Joan Miró i Ferrà (Barcelona, Espanha, 1893 – 1983) foi um multi-artista catalão. Viveu e produziu suas obras nos anos cruciais para a explosão das vanguardas artísticas do início do século XX e é considerado um dos mais importantes artistas desse início da arte moderna. Seu nome está fortemente associado ao Surrealismo, mas sua obra transcende ao movimento, apresentando uma linguagem pictórica única.
Joan Miró nasceu no dia 20 de abril de 1893, em Barcelona, capital do território catalão. Teve contato com arte desde jovem, frequentando a Escola de Belas Artes de Barcelona, mas aos 14 anos de idade precisou abandonar os estudos da arte. Seu pai, um comerciante dono de uma joalheria e relojoaria, queria que ele seguisse uma carreira tradicional e rentável. Miró passou então a cursar faculdade de economia e a trabalhar como balconista em uma farmácia. Entretanto, a vida monótona de comerciante o deprimiu. O ápice da crise nervosa se deu quando foi acometido pela febre tifóide.
Seguindo as recomendações médicas, Miró foi passar um tempo se recuperando na propriedade da família em Mont Roig del Camp. O período no interior propiciou a reconexão com a pintura pela qual o artista ansiava. Ao entender a importância da prática artística para a saúde e felicidade do filho, seus pais permitiram que ele retomasse os estudos em arte e, em 1912, ingressou na Academia de Artes, dirigida por Francisco Gali, em Barcelona. Galí além de ensinar técnicas de pintura e desenho para o jovem Miró, apresentou a ele as vanguardas artísticas que despontavam na Europa.
O artista passou os anos seguintes vivendo entre o campo, em Mont Roig, a cidade de Barcelona e a ilha de Mallorca. Nessa fase, Miró estava interessado no Fauvismo, pintando paisagens, retratos e nus nos quais experimentava com volumes e áreas de cor intensa. Seu estilo, porém, era mais geométrico, influenciado pela obra de Paul Cézanne e dos artistas cubistas.
Miró começou a colher os frutos da dedicação ao estudo da arte e, em 1918, realizou sua primeira exposição individual. No ano seguinte, se mudou para Paris que, naquele momento, era o epicentro de um universo efervescente de experimentações artísticas. Lá, conheceu artistas como Pablo Picasso e André Breton, principal idealizador do movimento Surrealista.
Sua experiência de vida enquanto sujeito nascido e criado na cultura catalã exercia forte influência sobre Miró que, diferente de outros artistas de época que adotaram a França como lar definitivo, vivia entre Paris e Catalunha. Miró pensava constantemente na vida no interior da Espanha e pintou a obra A Fazenda, entre 1921 e 1922, enquanto estava em seu estúdio em Paris. A obra foi produzida a partir das memórias do artista da vida na fazenda de Mont Roig, combinadas com elementos surrealistas e figuras misteriosas que anunciavam a aproximação do abstracionismo dos anos seguintes.
Miró e os surrealistas se influenciaram mutuamente. Eles se interessavam pelas imagens provenientes do subconsciente, os temas fantásticos e o reino dos sonhos. De acordo com André Breton, os surrealistas pretendiam libertar o real funcionamento da mente através do automatismo psíquico puro, livre de qualquer controle exercido pela razão. Miró também se interessava por uma expressão artística livre. Ele admirava a relação das crianças com a arte e a gestualidade dos desenhos infantis. Também se interessava muito pela arte na época denominada “primitiva”, hoje chamada de arte rupestre. Miró dizia que a arte rupestre foi o mais alto grau de pureza da arte produzida pela humanidade e que, depois disso, a arte apenas degenerou. É claro que essa afirmação tratava-se de uma provocação para ressaltar a importância que o artista dava para a arte expressiva criada sem as restrições tão duras do julgamento racional.
O pintor chegou a assinar o manifesto e a participar de uma das exposições dos surrealistas em 1926. No entanto, nunca se comprometeu completamente com o movimento, pois desejava profundamente desenvolver uma linguagem pictórica própria. O artista buscava estabelecer meios de expressão metafórica, ou seja, desenvolver símbolos que representassem conceitos da natureza em um sentido poético, transcendente.
Miro praticava exercícios para tentar alcançar um estado elevado de consciência semelhante à meditação. Esta prática almejava chegar a um lugar onde o mundo concreto se afastasse e a imaginação ganhasse espaço para que então sua subjetividade pudesse tomar conta e transformar a percepção do mundo exterior. Ele, como os surrealistas, dava grande importância para os aspectos provenientes do subconsciente que transbordavam na pintura de forma quase automática. Mas, esta era apenas a primeira etapa na criação de suas obras. Este primeiro impulso era sucedido por um segundo momento no qual Miró retrabalhava as obras com planejamento e precisão, logrando criar imagens misteriosas, diferentes de qualquer objeto natural.
No início da década de 1930, o artista tornou-se mundialmente famoso, expondo com frequência em galerias francesas e americanas. Ilustrou livros, experimentou nas linguagens da colagem e do muralismo, simplificando ainda mais seu grafismo para linhas, pontos, manchas e blocos de cores primárias. Também contribuiu com cenários e figurinos para balés, o de maior destaque sendo o Balé Russo de Monte-Carlo, com coreografia de Léonid Massine e música de Georges Bizet.
Ao final da década, porém, foi marcado pelo início da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Miró era muito ligado a sua terra natal. Apesar de estar vivendo na França neste período, ficou profundamente afetado pela violência e o sofrimento provocados pela Guerra Civil Espanhola e pela ascensão do regime ditatorial fascista perpetrado pelo general Francisco Franco. Na época produziu um mural que foi exibido ao lado do Guernica, de Picasso, no pavilhão espanhol da Exposição Internacional de Paris, que aconteceu em 1937. O Ceifador, de Miró, tratava-se de um mural pintado nas paredes do pavilhão que, infelizmente, foi perdido ou destruído após a desmontagem do pavilhão. O mural apresentava um camponês catalão como símbolo de força e independência. Era um grito de resistência face aos terríveis eventos que se davam na Espanha naquele momento.
Poucos meses se passaram entre o fim da Guerra Civil Espanhola e o início da Segunda Guerra Mundial. No meio do horror daquele momento, Miró começou o que viria a ser uma de suas mais importantes contribuições para a História da Arte. Ainda em Paris, ele pintou os primeiros exemplares da série Constelações, um conjunto de 23 pequenas pinturas em tinta guache sobre papel. Com o avanço das tropas nazistas em direção à Paris, o artista colocou essas obras em uma pasta e partiu com a família de volta para a Espanha. Bretón, mais tarde viria a refletir sobre o momento e como “Miró, nesta hora de extrema angústia, projetou toda a extensão de sua voz”.
Ao final da Segunda Guerra Mundial, entre as décadas de 1940 e 1950, Miró conquistou cada vez mais fama e respeito no mundo da arte. Produziu os murais Sol e Lua especialmente para o edifício sede da UNESCO na França. O trabalho foi premiado pela Fundação Guggenheim, em 1958. Também produziu um mural para a Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, país para o qual viajou diversas vezes durante o período, tendo contato e ficando fascinado com o expressionismo abstrato norteamericano. Miró foi influenciado pela arte americana e também deixou sua marca do outro lado do oceano. O Museu de Arte Moderna de Nova York dedicou uma exposição retrospectiva de sua trajetória em 1941, com mais de 70 obras em exibição.
Na época, em 1954, também recebeu o prêmio de gravura da Bienal de Veneza. Dois anos mais tarde mudou-se para Mallorca, onde estabeleceu seu novo estúdio que viria a se tornar uma das sedes de sua fundação. A Fundação Miró, criada em 1975, também conta com uma sede em Barcelona. Em 1980, poucos anos antes de seu falecimento, o artista recebeu a Medalha de Ouro de Belas Artes, do rei Juan Carlos da Espanha.
“Eu sempre tenho meus pés sobre a terra e meus olhos nas estrelas”, disse Miró em uma entrevista, certa vez. Essa frase expressa lindamente a potência da obra de um artista profundamente humano e intensamente sonhador como foi o pintor. Joan Miró faleceu no dia 25 de dezembro de 1983, tendo visto o fim do regime fascista de Franco na sua amada Espanha. Sua obra ganhou o mundo e hoje pode ser vista em esculturas e murais públicos em diversos países, além das mais importantes instituições artísticas do mundo.
Luísa Prestes, formada em artes visuais pela UFRGS, é artista, pesquisadora e arte-educadora. Participou de residências, ações, performances e exposições no Brasil e no exterior.
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