Manabu Mabe, nascido no Japão em 1924, chega em terras brasileiras ainda na sua infância. Tal território seria seu lar até o fim da vida e onde estabeleceria sua brilhante carreira enquanto pintor, sendo considerado hoje um dos pioneiros do abstracionismo no Brasil.
A introdução entusiasmada de uma trajetória de sucesso não revela os percalços que passou. Sua família, com problemas financeiros na terra natal, imigrou ao Brasil em 1934 para trabalhar nas lavouras de café em Lins, interior de São Paulo.
Logo que chegou na cidade paulista, o pequeno Mabe demonstrava seu interesse pela arte ao imitar desenhos de revistas japonesas. Um autodidata, começou pintando com crayons e aquarela aprimorando progressivamente suas técnicas de desenho.
À época conheceu o pintor e fotógrafo Teisuke Kumasaka que lhe ensinou a preparar telas e diluir tintas. Apegado a esse interesse e com base nos novos conhecimentos, estabelece um ateliê adaptado às circunstâncias e encontra felicidade nos dias de chuva: impossibilitado de ir à colheita, pintava obstinado a se tornar um grande artista.
Na década de 1940 toma a decisão de investir seu tempo e dedicação exclusivamente à arte, buscando maiores oportunidades na cidade de São Paulo. Em 1947, integra o Grupo de Artistas Plásticos de São Paulo (Grupo Seibi) que agrupava a comunidade de artistas imigrantes japoneses.
Neste momento seu estilo é mais acadêmico; estudando nu artístico e investigando paisagens e naturezas-mortas passa aos poucos a integrar influências modernas em sua produção. Como podemos observar em Natureza morta (1952), o cubismo ressoa na organização espacial, o fauvismo na determinação das cores e o impressionismo nas marcas gestuais do pincel.
Na transição da década de 1940 para 1950 sua carreira está em plena ascendência; participa do Salão Nacional de Arte Moderna no Rio de Janeiro, realiza uma individual em Lins e passa a enviar obras para grandes mostras e concorrer a prêmios significativos.
Dentre as maiores realizações estão o prêmio de pintura na 2ª Bienal Internacional de São Paulo (1953), participação na Bienal de Arte do Japão (1956), Prêmio Leirner de Arte Contemporânea (1958), melhor pintor nacional na 5ª Bienal de São Paulo (1959) e destaque na Bienal de Paris.
Importantes obras são desse período como Carregadores (1953) que demonstra a forte influência do cubismo, com formas geometrizadas, os contornos espessos e escuros nas figuras. Grito (1958) apresenta um traço fundamental e pessoal de sua obra que é a presença da caligrafia oriental e do uso de cores intensas. Já em Vibrações momentâneas (1955) observamos como seus gestos são contidos ainda que espontâneos.
Passando pela década de 1940, sua fase de estudo com pinturas mais conservadoras, adentramos a década de 1950 e vemos que o artista mergulha no mar da abstração, demonstrando sua habilidade com uso de cores e intensidade nos traços, momento em que explora também a textura e o empastamento.
Em seguida, vem a década mais densa em termos de solidificação de seu estilo. A fase de 1960 é marcada pela aproximação com o tachismo, estilo francês de pintura abstrata, análogo ao expressionismo abstrato estadunidense, movimento que o inspira para o uso de manchas em suas telas.
Passage de Fuego (1961) sintetiza os elementos marcantes dessa fase e também nos guia o olhar aos títulos de suas obras que ora evocam elementos da natureza, ora sentimentos, compondo um abstracionismo de forma lírica.
Nos anos seguintes permanece no mesmo percurso, fica evidente seu gosto por telas de grandes dimensões com cores vibrantes, onde formas sólidas e fluidas dividem espaço e aparecem sugeridas algumas figuras que lembram animais ou até formas humanas.
Sem título (1983) é uma excelente obra para refletir sobre a década de 1980 em sua carreira. Neste momento as figuras aparecem com mais força, ainda que abstratas, a composição se torna mais rica em detalhes, surge o uso de uma cartela mais ampla de cores e até a criação espacial mais profunda na tela.
Seu abstracionismo com influências de todo o globo se concretizou através de uma pesquisa formal e de um lirismo gestual, com telas grandes, vibrantes e dramáticas em sua maioria.
“Possuo um estilo de pintura que eu mesmo desenvolvi, à custa de muito esforço e perseverança, o qual é facilmente identificável. A título de brincadeira, eu o denominei de “mabismo”.
Manabu Mabe em 16 de setembro de 1994
Além de ter colecionado prêmios e exposições, Mabe é personagem de um episódio marcante na História da Arte: em 1979, após uma série de exposições no Japão, cerca de 63 obras foram perdidas ao mar quando retornavam ao Brasil, o misterioso acidente aéreo não deixou vestígios, as obras somavam mais de 1,2 milhão de dólares. Após o episódio, o artista chegou a refazer alguns dos quadros.
Manabu Mabe morreu aos 73 anos em 1997, por complicações decorrentes de um transplante de rim. Apenas dois anos antes escreveu sua biografia em pedaços que era publicada semanalmente no jornal Nihon Keizai Shinbum, de sua cidade natal.
Vince e cinco anos depois, Mabe segue com grande presença e destaque no circuito cultural. Este ano, o Farol Santander (São Paulo) reuniu mais de 50 obras do artista na mostra Manabu Mabe: uma experiência. Sua obra também está em cartaz até final de novembro na exposição Utopias e Distopias do Museu de Arte Moderna da Bahia que busca reforçar o discurso de arte como meio de luta, reunindo ao lado de Mabe dezenas de artistas fundamentais na história do país.
Manabu conseguiu manter um ateliê em São Paulo, em Nova York e em Tóquio, fazendo-se circular pelo mundo, absorvendo diferentes influências e deixando sua marca por onde passava.
Giovanna Gregório é graduanda em Arte: História, Critica e Curadoria pela PUC-SP. Pesquisadora e crítica independente.
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