Carollina Lauriano (1983, São Paulo) é formada em Comunicação Social com ênfase em Jornalismo. Tem extensão em Pesquisa e Análise de Tendências (em arte, design e moda) pela Central Saint Martins/University of the Arts London (ual) e atua como curadora independente desde 2017. De 2018 a 2020 integrou o time de curadoria e gestão do Ateliê397, um dos principais espaços independentes de arte de São Paulo. Dentre os principais projetos realizados estão as exposições “Corpo além do corpo”, que discute a transexualidade feminina e a busca pelo protagonismo de novos corpos na sociedade, “Céus Cruzados”, individual da artista Sol Casal e “A noite não adormecerá jamais nos olhos nossos”, que reuniu artistas racializadas na Galeria Baró para apresentar e discutir a produção de corpos dissidentes dentro do mercado de arte. Curadora adjunta da 13ª. edição da Bienal do Mercosul, mostra que acontece em Porto Alegre em 2022.
Artsoul: Vamos começar falando da sua relação com arte? Como se deu o contato com as artes visuais ao longo da sua vida?
Carollina Lauriano: Não tenho certeza, ao certo, quando se deu esse momento, mas sei que o universo das Artes permeou a minha vida em um lugar de fuga de uma realidade dura e difícil, pois ali era permitido sonhar!!! Eu sempre fui apaixonada por literatura, desde criança sempre li muitos livros e em algum momento sonhei que poderia ser escritora (cogitei inclusive prestar faculdade de letras). Já as artes visuais, acho que se deu de forma comum para qualquer criança periférica e que estuda em escola pública: por meio de alguma excursão de escola.
Artsoul: Em qual momento o universo das artes ganhou protagonismo na sua vida profissional?
Carollina: Eu me formei em jornalismo e estagiei por um período em uma redação de revista jovem do grupo Abril e lá percebi que a cultura era muito importante para formação de um repertório de mundo, e a arte estava envolvida nesse aspecto, foi quando eu passei a frequentar museus com maior frequência. Nesse período, meu irmão também estava estudando artes e foi quando eu realmente descobri esse universo como algo importante não só esteticamente, mas também enquanto uma poderosa ferramenta de compreensão de mundo. Trabalhei 10 anos criando projetos para moda e arte sempre esteve presente, seja como inspiração para minhas pesquisas ou mesmo permeando coleções de marcas as quais eu trabalhava. Quando eu já não me via mais trabalhando efetivamente nesse ambiente, foi quase automático pensar em migrar para a arte, uma vez que ela já permeava minha vida em vários aspectos.
Artsoul: Enquanto curadora, você costuma pontuar que seu foco de trabalho são produções de mulheres e corpos dissidentes. Conte-nos um pouco sobre sua relação com esses recortes? De que forma ser mulher impacta sua profissão?
Carollina: Quando eu migrei de carreira, o que mais me incomodava naquele espaço era uma noção de normatividade e uma dinâmica machista, mesmo que praticada por mulheres, em uma lógica de exercício de poder; então não fazia sentido algum fazer um esforço de mudança para continuar corroborando para uma dinâmica social calcada em um patriarcado branco eurocêntrico. Foi então que várias fichas foram caindo, como todas as referências de arte que eu tinha eram masculinas, que existiam poucas mulheres e corpos dissidentes ocupando espaços de decisão, entre tantos outros fatores que dariam uma extensa lista. Olhando para tudo isso foi quase natural pensar que essa seria minha questão no campo da arte, e assim vem sendo.
Agora sobre como ser mulher impacta minha profissão, são tantas as formas, desde começar a falar sobre isso, ali em 2017 e não ser levada tanto a sério, quanto ainda ter que provar minha capacidade de realização inúmeras vezes mais. Mas penso que isso também é a força que me motiva a seguir trabalhando essas questões para que outras mulheres possam saber que é possível.
Artsoul: Na sua visão e experiência, onde estamos em relação à inserção de artistas mulheres no mercado de arte no Brasil, em especial as racializadas?
Carollina: Com uma abertura um pouco maior para algumas discussões, mas ainda muito longe de um ideal de equidade.
Artsoul: O mundo da moda está muito presente na sua rotina pessoal e profissional. Como os campos da moda e da arte se ligam na sua vida?
Carollina: Como disse anteriormente, trabalhei anos na indústria, então a moda sempre irá me acompanhar, uma vez que a enxergo como um veículo de expressão pessoal, tal qual a arte também pode ser. Hoje procuro estar perto de criadores de moda que têm pensado também mudanças estruturais em seus campos de atuação, entendendo que o que eu pratico na arte é uma prática que se estende para vários campos da minha vida.
Artsoul: No contexto da pandemia que se iniciou ano passado, diversas estratégias de aproximação entre profissionais da arte e difusão de produções artísticas foram criadas. Poderia nos contar um pouco sobre a criação da plataforma “etcetc” em parceria com Raphael Escobar?
Carollina: O etcetc foi um caso curioso de um projeto criado em 3 horas, do nome, conceito, logo, perfil no Instagram e tudo mais. Quando nos vimos trancados em casa, sem possibilidade de exercer nossos projetos, veio a vontade da troca com outros agentes da arte, de uma forma menos profissional e mais afetiva. Entender quais eram as referências, possíveis diálogos e questionamentos que os convidados teriam naquele momento. Outro fator importante, para mim, foi a questão do alcance! Eu como pesquisadora, por mais que tente, tenho minhas limitações de até onde eu consigo chegar, e com o etcetc eu pude ampliar muito meu olhar.
Artsoul: Ainda pensando na “etcetc”, você percebeu uma mudança no modo como consumimos e divulgamos produções artísticas nas redes sociais nos últimos meses?
Carollina: Sim! Por um lado, acho que houve um salto muito grande para a arte em relação ao seu alcance. Com a pausa forçada das atividades, parte das pessoas entendeu a importância da arte, seja enquanto compreensão de pautas importantes, seja como um respiro para tudo que estávamos passando. Outro dado importante é que mais pessoas puderam entrar em contato com exposições que antes eram mais restritas por conta de distâncias físicas. Mas todo bônus tem seu ônus. Isso também gerou discussões sobre a experiência do embate com o objeto artístico que nunca será substituído pelo digital, por inúmeras questões, mas que a digitalização pode impactar o consumo de uma parcela que não tinha esse hábito.
Artsoul: O que você projeta para o ano de 2021?
Carollina: Acho que o ano de 2021 é um ano de realização. Tenho quatro curadorias agendadas para 2021 e também tudo que implica as pesquisas para a Bienal do Mercosul, o que já é um tanto de coisa.
ArtSoul: Poderia nos apresentar artistas novas que tem acompanhado?
Carollina: Ana Júlia Vilela, Lais Amaral, Alice Yura, Kika Carvalho, Ana Clara Tito.
Artsoul: Por último, poderia nos recomendar curadoras/es e projetos para acompanharmos?
Carollina: Luciara Ribeiro.
Projeto Afro e Negrestudo, que fazem um trabalho de pesquisa racial muito importante.
01.01 Art Platform e HOA, que chegam como um novo gás para o mercado da arte.
O Vozes Agudas, que tem não só questionado a atuação das mulheres no campo da arte, mas também procurando articulações para diminuir distâncias.
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Para acompanhar Carollina Lauriano no instagram: @carollinalauriano
Artistas recomendadas pela curadora no instagram:
Ana Júlia Vilela (@sandaloemachado)
Lais Amaral (@lais_amaral)
Alice Yura (@yura.alice)
Kika Carvalho (@kikacarvalhokika)
Ana Clara Tito (@aclaratito)
Luciara Ribeiro: @luciribeir0
Projeto Afro: projetoafro.com
Negrestudo: @negres.tudo
01.01 Art Platform: 0101artplatform.com
Vozes Agudas: conheça o projeto e o prêmio de 2020
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Entrevista concedida por Carollina Lauriano em fevereiro de 2021.
Por Diogo Barros.
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
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