Leonilson é um daqueles artistas que fazem da intimidade a sua arte. Relações pessoais e uma autoconsciência poética convergem na prática do artista, que elaborou um imaginário particular a partir de camadas sensíveis em uma rica produção.
O MASP inaugurou “Leonilson: agora e as oportunidades”, a nova exposição dedicada à obra de um dos mais emblemáticos artistas contemporâneos brasileiros. A curadoria é de Adriano Pedrosa com assistência de Teo Teotonio e reúne mais de 300 trabalhos realizados nos últimos cinco anos de vida do artista – fase considerada a mais icônica de sua produção.
Contextualizar a produção de Leonilson e os desdobramentos de sua poética requer localizar a homossexualidade como um fator determinante em seu trabalho. As relações com outros homens e sua consciência enquanto minoria na sociedade são elementos constituintes em diversos trabalhos. Esse fator ganha nuances ora íntimas, ora políticas, especialmente ao pensarmos que a partir de 1991 o artista passa a viver com HIV, época de grande tabu na sociedade, especialmente para homens gays.
Parte dos trabalhos produzidos por Leonilson foi dedicada a seus amantes, como ocorre na série Os dedicados (1991). Nessa série, cada trabalho foi produzido com inspiração em um homem diferente com quem o artista se relacionou. Esse é um bom exemplo para compreender como a poética do artista transita entre o íntimo e o político, considerando uma sociedade conservadora na qual esses trabalhos são contextualizados.
Já na série O Perigoso, a crise vivida por Leonilson enquanto portador de HIV em um período de forte discriminação e desinformação fica ainda mais evidente. Na obra Margarida, de 1992, o artista representa os cuidados médicos vividos nesse momento.
A exposição está inserida no ciclo anual do MASP com programação voltada às temáticas LGBTQIA+, que já apresentou desde seu início as individuais de artistas como Francis Bacon e Lia D Castro e a sala de vídeo de Ventura Profana, entre outras.
Ocupando o primeiro andar da instituição, o conjunto de obras demonstra a diversidade e coerência de suportes utilizados pelo artista. Papel, tela e tecidos foram trabalhados sob a sabedoria de quem soube explorar a delicadeza de cada material. O bordado talvez seja a técnica mais atrelada ao artista, que utilizava colchas e roupas de cama, retalhos, vestes e toda uma variedade de produção têxtil para trabalhar as possibilidades de desenho com a linha. Texto e imagem materializam inquietações de uma mente que não temia expressar uma intimidade permeada por sentimentos pulsantes. É simbólico pensar também na importância de Leonilson na reivindicação de técnicas têxteis socialmente atreladas exclusivamente às mulheres. Outro dado interessante a respeito da relação do artista com o bordado é o fato de sua mãe ter sido uma comerciante de tecidos.
A apreciação do trabalho de Leonilson pede um olhar atento e próximo. Não somente pela sensibilidade das temáticas e por se tratar de um universo íntimo, mas pela dimensão de cada elemento materializado pelo artista. Seja em um papel pequeno ou um tecido de grandes dimensões, Leonilson se valia da potência dos detalhes. Pequenos desenhos, palavras miúdas, aplicações de tinta ou de mini objetos, convidam o público a chegar perto – um movimento revelar-se à obra.
A cada sala projetada no primeiro andar do MASP, o público encontra um recorte de um ano de produção, e ao final da visita terá passado pelos cinco anos contemplados pela curadoria.
A pintura de Leonilson possui uma correspondência com seus desenhos e termos formais. Apesar de trabalhar em outro suporte, as composições se assemelham, tanto pela referência à forma humana animada e simplificada, como pelo uso do espaço. O vazio deixado em grandes partes da superfície desempenha papel fundamental na ideia de adentrar uma intimidade. Essa espacialidade que valoriza os vazios é tão importante quanto os símbolos evocados pelo artista, pois os contextualizam. À medida em que representa pequenos objetos e seres em grandes espaços, o artista posiciona o público em relação a sua autoconsciência, sua visão ante o mundo.
A exposição continua no mezanino do subsolo com um extenso corredor de ilustrações, e a possibilidade de percorrer tal conjunto demonstra o rico repertório criado pelo artista. A noção das obras de Leonilson enquanto um diário de sua vida é amplamente difundida atualmente. Nesse sentido, é possível olhar para cada objeto desenhado, pintado, bordado, esculpido, com um fragmento de sua vida.
A obra de Leonilson, apesar de realizada sob circunstâncias particulares de um corpo único, abre-se à universalidade. Cada frase ou objeto materializado pelo artista aciona o âmago de quem sente o mundo ao seu redor. Visitar a exposição de Leonilson no MASP é uma oportunidade e um convite de lembrar-se do sensível.
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