Willem de Kooning é reconhecido como um dos maiores artistas do século XX e é referência do expressionismo abstrato. Suas telas abstratas ganharam a cena artística estadunidense na segunda metade do século XX, e foi uma produção muito discutida por críticos, sendo até hoje desejada por colecionadores particulares.
Kooning nasceu em Roterdã, Países Baixos, em 1904. Aos 12 anos começou a estagiar como aprendiz de decoração e a estudar desenho na Academia de Belas Artes e Técnicas Industriais em sua cidade natal, local em que estudou história e teoria da arte europeia e não europeia, perspectiva, proporção, desenho de modelos e outras técnicas artísticas.
Aos 22 anos, Kooning emigrou ilegalmente nos Estados Unidos, onde morou a maior parte da vida em Nova York. Ele começou sua carreira como artista comercial e exerceu diferentes atividades para se manter, como entregador e garçom em bares e restaurantes e trabalhos de decoração de interiores, antes de dedicar-se integralmente à pintura.
Kooning dominava a técnica do desenho, como observa-se em seu desenho de Natureza Morta de 1921, em que é possível ver a qualidade do desenho na proporção dos objetos, perspectiva espacial e na atribuição de luz e sombra. Apesar disso, ao longo de sua produção, Kooning renunciou às habilidades realistas para dedicar-se principalmente à arte abstrata, com pinceladas largas e gestuais e uma paleta ousada de cores, e a combinação entre elementos abstratos e figurativos.
Reclining Man (John F. Kennedy), de 1963, é um exemplo de sua composição abstrata e minimamente figurativa. Do lado esquerdo da pintura, a boca, nariz e olho, mesmo que um pouco desfigurados, permitem associar a cabeça de uma pessoa reclinada na horizontal. A historiadora de arte Judith Zilczer propõe ainda que, a posição do homem deitado, além do título, podem referenciar ao assassinato do então presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy.
Kooning é reconhecido como um dos grandes artistas do expressionismo abstrato, desencadeado pelo expressionismo europeu, no começo do século XX. O expressionismo radicalizou o desinteresse pela imitação da realidade que se perdeu no impressionismo, além de negar o positivismo de seu antecessor e ter menos “regras” pictóricas, como a atenção à incidência da luz na natureza. O Expressionismo é caracterizado principalmente pelo drama emocional, negativismo, subjetividade e inconsciente dos pintores que ainda se mantinham na figuração (obras com figuras reconhecíveis).
Em contrapartida, o expressionismo abstrato rompeu quase ou totalmente com as figuras. O movimento surgiu na década de 1940 e se tornou muito presente nos Estados Unidos até 1960. Ademais, é caracterizado por um estilo de pintura que enfatiza a expressividade emocional, a improvisação, a experimentação e a liberdade criativa.
A quebra da bolsa de valores de 1929, e a Segunda Guerra Mundial foram questões determinantes para a formação desse movimento artístico. Em reação aos impactos mundiais desses episódios, os artistas começaram processos mais experimentais, menos técnicos e racionais do que se via antes em outros movimentos europeus como, por exemplo, o abstracionismo geométrico e o expressionismo.
A consagração e relevância desse movimento foi em partes favorecido pela transferência da “capital” da arte ocidental de Paris para Nova York, influenciado também pelo exílio de artistas e intelectuais europeus durante a Segunda Guerra.
Os artistas do expressionismo abstrato não formaram um grupo formal com filiação ou manifesto, mas frequentemente exibiam juntos em galerias e museus e compartilhavam ideias sobre arte e cultura. Além de Willem de Kooning, Jackson Pollock, Mark Rothko, Franz Kline, Joan Mitchell, Lee Krasner, Helen Frankenthaler e Elaine de Kooning, foram artistas notáveis do expressionismo abstrato.
O artista se aventurou em outras linguagens, como colagem, litografia e escultura em bronze. As esculturas do artista não tem grande precisão técnica e mantém a sua proposta abstrata e de deformação. Hostess (Anfitriã), por exemplo, remete a um corpo em pé graças às proporções de altura e distribuição da massa, além dos elementos distribuídos na horizontal na parte superior que aludem a braços.
Kooning soube explorar bem a abstração e a figuração, tanto que ao longo de sua carreira adotou diferentes estilos. A litografia Devil at the Keyboard (Diabo no Teclado), de 1976, por exemplo, retrata com poucas linhas o que parece ser uma figura masculina segurando um tridente, com rabiscos aleatórios ao redor que podem ser reconhecidos como as teclas de um teclado. A obra destoa completamente das grandes telas de Kooning, como por exemplo Excavation (Escavação), uma pintura abstrata de grandes dimensões que apresenta camadas sobre camadas de tinta, formando uma composição com formas grotescas e compulsivas, que chegou a ser exposta na 25° Bienal de Veneza, em 1950.
Door to the River (Porta para o Rio) é outro exemplo da vasta expressão do artista. Esta pintura de 2 metros é composta por grandes massas de tintas em uma paleta reduzida em poucas variações de branco, cinza, amarelo rosa e azul. A tela faz parte da temática de paisagens abstratas a qual o artista também se debruçou.
A produção do pintor foi criticada por Harold Rosenberg e Clement Greenberg, renomados críticos de arte estadunidenses. Eles desempenharam papel fundamental com suas críticas e comentários que impulsionaram a carreira de Kooning.
Rosenberg cunhou o termo Action Painting (Pintura de Ação) para descrever o estilo gestual e espontâneo que enfatizava a ação física no processo artístico. Kooning e Jackson Pollock foram pioneiros nessa técnica.
Thomas Hess foi outro crítico estadunidense que admirava a produção de Kooning. Ele elogiou o estilo gestual do artista, bem como sua habilidade em criar obras que combinavam elementos figurativos e abstratos. Essa combinação que parece ser uma das identidades mais atrativas de Kooning elogiada por Hess, foi objeto da crítica negativa de Greenberg, que argumentou que isso tornava suas obras confusas e ambíguas.
Apesar dessas tensões, tanto Greenberg quanto Kooning foram figuras importantes no desenvolvimento do expressionismo abstrato e ajudaram a elevar a pintura estadunidense para o cenário mundial da arte. A relação entre os dois é um exemplo das complexidades e conflitos que surgem dentro do mundo da arte, mesmo entre aqueles que compartilham um movimento ou uma visão estética em comum.
Kooning e Greenberg aparecem no filme biográfico de Jackson Pollock, em que apresenta sua vida e carreira, além de relatar a relação do pintor com a poderosa colecionadora Peggy Guggenheim. A relação entre Pollock e Kooning também é discutida no livro A arte da rivalidade, vencedor do Prêmio Pulitzer, escrito pelo crítico de arte Sebastian Smee.
Um dos temas que Kooning retratou foi a figura feminina. “Woman” (foi a série mais emblemática da carreira do artista. A controvérsia em torno dessas obras decorre em grande parte do fato de que elas parecem retratar as mulheres de maneira desrespeitosa e sexista, como se fossem objetos a serem manipulados pelo artista.
Em 1953, a crítica de arte do The New York Times, Marya Mannes, apontou que as pinturas de mulheres de Kooning eram “odiosas” e “monstruosas”, e que retratavam as mulheres como “cadáveres esquartejados”. Nas pinturas Woman (Mulher) e Woman I (Mulher I), percebe-se uma estranheza e esquartejamento das figuras. O artista deforma os corpos com as massas de tinta colorida, e desfigura os rostos, em um cenário abstrato que se confunde com as figuras.
No entanto, é importante destacar que nem todas as críticas às pinturas de mulheres de Kooning foram negativas. Alguns críticos de arte defenderam a importância dessas obras no contexto da história da arte moderna, argumentaram que elas representavam uma expressão legítima da liberdade artística e que ele estava tentando desafiar as expectativas convencionais de como a figura feminina deveria ser retratada na arte.
O artista lutou com problemas pessoais como alcoolismo e o diagnóstico de Alzheimer no final da década de 1980, quando ele tinha cerca de 80 anos. Alguns críticos de arte observaram que suas obras posteriores, que tinham formas mais simplificadas, podem ter sido influenciadas por sua luta contra a doença, características vistas em Quality of a Piece of Paper (Qualidade de um Pedaço de Papel), de 1987, em que emprega menos textura e massa de tinta na pintura em tons primários – amarelo, vermelho e azul. Apesar de sua saúde estar em declínio, ele continuou a pintar até sua morte, em 1997, aos 92 anos.
O trabalho de Willem de Kooning continua a ser altamente valorizado no mundo da arte contemporânea. Suas obras são procuradas por colecionadores privados e são exibidas em diferentes museus pelo mundo, como Whitney Museum of American Art, em Nova York; Depot Boijmans Van Beuningen, em Roterdã; University of Arizona Museum of Art, em Arizona, entre outros.
Em 2022 o museu Getty Center, em Los Angeles, apresentou a exposição Conserving de Kooning: Theft and Recovery (Conservando de Kooning: Roubo e Recuperação). A exposição partiu da recuperação da pintura Woman-Ochre (Mulher-Ocre), roubada por um casal em 1985, na University of Arizona Museum of Art.
O roubo da tela avaliada em cerca de US$ 100 milhões, após ser encontrada em uma casa no Novo México, em 2017, virou um filme documentário: The Thief Collector.
As obras de Kooning ainda são frequentemente comercializadas em leilões, como Untitled XXI, leiloada na Sotheby’s, em Nova York, por US$ 24.9 milhões em 2015, e Amityville, vendida por US$ 11.6 milhões na mesma casa de leilão, em 2018.
Entre as últimas vendas de tela do artista, destaca-se Interchange (Intercâmbio), tela presente na lista das 10 obras de arte mais caras do mundo, sendo até agora a pintura abstrata mais cara, vendida em 2015 pela Fundação David Geffen, por US$ 300 milhões.
Daniken Domene é técnico em audiovisual e graduando em Arte: História, Crítica e Curadoria pela PUC-SP.
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