Georgiana Rothier trabalha há mais de 25 anos no mercado financeiro. É formada em Administração de Empresas e possui pós-graduação em Finanças pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC). É conselheira do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM SP), faz parte do Comitê Financeiro e de Captação, do Pivô Arte e Pesquisa e é mentora e fundadora da plataforma YBYTU em São Paulo, está também no Conselho Internacional do New Museum em Nova Iorque, e no programa de patronos da Pinacoteca de São Paulo.
Georgiana Rothier.
Georgiana Rothier: O meu background é financeiro. Eu trabalho no mercado financeiro e um dia, em uma reunião, me contaram sobre o núcleo de arte contemporânea do MAM, um grupo que na época se encontrava uma vez por mês para visitar exposições e coleções ou conversar com algum colecionador. Achei super interessante participar desse grupo como uma forma de expandir meus horizontes e não ficar só focada no mercado financeiro. Começou daí. Esse grupo é muito relevante porque é composto por pessoas de todas as idades, de diferentes backgrounds e carreiras, mas todos têm esse interesse em comum que é a arte.
Um ano depois o Bernardo [Faria], meu marido, entrou no grupo também e começou a se interessar pelo tema, e aí aconteceu naturalmente. Nossas viagens passaram a ser muito focadas em arte e começamos a comprar, colecionar, conversar – primeiro com galeristas, depois veio o envolvimento institucional, e depois de modo simultâneo o envolvimento com os artistas.
GR: É, foi uma consequência desse interesse de estar presente nesse mundo.
GR: Eu acho que a coleção é viva. No início nos interessamos por artistas mais consagrados, mais estabelecidos, e agora passamos a olhar mais a produção de artistas mais jovens. A coleção começou 100% local, e depois de morarmos dois anos em Nova Iorque ela passou a ser uma coleção mais internacional. Agora temos muitos artistas latino-americanos, mas fora desse eixo também, incluindo artistas americanos, europeus e do oriente médio.
Com o passar do tempo vimos também a necessidade de conversar com uma curadora sobre as nossas ideias. Foi aí que contratamos a Luiza Teixeira de Freitas, que hoje é a nossa curadora e nos acompanha não só na coleção mas também nos projetos relacionados a ela, que hoje em dia definimos como sendo todos parte da YBYTU – os apoios, as publicações de livros e a residência propriamente dita.
Nós queríamos que a coleção tivesse um conceito. E olhando tudo que nós já tínhamos feito de aquisições no passado, vimos um importante fio condutor – obras que falam do nosso tempo. De certa forma, uma parte da coleção tem o objetivo de reter um tempo que já passou, então temos muita coisa ligada a livros, fax, postais, jornais, máquina de escrever e tantos outros objetos que possam ter perdido a utilidade ou que estejam caindo em desuso.
Ao mesmo tempo, o Bernardo trabalha com tecnologia. Então também temos muito interesse no que está por vir, no tempo que ainda não chegou. É um tempo em que viveremos controlados pela máquina, pela internet – essas questões, como o governo nos observar, de não ter mais privacidade, o público é privado, essas relações todas. Nossa coleção também olha muito isso. É claro que tem outros trabalhos seguindo diferentes temáticas, mas esse é o fio condutor básico da pesquisa.
GR: Eu acho que um colecionador tem um papel muito importante no fomento. Nós, por exemplo, vemos como fator fundamental o incentivo a publicações. O Brasil é muito carente nesse sentido, também no apoio na parte de formação. Hoje escolhemos essas duas vertentes para trabalhar, mas cada um tem uma área de interesse. Só de fazer uma aquisição você já está também funcionando como um agente importante dentro desse sistema. Mas hoje diminuímos muito essa atividade e focamos muito mais nos apoios, na formação e na residência artística.
GR: Eu achava que era muito importante nós não termos intermediários. Porque sempre tínhamos a galeria como intermediário – o que eu adoro – mas eu achava que eu precisava ter essa interlocução. E aí eu pensava “como é que eu poderia fazer isso?”.
Quando fui pra Nova Iorque estava em um período sabático – eu parei de trabalhar e fiquei dois anos estudando. Então fiz um trabalho voluntário como board member da AnnexB – uma residência artística para brasileiros em Nova Iorque. Fiquei dois anos trabalhando no projeto, e vi como foi transformador na vida de alguns artistas que passaram por lá, como o Santídio Pereira, Regina Parra, Dalton Paula. Cada um se apropriou de um jeito da residência.
Ateliê de Denise Alves-Rodrigues durante a residência artística YBYTU.
GR: Eu pensava que esse tipo de projeto tinha que ser muito estruturado, feito por uma entidade e ter muitos funcionários. E ali eu vi que não, que poderia ser uma coisa mais caseira, mais experimental, que também poderia gerar algum tipo de resultado.
Quando voltamos ao Brasil tivemos a ideia da residência artística da YBYTU – que no início era uma ideia totalmente diferente do que aquilo em que acabou se transformando, porque foi pensada num momento em que não existia pandemia. A ideia seria fazer uma parceria com a AnnexB para incentivar alguns artistas brasileiros a fazer essa residência em Nova Iorque. Já tínhamos feito algo parecido no passado com o Parque Lage, quando demos uma bolsa para o Rafael BQueer ir para lá – o que foi ótimo para a carreira dele, para a pesquisa.
Queríamos criar pontes, o artista brasileiro ia pra Nova Iorque e nós receberíamos um estrangeiro aqui em São Paulo numa casa preparada para ser a residência. Então alugamos um apartamento em Pinheiros, que dividíamos com outros artistas, incluindo uma ceramista e uma escritora de poesia.
E aí veio a pandemia, e todo mundo que estava alugando o apartamento resolveu desistir. Ficamos com aquele apartamento grande e sem saber o que fazer. Nesse momento decidimos abrir um edital somente para artistas moradores na grande São Paulo, só abrimos para artistas da região, porque não queríamos assumir o risco da pessoa se deslocar de longe em plena pandemia.
Rafael RG na residência artística YBYTU.
No primeiro ano recebemos trinta e cinco candidaturas. Os escolhidos foram a Denise Alves-Rodrigues e o Rafael RG, e as duas experiências foram maravilhosas. No segundo ano abrimos uma outra convocatória, e recebemos mais de cento e vinte candidaturas. E agora estamos para abrir a terceira. No ano retrasado, além desses dois artistas apoiamos também o Rodrigo Garcia Dutra que estava fora do Brasil, ficou ‘preso’ na Europa por causa da pandemia e precisava de apoio.
O projeto consiste em uma residência de dois meses – nós damos um per diem (valor diário) durante esse tempo para ajudar na alimentação e nos custos de produção. A pessoa não é obrigada a produzir nada. Depois desse período, tem um registro fotográfico e produzimos uma pequena publicação em formato de livro de artista, com um anexo que contém algumas imagens da residência, mas a ideia é ser uma publicação completamente pensada por cada artista. Contamos com o apoio da Ikrek Editorar.
Durante a residência existe um acompanhamento semanal, onde estamos, eu e o Bernardo, a Luiza e o artista, que pode aproveitar a nossa rede de relacionamento para ativar algum contato que esteja precisando ou apoio conseguindo, por exemplo, algum documento ou uma parte que falte na sua pesquisa, enfim, cada artista deu um uso diferente a essa rede. No final fazemos sempre um evento para celebrar a residência, pode ser uma conversa , um simpósio, uma live, sempre com algum curador que o próprio artista escolhe.
Juliana dos Santos na residência YBYTU.
GR: Eu acho que retorna em conhecimento e crescimento intelectual. Essas pessoas que participaram, esses artistas, têm um conhecimento e uma realidade muito diferentes do nosso e estão fazendo pesquisas muito interessantes e variadas, o que preenche uma lacuna importante para nós. Na verdade é essa troca que nos interessa, é esse o ponto principal.
GR: Tenho vários. Acho que a residência funciona e tem propósitos diferentes para cada artista, serve de formas totalmente variadas às necessidades de cada um e isso para nós é o mais transformador. Entender as nuances de cada vivência, de cada prática artística e adaptar a nossa postura e o nosso relacionamento a cada um.
Eu acho que a residência gera uma visibilidade e nós passamos um apoio necessário para os artistas. E isso faz com que algumas coisas que estejam desajustadas se ajustem de certa maneira.
Instalação de Gabriel Francisco Lemos na residência artística YBYTU.
GR: Nós sempre convidamos um/uma curador/a para fazer parte do grupo que escolhe, do júri. Ano passado quem participou foi a Hena Lee – que hoje é diretora da Millan, mas na época tinha acabado de sair da Delfina Foundation, que é uma fundação de residências artísticas em Londres. Esse ano quem vai participar da banca é o Bernardo Mosqueira, curador brasileiro que vive e trabalha em Nova Iorque e a Marta Mestre, curadora portuguesa que tem uma forte ligação ao Brasil.
Então na verdade nós temos alguns quesitos que olhamos, como a formação, o currículo, a forma de apresentar o portfólio, tudo conta. A experiência também, a forma como a prática artística evoluiu ao longo do tempo. Essas são algumas coisas que analisamos. A partir de uma primeira seleção, escolhemos dez finalistas com a maior pontuação nas diferentes categorias, esses finalistas passam por entrevistas, até escolhermos o artista contemplado. É importante dizer que não é necessário que o artista que se candidata tenha uma prática voltada para os temas que nos interessam e que colecionamos. A residência não tem essa relação direta com a coleção.
_________________________
Para conhecer mais a residência YBYTU e a Coleção Rothier Faria, acesse o site e acompanhe as redes sociais do projeto.
Esta entrevista foi realizada via encontro virtual em Janeiro de 2022.
_________________________
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP
Gostou desta matéria? Leia também:
Alayde Alves fala dos papéis do colecionador no circuito de arte brasileira