Se por um lado os museus são capazes de proporcionar experiências sensíveis únicas onde o que está contido em suas paredes é o cerne da provocação, por outro, quando expostas a céu aberto, as obras libertas das quatro paredes parecem fazer do sensível toda uma região, uma paisagem – seja ela uma ilha, uma floresta ou mais.
O Instituto Inhotim, localizado em Brumadinho (MG), é um museu de arte contemporânea e Jardim Botânico. Considerado um dos maiores museus a céu aberto do mundo, nasceu da idealização do colecionador Bernardo de Mello Paz.
Aberto para o grande público em 2006, o museu fica localizado entre a Mata Atlântica e o Cerrado – com uma área de 140 hectares de visitação. Hoje o Inhotim conta com cerca de 700 obras de mais de 60 artistas, de quase 40 países.
O comissionamento de obras é uma das principais vertentes curatoriais do Instituto. Dessa forma, artistas são convidados a criar trabalhos especialmente para a instituição, tendo suas obras em exposição permanente – o que é visto pela direção do Inhotim como uma forma de estreitamento dos laços dos artistas com o museu.
O Inhotim possui um acervo permanente de arte contemporânea formado por jardins, galerias e obras externas onde a arte e o paisagismo se entremeiam. Além disso, o Instituto conta com exposições temporárias.
Ao longo do território do museu estão obras expostas ao ar livre e galerias artísticas – cada uma com sua própria proposta arquitetônica e expositiva – que dividem seus espaços com as mais de 4,3 mil espécies botânicas raras do Jardim Botânico.
Após completar 15 anos, as exposições organizadas pelo museu têm seguido o tema de pesquisa batizado de “Território Específico”, inspirado pelos estudos do geógrafo Milton Santos. Com este eixo de pesquisa o Instituto busca refletir sobre seu papel e incidência sobre o território onde se localiza, assim como o papel da arte nos territórios locais e globais. Para o Instituto, o Inhotim faz parte de Brumadinho, e a cidade faz parte do Inhotim.
Às margens do Rio Capibaribe, em Recife (PE), está a Oficina Cerâmica Francisco Brennand. Sua história se inicia em 1971 nas ruínas de uma olaria que funcionou no início do século XX e foi herdada pelo pai de Francisco Brennand e transformou-se no atelier do artista. Hoje a Oficina hospeda o universo artístico-arquitetônico de Brennand.
Recifense, Francisco Brennand (1927-2019) começou a se dedicar ao ofício de pintor, desenhista e escultor aos 13 anos de idade. Ao longo de sua vida esteve ao lado de artistas pernambucanos como Murilo La Greca e Álvaro Amorim. Foi agraciado com premiações pela prefeitura de Recife, pelo Estado de Pernambuco e pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
Com 15 km² de área construída, o terreno de sua Oficina conta com galerias com exposições variadas, esculturas ao ar livre, peças únicas, cerâmicas ornamentadas, fontes, pinturas e mais. São mais de 2000 peças expostas. Entre as áreas de exposição, está o “Templo do Sacrifício”, alusão ao massacre das civilizações pré-colombianas, projetado pelo artista antes de sua morte e onde está guardada sua urna funerária ao lado de um conjunto simbólico de esculturas.
Com as comemorações de seus 50 anos, a Oficina tornou-se um instituto dedicado a aproximar a obra de Brennand a de outros artistas contemporâneos.
O visitante da Oficina Brennand também se deparará com a Academia (que funciona como uma Pinacoteca), o Anfiteatro, o Salão de Esculturas, o Templo Central, o Estádio, auditório e com a capela Imaculada Conceição. Além disso, a produção de cerâmica – atividade-primeira do espaço, ainda acontece em pequena escala, sendo possível adquirir pequenos objetos utilitários de cerâmica – como pratos e fruteiras.
Em Punta del Este, Uruguai, é possível encontrar a Fundación Pablo Atchugarry. Inaugurada em 2007, leva o nome de seu idealizador. A Fundação, e seu museu a céu aberto, foram criados com a intenção de promover as artes visuais, a literatura, a música, a dança e as diversas outras formas de expressão artística. Entre as atividades organizadas pela Fundação, perpassa a proposta de congregação de diferentes gerações de artistas e entusiastas da arte.
O Parque de Esculturas possui 30 hectares e circunda o terreno da instituição. Desenhado em diálogo com a paisagem, propicia um cenário natural para apreciar suas obras nacionais e internacionais. Além do Parque, o complexo conta com um edifício com três salas de exposição; um auditório; um palco a céu aberto; um restaurante; um salão didático dedicado a aulas de desenho, pintura, escultura e cerâmica; e um espaço para a coleção permanente e para as obras de seu fundador.
Pablo Atchugarry fundou o museu de forma a possibilitar uma união entre arte e natureza, levando visitantes a observarem obras espalhadas por lagos e terrenos ondulados de onde esculturas e outras manifestações artísticas pudessem – aparentemente – germinar. O festival “Música entre naturaleza y arte”, realizado durante os verões na Fundação, leva ao terreno intervenções sonoras com violinos, guitarras, pianos, vozes e canções do lírico ao popular.
Instituição sem fins lucrativos, a Fundación Pablo Atchugarry promove suas atividades de forma gratuita.
O parque de esculturas a céu aberto Gibbs Farm está localizado em Makarau – ao norte de Auckland –, na Nova Zelândia. Aberta ao público durante alguns dias do ano, a coleção privada de Alan Gibbs é a maior coleção de esculturas de larga escala ao ar livre no país. A fazenda de 400 hectares foi comprada em 1991 e desde então seu dono tem colecionado esculturas monumentais. Parte considerável das obras foram comissionadas e buscam incorporar elementos da paisagem em sua concepção.
A propriedade tem toda sua faixa oeste de seu horizonte dominada pelo porto-estuário Kaipara. De grande extensão e pouca profundidade, as marés do porto transformam a paisagem que, na maré baixa, pode contar com quilômetros de areia exposta cheia de poças de água que refletem a luz do sol ao longo de sua extensão.
As obras da Gibbs Farms incorporam a imponência que o porto tem sobre a paisagem e de muitas maneiras parecem fluir em direção ao mar – assim como as formações geográficas que ali desembocam. O formato do terreno, a presença de um enorme corpo d’água, a extensão do porto e, principalmente, a enorme escala da propriedade são um desafio para os artistas na criação de suas obras.
A ilha de Naoshima, no Japão, faz parte de um arquipélago composto por 12 ilhas ao todo onde a arte contemporânea instalou-se – rendendo a elas o apelido de “ilhas da arte”. Ao longo das últimas três décadas, o projeto Benesse Art Site Naoshima inaugurou uma série de museus a céu aberto dedicados à arte contemporânea no arquipélago, comissionando obras site-specific de artistas de todo o globo.
“Benesse Art Site Naoshima” é o nome das ações feitas pela Benesse Holdings e pela Fundação Fukutake de promoção do desenvolvimento regional através das artes no arquipélago do Mar Interior de Seto (onde está a ilha de Naoshima). Entre as ações estão a criação de museus, galerias e comissionamento de obras que ficam expostas pelo arquipélago.
Naoshima destaca-se como uma das principais ilhas do projeto e suas instalações arquitetônicas foram compostas, principalmente, pelo arquiteto Ando Tadao. Entre os seus projetos, está o Museu de Arte Chichu – construído abaixo da terra para evitar qualquer distúrbio na paisagem da ilha de Naoshima. Em uma relação quase simbiótica com o terreno, aqui estão exibidas de forma permanente, por exemplo, a série “Lírios D’água” de Monet, iluminados somente pela luz natural.
Entre as obras e intervenções realizadas no arquipélago, está o Museu de Arte de Teshima (uma das ilhas do Mar de Seto). O museu inverte a lógica do que se espera de um espaço com tal nome, pois não há nada em exibição. Nada. Ou, pelo menos, nada do que se espera.
O Museu de Arte de Teshima é composto por uma espécie de domo com um buraco em seu centro, de onde o visitante é instigado a contemplar a natureza da ilha.
O arquipélago traz, de sua maneira, uma nova forma de interação com o que se entende por museu. Além de obras a céu aberto mais “tradicionais” – como a famosa abóbora da artista Yayoi Kusama no cais de Naoshima – as edificações das galerias e museus ao redor do arquipélago são, por si só, esculturas a céu aberto que instigam e possibilitam uma relação única do público com a natureza das ilhas onde se localizam.
De forma geral, museus que dedicam-se à exposição de obras de arte a céu aberto trazem consigo uma proposta provocante: de que maneira essas instituições e suas instalações se relacionam e interferem nos lugares onde se encontram? Essa é uma indagação que, como visto aqui, pode ser abordada por inúmeros ângulos e perspectivas.
Ao lançarem suas obras às intempéries do clima, essas instituições e artistas parecem sugerir que o universo artístico onde se encontram transbordam para além de onde os olhos podem alcançar. Universos que não se apresentam confinados, mas com horizontes infinitos.
Matheus Paiva é produtor cultural e internacionalista, formado pela Universidade de São Paulo.
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