Com mais de 60 trabalhos produzidos desde o início da carreira de Adriana Varejão – em meados dos anos 1980 -, a exposição Adriana Varejão: Suturas, fissuras, ruínas da Pinacoteca de São Paulo apresenta uma visão panorâmica e contínua da evolução das experimentações plásticas e o aprofundamento dos seus processos de pesquisa. Para que esse conjunto de obras fosse possível, as obras vieram de 7 países diferentes.
Montada no primeiro andar do prédio localizado em frente à estação da Luz em São Paulo, a exposição traça uma linha narrativa ao longo de sete salas. Além disso, os trabalhos de Varejão ocupam também o Octógono da Pinacoteca. Para Jochen Volz, diretor da instituição e curador desta individual, este salão é o coração da exposição, que conta duas obras produzidas especialmente para essa ocasião: Moedor e Ruína 22.
Detalhe de Ruína Brasilis, 2021. Foto: Diogo Barros.
É pelo octógono que o mergulho em um universo de azulejos, feridas e vísceras começa. Espalhadas de modo circular no espaço, as obras recentes da artista fazem parte de suas experimentações na pintura tridimensional. Na foto acima está Ruína Brasilis, obra que foi doada pela artista ao acervo da Pinacoteca, tendo passado por uma exposição de Varejão em Nova York ano passado.
As pinturas escultóricas representam pilares e outros elementos da arquitetura, sendo estes preenchidos pela representação de massas de carne que são reveladas pelas pinceladas de Varejão. Trata-se de uma arquitetura em corrosão viva, em um aparente estado de transformação e revelação, como se no dia seguinte os objetos pudessem ser encontrados ainda mais desgastados.
A pesquisa de Varejão perpassa questões relacionadas aos processos coloniais de formação da nação brasileira, e a artista encontra na arquitetura a representação precisa de uma construção violenta. Em alguns destes trabalhos que integram a série “Ruínas de charque”, o uso das cores da bandeira nacional traz a crítica de Varejão para um contexto contemporâneo, onde o uso de tais cores faz parte de uma disputa narrativa política que se apoia nos símbolos nacionais.
A presença de trabalhos produzidos pela artista desde o começo da sua carreira – quando frequentava as aulas da Escola de Artes Visuais do Parque Lage no Rio de Janeiro – torna possível encontrar transformações e permanências em sua poética ao longo de tantos anos.
Em uma sala, por exemplo, pinturas deste período aparecem em diálogo com obras produzidas mais de 20 anos depois – unidas pelo tema marítimo. Neste momento é possível notar que o volume e os grandes formatos são explorados pela artista desde o começo.
O Barroco, estilo artístico e arquitetônico que se popularizou no Brasil através das igrejas católicas portuguesas, é central na pesquisa de Varejão desde o início de sua trajetória artística, quando visitou Ouro Preto e entrou em uma igreja barroca pela primeira vez. Nesta ocasião, a artista ficou impactada com os volumes e os excessos, como afirma em um dos textos da exposição.
Detalhe de Azulejos, 1988. Foto: Diogo Barros.
Esse contato foi processado pela artista em uma pintura cada vez mais densa, saltando à tela. Ela absorveu elementos do barroco, como os anjinhos, os ornamentos e arabescos, e os desconfigurou. Nestas pinturas, as referências da arte sacra católica são diretas na forma e na composição, mas aparecem de modo distorcido.
A azulejaria, muito presente nessa arquitetura, se torna referência na pintura da artista que vai ganhando novos contornos ao passar dos anos em uma investigação intensa. Os cortes, incisões e rachaduras vão se intensificando e mostrando cada vez mais as feridas coloniais das quais a artista alude. Em alguns trabalhos essas feridas são expostas de maneira que a estrutura desses azulejos se mostra em estado de extremo desgaste e exposição da carne, como no caso da série Línguas de 1998, que reúne três trabalhos.
Detalhe de Língua com padrão de flor, 1998. Foto: Diogo Barros.
A relação com os azulejos aparece também nas investigações mais elaboradas da artista no campo da pintura. Inspirada em saunas de vários lugares do mundo, as pinturas de Varejão sobre esses ambientes exploram os artifícios de paletas monocromáticas e estudos de luz para criar atmosferas únicas, como na obra O iluminado, de 2009.
Adriana Varejão. O iluminado, 2009. Foto: Jaime Aciolli.
O percurso da exposição demonstra que a intensa pesquisa da artista em torno da violência colonial e suas implicações visuais na arte se desdobra de muitas maneiras. Sua obra adquire grandes dimensões em todos os sentidos, da escala dos trabalhos ao alcance de sua poética e suas ferramentas discursivas em cada obra. Não apenas pelo fato de estarmos cada vez mais discutindo [de]colonialidade no meio artístico – já seria um bom motivo -, mas também pela experiência que os trabalhos de Varejão proporcionam, visitar a exposição na Pinacoteca é uma chance única de ver um conjunto de obras tão expressivo.
Adriana Varejão na abertura da exposição. Foto: divulgação.
SERVIÇO
Exposição “Adriana Varejão: Suturas, fissuras, ruínas”
Pinacoteca de São Paulo
Período: 26.03.2022 a 1.08.2022
Curadoria: Jochen Volz
Praça da Luz, n2, Luz
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
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