A autoria de obras de arte é um tema que abre um diverso leque de assuntos, curiosidades e discussões. Seja a intencionalidade da obra, o contexto de sua criação, sua inserção dentre as demais obras de seu criador ou, até mesmo, as implicações legais da consideração de autoria. É para tratar deste último ponto que servem os direitos autorais. Esses direitos podem ser atribuídos a cantores, autores, escritores, diretores, artistas plásticos, pintores, fotógrafos etc. No caso das artes plásticas a história de obras falsas não é nova, mas o aumento da circulação de imagens na internet e o avanço das técnicas de cópia e reprodução tornaram a questão ainda mais sensível. Como saber se uma obra é falsa ou se a pessoa que alega ser sua autora é realmente a responsável por tal? Qual o impacto da falsificação de obras? Qual a importância de saber se uma obra é falsa ou não? E, antes de mais nada, o que exatamente são direitos autorais?
O Direito Autoral surge para, justamente, provar a originalidade de uma obra e oficializar seu verdadeiro autor, responsável pela criação e dono dos direitos patrimoniais. Uma obra não precisa estar registrada para ter seus direitos protegidos, porém o registro serve como início da prova da autoria dela. A pessoa que é “dona” de uma obra e tem esses direitos sobre sua criação deve ser recompensada por qualquer reprodução, divulgação e exploração de sua arte. Dessa forma, o Direito Autoral busca ser um estímulo para que artistas continuem criando – em um ciclo criação > proteção > incentivo para novas criações.
Ainda sobre a natureza dos direitos autorais, é possível dividi-los em morais – de caráter intransferível –, que garantem a autoria da criação ao autor; e patrimoniais – passíveis de transferência ou concessão a critério do autor –, que trata da representação ou utilização das criações. O mais importante a ser observado é que o autor conta com exclusividade em cima de sua criação e pode usar da forma que preferir.
Vale apontar que a concepção do direito de um criador sobre seu trabalho não é um fato histórico recente. Desde a Grécia antiga é possível observar a ideia da propriedade intelectual. Nos tempos modernos, instrumentos internacionais também foram criados para a proteção desses direitos, como a Convenção de Berna para a Proteção de Obras Literárias e Artísticas, de 1886, da qual o Brasil é signatário desde 1922.
No âmbito nacional, os direitos sobre autoria foram tratados precariamente a primeira vez por uma lei do Império que instituiu os primeiros cursos jurídicos no país – garantindo um privilégio de 10 anos sobre as obras textuais produzidas por seus docentes.
Só em 1830, com o Código Criminal, foram impostas as primeiras penas e sanções a quem ferisse e/ou desrespeitasse o direito de autoria. E só no Código Criminal de 1890 que foi estabelecida punição para a falsificação da propriedade artística – o crime de contrafacção – que constava também na Constituição de 1891.
A concepção atual sobre os direitos autorais foi introduzida na Lei Medeiros e Albuquerque, de 1898, primeira lei a tratar diretamente do tema e que contava com dispositivos ainda presentes em nossa legislação. Desde então as leis sobre esse direito foram sendo adaptadas também de acordo com a evolução das tecnologias de reprodução e da concepção do caráter de autoria, tendo sua última revisão feita pela Lei Brasileira de Direitos Autorais de 1998. Ainda assim, já é possível considerar que a legislação brasileira sobre o tema está defasada. A criminalidade com bens culturais é complexa e multifacetada, além de evoluir muito mais rapidamente que os desdobramentos jurídicos, o que representa um desafio para a verificação da veracidade e para a aplicação de punições.
E por que essa é uma pauta relevante? Com o crescimento do mercado da arte, cresceu também a quantidade de golpes e falsificações de indivíduos buscando lucrar sobre o trabalho de outrem. A atividade de falsificação pode se dar por uma assinatura falsa, uma reprodução ilegal vendida como original e diversas outras formas. No caso do Brasil, foram movimentados dentro do mercado legal de arte cerca de US$200 milhões em obras de arte no ano de 2021. Um mercado de considerável relevância que, em um país que ainda tem leis frágeis no que tange aos direitos autorais, chama a atenção de falsificadores e criminosos da arte. Fator impulsionado não só pela movimentação financeira, mas também pelo aumento da relevância de artistas nacionais dentro do circuito de arte internacional.
Ainda sobre o mercado brasileiro, notou-se que, em comparação a outros países, uma das formas mais comuns de aquisição de obras de arte é através de leilões. Os leilões, principalmente os realizados online, acabam sendo um solo fértil para o repasse de obras forjadas, pois a garantia da veracidade torna-se ainda mais difícil no momento da compra.
Dessa forma, obras de arte falsas acabam rodando o mercado de arte do país e, assim, obras forjadas podem ser inseridas em locais de destaque – sem que os envolvidos tenham pleno conhecimento da origem de tais peças. “O fato é que as melhores falsificações de arte no Brasil, encontram-se hoje nas paredes das famílias abastadas brasileiras, que não sabem e sequer suspeitam que são falsas”, afirma o advogado Raimundo Tarakevicius Salles. A importância na identificação destas obras e mitigação desse tipo de crime vai além da reparação a eventuais lesados, pois a descoberta de falsificação pode levar à descoberta de outros crimes, como de organização criminosa e até lavagem de dinheiro.
Vale ressaltar que a cópia de uma obra não é em si um crime. A reprodução de uma peça, para fins de estudo, por exemplo, é perfeitamente legal e legítima. O problema ocorre quando essa reprodução é usada e comercializada como se fosse a obra original.
O Brasil conta também com casos famosos de obras forjadas. Dentre eles, o caso de Abílio Diniz e Geyze Marchesi Diniz teve seu desfecho concluído neste ano. O empresário do Grupo Pão de Açúcar e a economista haviam adquirido da galeria de arte Pintura Brasileira dois quadros atribuídos a Alfredo Volpi, os designados Bandeirinhas e Bandeirinhas com mastro.
O casal teve sua atenção despertada a respeito da procedência das obras vendidas pelo marchand Marcelo Barbosa após uma visita do diretor-presidente do Museu de Arte de São Paulo (MASP), Heitor Martins, à sua residência para um jantar. O processo do casal contra a galeria teve início em 2017. A Pintura Brasileira, sediada em São Paulo, foi condenada a pagar R$ 238 mil ao casal – referente ao valor pelo qual as obras foram vendidas mais R$ 100 mil por danos morais.
Outro caso conhecido é do “Picasso do INSS”, de 2004. Uma gravura resgatada dos porões do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) após um incêndio foi comprovada como uma falsificação. Na época, jornais tinham em suas manchetes o “resgate” da obra do famoso artista. A peça foi muito possivelmente dada ao Instituto como pagamento de uma dívida previdenciária, porém nunca foram reveladas as identidades de seu criador, de quem recebeu a obra e de quem havia atestado sua autenticidade. Além disso, não se sabe por quanto a obra foi avaliada no momento de seu recebimento.
Em meados da década de 1990 houve ainda o caso da descoberta de obras de Portinari “fabricadas” na favela do Vidigal, no Rio de Janeiro, – assim como obras atribuídas a Picasso, Chagall e Miró. As peças foram encontradas à venda em uma galeria em Ipanema. Também no Rio de Janeiro, um shopping em Copacabana ganhou a fama de ser um grande, se não o maior, entreposto de obras falsas do país, na década de 1970.
Os peritos de arte são responsáveis pelas investigações dedicadas à origem das peças analisadas e são eles que tentam determinar sua autenticidade. Eles atuam também em equipe com historiadores, conservadores, arqueólogos, museólogos, restauradores, professores e dezenas de profissionais que formam equipes interdisciplinares.
O trabalho do perito é complexo e envolve uma série de recursos. O reconhecimento de uma obra falsa – ou sua verificação como autêntica – pode ser um processo complicado. É preciso uma série de exames – como a merceologia da obra, grafoscopia da assinatura do artista, análise de aspectos formais e estilísticos da peça, entre outras análises. Num mundo onde estima-se que 30 a 40% das obras de arte são falsas ou estão mal atribuídas, esta tarefa cobra mais complexidade ainda.
A perícia é, então, o conjunto de técnicas e habilidades que permitem definir se uma obra de arte é autêntica ou não. Também tem como objetivo determinar o estado de conservação geral e seu valor de mercado. O conjunto dos resultados permite ao perito identificar e reconhecer os fatos que possuem relação com a produção do artista para então dar seu parecer.
Convencionalmente, é possível agrupar as obras analisadas em algumas categorias. Uma obra autêntica é aquela sobre a qual não há dúvidas sobre sua autoria. Uma obra atribuída possui muitos elementos que indicam possibilidade de autoria, mas não há recursos suficientes para confirmá-la. Já a cópia é uma reprodução que imita o material e a técnica de uma obra de arte original – ato que não necessariamente tem a intenção de engano. A imitação é o caso onde se imita uma obra original, tentando copiá-la, mas seu resultado não é suficientemente próximo – entram dentro deste grupo as obras que são feitas com inspiração na obra original. A réplica é uma cópia de uma obra original que é igual em medidas, técnicas e características. O plágio ou a falsificação são cópias feitas com a intenção de enganar. E as obras falsas são as que tentam simular uma identidade falsa, se tentando passar por uma obra de um artista famoso, mas na realidade feita por outra pessoa (obra nova) – usualmente ingressam dentro deste grupo as peças que têm assinaturas falsas.
Como, então, é possível ter certeza de que se está adquirindo uma obra legítima? Um dos melhores indicadores é a reputação e lisura da fonte pela qual se adquire a obra. Seja ela feita presencialmente ou online, o vendedor ou leiloeiro tem responsabilidade sobre o artigo que se está negociando. Vale ressaltar que alguns especialistas indicam que quem vende ou repassa uma obra sabendo que a mesma não é legítima deve ser tratado com teor de cumplicidade no crime. Sendo assim, a pesquisa sobre o perfil da pessoa, plataforma ou galeria que está realizando a transação é essencial. Sempre que possível, também é recomendável avaliar a obra pessoalmente e solicitar a opinião de profissionais do mercado de arte como galeristas, art advisors e curadores, por exemplo. A certificação com assinatura do artista ou registro realizado pelo artista que criou a obra são os melhores indícios para checar a legitimidade de uma obra. E, no caso de alguma suspeita, é possível que somente um perito possa determinar esse julgamento.
Matheus Paiva é produtor cultural e internacionalista, formado pela Universidade de São Paulo.
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