No último dia 5, o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) inaugurou a 38a edição do Panorama da Arte Brasileira, uma das exposições mais esperadas para o calendário museológico de 2024. Em um recorte pujante da produção contemporânea nacional, a mostra reúne mais de 130 obras – sendo 79 projetos inéditos -, com a participação de artistas e coletivos de diferentes regiões do país.
Neste ano, pela primeira vez na história, o Panorama ocupa o prédio do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, o MAC USP. A mudança de local aconteceu devido à reforma na marquise do Parque Ibirapuera, trecho em que o MAM está sediado, que tem previsão para ser concluída apenas no primeiro semestre de 2025. Na instituição parceira, localizada a apenas uma passarela de distância do parque, os organizadores precisaram formular algumas adaptações de projeto, um desafio complexo, dadas as especificidades de cada espaço expositivo.
Intitulada “Mil graus”, a exposição tem como objetivo pensar criticamente a realidade atual do Brasil a partir da noção de calor-limite, isto é, uma temperatura em que tudo desmancha e se transforma. “Alta intensidade energética” é o que propõem os curadores Germano Dushá e Thiago de Paula Souza, ao lado da curadora-adjunta Ariana Nuala.
Para eles, o termo “panorama” não se refere a um esgotamento da produção contemporânea brasileira, mas sim a uma parte do que está sendo feito hoje, em diferentes contextos e espacialidades: “Assim como outras curadorias que vieram antes de nós, sabemos que traçar um ‘Panorama da Arte Brasileira’ é uma tarefa impossível já de partida e que seria muita pretensão imaginar que uma exposição de arte contemporânea, ainda mais diante dos limites de tempo, espaço, conceito, dentre outras questões, poderia dar conta da dimensão de um país continental, com profundas complexidades sociais e culturais, como o Brasil”, explicam.
Nessa proposta, o calor diz respeito às tensões sociais, políticas e ambientais que o país enfrenta. E a arte, por sua vez, funciona como voz e suporte para tratar dessas questões. De fato, em todas as obras dispostas pelo museu é possível identificar um caráter energético ou de mutação. A pluralidade dos materiais utilizados – que vão desde matérias orgânicas como a terra e o algodão, até equipamentos industriais e instalações de vídeo – reflete a diversidade de temas que orientou o projeto curatorial.
Um dos destaques nesse sentido é o trabalho “Moquém – Carnes de caça” (2023-2024), de Frederico Filippi. Comissionada para o Panorama, a obra é composta por restos de tratores que foram incinerados pela Polícia Federal após uma operação de fiscalização em garimpos ilegais, no estado do Pará. Essas peças queimadas e derretidas são apresentadas pelo artista em uma estrutura de grid, fazendo referência ao “moquém”, nome dado pelo povo Tupi às grelhas de madeira usadas para assar carnes (de animais ou de prisioneiros preparados para rituais antropofágicos). Assim, Filippi denuncia a cadeira industrial que produz e financia a extração desenfreada de minérios e o descarte desses materiais na natureza.
Lucas Arruda, por sua vez, trabalha com pinturas que caminham entre o figurativo e o abstrato. Não se trata de uma representação de lugares reais do mundo, passíveis de identificação, mas sim de pinceladas que instigam a sensibilidade do espectador. Ivan Campos, em outra proposta, apresenta uma obra sem título de sete metros horizontais. Produzida entre 2008 e 2010, a imagem retrata uma selva intrincada, cheia de movimentos.
Já Eusimar Meireles Gomes, mais conhecido como Zimar, tem sua produção marcada pela relação com o Bumba meu boi, a manifestação cultural mais importante da Baixada Maranhense, região onde vive. Envolvendo personagens do imaginário popular e intervenções sobrenaturais, a celebração dramatiza o abate e a ressurreição de um boi, como um ritual de vida e morte. Zimar, como brincante dessa festa, cria suas próprias máscaras e se une a uma tradição imemorial, a da máscara como objeto de poder. No Panorama, dez dessas “caretas” são expostas em uma espécie de constelação, um diagrama de cinco pontas, com cabelos, barbas, bocas e olhos arregalados.
Essas e outras obras não aparecem divididas por núcleos temáticos. A ideia não é segmentar pesquisas e práticas artísticas, mas traçar linhas conceituais que podem ajudar os visitantes a se guiarem pelo prédio. De acordo com o texto curatorial, cinco eixos se destacam: Ecologia geral, Territórios originários, Chumbo-tropical, Corpo-aparelhagem e Transes e travessias. Tais encaminhamentos, no entanto, não ficam claros na exposição, que é marcada pela falta de textos de apoio explicando os trabalhos.
A mostra ocupa todo o terceiro andar do edifício, bem como algumas partes do térreo. O projeto expográfico, assinado pelo arquiteto Alberto Rheingantz, foi repensado e adaptado para o espaço do MAC USP. Para unir os diferentes pavimentos, foram usados painéis metálicos como base estrutural da arquitetura, que permitiram variações de combinações e materiais em suas superfícies
A 38a edição do Panorama conta, ainda, com alguns projetos especiais. Como um desdobramento da conceituação de “Mil graus”, o MAM-SP lança, também, um ambiente 3D que ficará disponível online de forma gratuita durante toda a exibição. O intuito é criar uma experiência imersiva única, com obras digitais e representações tridimensionais de criações físicas. Além disso, o museu promove também o podcast Mil graus, que discutirá temas abordados por alguns dos artistas e coletivos participantes.
Serviço
38º Panorama da Arte Brasileira: Mil graus
Curadoria: Germano Dushá, Thiago de Paula Souza
Curadoria-adjunta: Ariana Nuala
Período expositivo: 5 de outubro de 2024 a 26 de janeiro de 2025
Realização: Museu de Arte Moderna de São Paulo
Exibição em: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, MAC USP
Locais: térreo e terceiro andar
Funcionamento: terça a domingo, das 10h às 21h
Gratuito.
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