um retrato perfeito da vida parisiense”. A cena do baile a céu aberto é vívida, e apesar de ter certa sobriedade em suas cores é vibrante e dá a impressão de que é um domingo ensolarado.
Os personagens parecem estar posando para uma foto, a forma como a pintura foi feita dá a impressão de que a festa está acontecendo enquanto Renoir captura o momento. Porém, apesar da descontração da cena, todas as pessoas retratadas eram modelos profissionais e amigos de Renoir, que estavam posando para a pintura.
Ele os posicionou de forma que a obra teria um ar espontâneo, como se todos os convidados estivessem interagindo naturalmente, dessa forma conseguindo retratar a vivacidade e elegância das festas parisienses.
No ano que Van Gogh viajou à França foi o ano da última exibição criada pelos artistas impressionistas, muitos como Claude Monet já estavam transicionando para diferentes estilos e experimentando novas técnicas e possibilidades.
Seu estúdio em Montmartre ficava na rua Lepic, que era a mesma rua do Moinho Radet e do Moulin de la Galette. O artista criou uma série de pinturas do local, algumas têm os moinhos históricos como foco, outras retratam as pessoas passando pela rua em frente ao local, seguindo seus caminhos em momentos costumeiros do dia a dia.
Essa obra apresenta traços do impressionismo, a partir da qual o pintor sacrifica a fidelidade das formas em vista de capturar o momento, a luminosidade, as pessoas. A impressão que a pintura evoca é de que é um dia nublado, a representação da luz é suave, como consequência as cores são atenuadas graças à iluminação.
É notável que as pinceladas conseguem trazer o foco para o moinho Radet e o Moulin de la Galette. As pessoas e os arredores foram simplificados de forma que os olhos seguem até o centro, onde há uma concentração maior de detalhes e cores mais vibrantes que contrastam com o resto da cena.
Quinsac foi um artista que tinha inclinação para arte acadêmica, em meio às experimentações dos pintores do romantismo e do impressionismo, ele manteve seu foco em representações de personagens mitológicos, paisagens, alegorias entre vários outros temas.
Sua escolha para a cena foi a imagem da entrada do moinho, trazendo dois interesses comuns da época, mulheres elegantes com a aparência e vestimenta sofisticadas, o símbolo da elite vivaz parisiense, e uma localidade famosa de Paris.
Ambas as escolhas criam um cenário interessante que se destaca dos demais. Outros artistas optaram por pintar cenas do baile ou do lado externo do Moulin de la Galette, mas Quinsac nos dá uma perspectiva diferente, mostrando que uma das entradas para o baile é através do moinho Radet.
As cores da obra são sóbrias, se atendo à realidade, o detalhamento é minucioso, e para acentuar os personagens na pintura ele trabalha a composição e as cores das vestimentas que se destacam em meio às cores terrosas e amadeiradas, e em ao céu nublado e cinzento. Não há nenhuma cor que dispute com os vestidos vibrantes, com exceção do relógio no topo do moinho, que guia nosso olhar à bandeira da França posicionada logo atrás.
Toulouse-Lautrec foi um dos maiores nomes entre os artistas do pós-impressionismo, além de pintor, também foi ilustrador, caricaturista e gravador. Retratando uma das festas dentro do Moulin de la Galette, ele utiliza a divisão de madeira para criar diferentes focos na pintura.
Ao fundo, onde a dança acontece, os personagens parecem até mesmo se misturar entre eles, e todos estão se divertindo, conversando e dançando. Os detalhes e texturas parecem se entrelaçar, trazendo um certo caos e movimento que é comum para uma festa agitada.
Já próximos da mesa de madeira temos quatro personagens, esperando sua vez para entrar ou meramente descansando e observando conforme o evento se desenrola, se tornando os observadores e consolidando um primeiro plano estático, o que constraste com todo o movimento ocorrendo ao fundo.
Pablo picasso, grande nome do movimento cubista, criou essa obra quando ainda tinha 19 anos, fase em que seu estilo estava se desenvolvendo, influenciado por pintores como Lautrec e Cézanne. Em 1900 quando fez sua viagem à Paris pôde experienciar os museus, exposições, cafés e a vida noturna parisiense. Eventualmente visitou o Moulin de la Galette e decidiu pintá-lo como muitos outros artistas antes dele.
O tipo de iluminação na pintura é mais baixa, o que torna a cena escura em contraste às cores vibrantes das roupas dos personagens. As figuras do primeiro plano estão mais nítidas enquanto as mais distantes dão a impressão de estarem borradas criando profundidade e perspectiva na cena. Apesar de não ganharem nitidez em suas expressões faciais, os traços vermelhos presentes em cada rosto são marcantes, traduzindo calor e excitação.
Kees van Dongen – Moulin de la Galette
Kees Van Dongen foi um pintor e cartunista, um nome associado ao Movimento Fauvista. Sua pintura ressalta vários elementos do movimento e de seu estilo, a abstração da obra traz o foco para pontos específicos, enquanto o resto da pintura se desfaz, se mesclando entre variadas cores.
A figura mais notável é a mulher no primeiro plano com o chapéu de flores vermelhas, sendo a personagem com mais detalhes na cena, as cores avermelhadas do chapéu e seus cabelos ruivos fazem com que se destaque. Parecendo alheia, perdida em pensamentos em contraste com o resto dos personagens que estão tão imersos na festa que se fundem com o próprio cenário.
Além dela, é possível identificar um casal que interage e sorri, absorto em sua conversa, de certa forma também alheio à festa. A intensidade das cores e as pinceladas curtas, traços típicos do movimento fauvista, criam um ambiente vibrante e animado.
Apesar de ter passado por reformas recentes, ainda mantém o charme e estilo que inspirou diversos artistas através da história, e assim conservando uma parte importante da história da arte.
Hakai S. Ghilardi é graduado em Design Gráfico e pesquisador independente de História da Arte.
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