A pintura é uma das mais antigas e consagradas técnicas artísticas. É praticada desde a pré-história por diferentes culturas e teve um papel fundamental na formação visual e cultural humana. Em seus diferentes movimentos e estilos, possui a potência de expressar uma infinidade de ideias, conceitos e sentimentos. Existe algo, porém, comum a essas distintas obras: os materiais empregados.
Ao analisarmos os primeiros registros humanos no campo da pintura, a arte rupestre, encontramos matéria prima ainda hoje utilizada. É claro que com o passar dos séculos e a invenção de novas tecnologias, tais técnicas foram extremamente refinadas. O cerne, no entanto, é o mesmo: um pigmento diluído em um médium.
Pigmentos podem ser obtidos principalmente a partir de três distintas fontes, desde métodos naturais e artesanais até processos industrializados. No caso dos pigmentos naturais, se dividem entre as cores provenientes da extração de minerais e as advindas da manipulação de matéria orgânica como flores, folhas, vegetais e até mesmo do exoesqueleto de insetos, entre outros. Já os pigmentos industrializados, têm suas cores fabricadas quimicamente.
Hoje, com a alta industrialização dos materiais, é raro que artistas ainda optem por produzir seus próprios pigmentos. Existem artistas, no entanto, que entendem como parte integrante de suas poéticas a produção e utilização desses pigmentos naturais.
Sejam escolhidos para a composição os orgânicos ou minerais, os pigmentos naturais tendem a apresentar a cor de forma menos saturada, normalmente com tonalidades mais opacas. Na obra A casa inundada, por exemplo, o artista Emanuel Monteiro utiliza a terra como pigmento combinando-a com outros materiais. Tal recurso garante à obra, além da tonalidade terrosa, uma aparência mais bruta, reforçando a forte relação com materiais naturais característica de seu trabalho.
Já a obra A pedra sonha com a cor, trata-se de uma pintura que produzi a partir de pigmentos minerais desenvolvidos durante uma residência de pesquisa no Mirante Xique Xique. Neste trabalho, componho uma espécie de paisagem simbólica utilizando como matéria prima os minerais do território onde se dá a residência. Assim, trago para a materialidade da obra a reflexão acerca da história daquela região.
Dependendo da raridade da matéria prima e do grau de dificuldade do método de obtenção, os pigmentos podem ser mais ou menos acessíveis comercialmente. O que determina a qualidade e a durabilidade do material é a pureza da concentração de pigmento equivalente ao montante do produto. Ou seja, tintas em qualquer que seja o médium que apresentem maior concentração de pigmento, tendem a possuir melhor qualidade, maior durabilidade e, por consequência, custarem mais.
Em se tratando de médiuns (também chamados de veículos ou meios), os de uso mais difundido são a base acrílica, o óleo e a aquarela.
A base acrílica ou tinta acrílica é um dos materiais mais populares entre artistas na atualidade e tem a sua origem em componentes plásticos derivados do petróleo. Foi desenvolvida entre os anos 1930 e 1950, conquistando espaço nos ateliês de artistas a partir dos anos 1960. Sua popularidade se dá por diversos fatores, mas, em grande parte, ocorre em função de ser um material mais barato, de fácil utilização e secagem rápida. A tinta acrílica é um dos meios mais versáteis, possibilitando acabamentos diversos. Na obra sem título de 2018 da artista Rita Manhães, por exemplo, a diluição da tinta e as pinceladas gestuais, emprestam à obra seu aspecto fluído numa abstração que remete a um tema clássico da natureza morta, os vasos de flores.
Diferentemente, na obra de 2014 do artista James Kudo, a maior concentração da tinta, alinhada às bordas marcadas de sólidos de cor chapada, emprestam à obra uma fatura que se aproxima das artes gráficas.
A tinta óleo, por sua vez, normalmente é feita com óleos vegetais puros, sendo o óleo de linhaça o mais empregado por sua viscosidade e transparência particulares. Importantes historiadores da arte, como Ernst Gombrich, atribuem sua criação ao pintor belga Jan van Eyck. Há quem discorde dessa informação e afirme que não é possível precisar a origem exata do material. É sabido, no entanto, que seu uso passou a ser difundido mais amplamente na Europa durante o século XV. Esta técnica se caracteriza pela vasta possibilidade de mistura e sobreposição de cores, as chamadas veladuras. Por ter uma secagem lenta, também possibilita maior fusão entre as camadas de tinta, permitindo que se produzam obras ricamente detalhadas. Em função destas características, durante muitos séculos foi um dos materiais mais utilizados por artistas, proporcionando algumas das obras mais importantes da História da Arte nos estilos clássicos e acadêmicos, como a obra A vendedora de laranjas, do artista espanhol Enrique Serra y Auqué (Barcelona, Espanha, 1858 – 1918).
Hoje, seu emprego pode ser visto também em obras com estética hiper contemporânea, como as que trabalham os artistas Catarina Gushiken e Fernando Burjato. Cada qual com sua poética e fatura particulares, porém ambos tendendo à abstração.
Finalmente, a aquarela, trata-se de uma das mais antigas técnicas desenvolvidas pela humanidade, havendo registros de seu uso em produções da civilização chinesa há pelo menos dois mil anos. Na aquarela, como o nome já sugere, o pigmento é diluído em água. Porém, é necessário o uso de um aglutinante, ou seja, uma substância que garanta a aderência do pigmento ao suporte uma vez que a água evapore. Para este fim, a goma arábica e a gema de ovo são tradicionalmente utilizadas, a segunda também sendo conhecida como têmpera ovo ou apenas tinta têmpera. Pelo fato de ser uma das técnicas com secagem mais rápida, foi muito utilizada ao longo da história para a produção de trabalhos em caráter de estudo ou com menor rigor de detalhes. Além disso, por sua fluidez, a aquarela permite manchas fluidas e traços expressivos, como na obra 221152 da artista Carla Petrini.
Tais características plásticas, também fazem com que esta técnica seja muito aproveitada em trabalhos feitos fora do atelier, sejam estes composições livres ou de observação, como na obra sem título 03 – série Normandia, da artista Glória Conforto.
Ademais, é preciso ressaltar que, com os processos de industrialização, os materiais artísticos também passaram a ser amplamente industrializados. Assim, tendem a ser incorporados em sua fabricação diversos outros componentes químicos, como espessantes, umectantes, texturizantes, entre tantos outros. No vídeo abaixo pode-se conferir um pouco mais acerca da produção de tinta óleo, onde são combinados métodos tradicionais e industriais para a produção da tinta.
É claro que, em se tratando de arte, não existem regras ou limites que não possam ser transpostos. A partir destes materiais principais, diversas outras técnicas foram inventadas, manipuladas e subvertidas. Alguns artistas, como o carioca Gustavo Moreno, misturam em suas obras inclusive materiais industriais como o cimento.
Outros artistas, subvertem não apenas ao combinarem diferentes materiais, como também ao utilizarem suportes inusitados, como é o caso da obra sem título de 2019 da artista Rosângela Soares Pinto, na qual ela mistura cera de abelha, carnaúba, breu e pigmento em um suporte de compensado naval.
Seja quais forem as escolhas, cada artista explora em sua poética os materiais como bem entende, misturando técnicas e processos para compor suas obras e deixar sua marca no mundo.
Luísa Prestes, formada em artes visuais pela UFRGS, é artista, pesquisadora e arte-educadora. Participou de residências, ações, performances e exposições no Brasil e no exterior.
Gostou desta matéria? Leia também:
Mary Carmen Matias apresenta sua trajetória, processo criativo e lançamento de livro
1 Comment
beleza pura