Conhecido por ter sido um dos pioneiros do movimento impressionista, Renoir até hoje cativa nossa atenção com obras que retratam a vida parisiense ao ar livre no início do século 20. A forma casual como retrata essas cenas traz a impressão de que quem observa faz parte daquele momento. Mas Renoir sempre pintou telas? Como se deram seus estudos, o desenvolvimento de sua técnica e sua jornada ao lado de outros artistas da época?
Auguste Pierre-Renoir nasceu em 25 de fevereiro de 1841, em Limoges, uma cidade situada no sudeste da França. Filho de um alfaiate e uma costureira, a inclinação de Renoir para arte começou a aflorar quando ainda era jovem.
Por ter nascido em uma família de artesãos, seus pais notaram sua aptidão para arte de imediato e o incentivaram a se tornar um aprendiz na Manufatura de Porcelanas de Lévy-Frères. Sua jornada começou com as artes decorativas, cerâmicas, esculturas, entalhes e até mesmo pinturas. Na mesma época, frequentava aulas de desenho gratuitas em uma escola de arte local, dirigida pelo escultor Louis-Denis Caillouette.
Algumas de suas peças de cerâmica decoradas foram exibidas no Musée d’Orsay, Paris, França. Cinco peças permanecem em exibição como parte da coleção definitiva de Barnes Foundation, Philadelphia, Pennsylvania.
Ainda jovem visitava o Museu do Louvre com frequência e fazia como muitos artistas, copiava obras consagradas para aprender as técnicas. Com o tempo ele começou a fazer parte das aulas de desenho do professor Charles Gleyre e em 1862 foi aceito na École des Beaux-Arts. Porém, mesmo inserido no meio acadêmico, continuou visitando o antigo professor Gleyre, e conheceu outros artistas como, Claude Monet, Alfred Sisley e Frédéric Bazille.
Os quatro artistas saíam juntos para pintar ao ar livre nas florestas de Fontainebleau, compartilhando técnicas, experimentando novas possibilidades, estudando a iluminação natural do ambiente e como retratá-la. Eles buscavam uma forma de fazer com que a arte retratasse a realidade que eles observavam, de que não precisassem se ater às tradições acadêmicas para a elaboração das cenas.
Algumas de suas peças mais antigas são referência a este momento, onde retrata seus amigos. A cronologia das pinturas mostra o modo como a arte começa a ser simplificada, se tornando mais abstrata e expressiva com o tempo.
Muitos outros artistas antes de Renoir e seus amigos buscaram o mesmo ideal, mas nenhum havia tido a coragem de quebrar com as convenções acadêmicas tão abertamente. Até Edouard Manet criar uma obra controversa, Le Déjeuner sur l’herbe (1862 – 63), que gerou um verdadeiro escarcéu entre os críticos de arte da época.
A obra representava um piquenique com uma mulher nua no meio da cena. Apesar de ser encontrada facilmente nas pinturas clássicas, as figuras femininas antes representadas eram sempre figuras mitológicas ou uma alegoria.
Sua ousada quebra com a arte acadêmica inspirou os jovens artistas que tomaram Manet como uma inspiração. Renoir e seus amigos com mais alguns artistas, que conheceram por parte de Bazille, Camille Pissarro e Paul Cézanne, decidiram fazer sua própria exposição. A decisão foi tomada depois que tentaram submeter os trabalhos, com o novo estilo e técnicas que criavam, ao comitê do Salon, a exposição oficial da Académie des Beaux-Arts.
Para ter as pinturas exibidas, eles criaram a “Société Anonyme des Peintres, Sculpteurs et Graveurs”, em tradução livre “Sociedade Anônima de Pintores, Escultores e Gravadores”, e fizeram sua primeira exposição. Um total de 30 artistas participaram, apresentando 165 obras. Renoir expôs 7 de suas obras, algumas delas relacionadas abaixo.
“A dançarina” (1874) retrata uma jovem bailarina. Grande parte das cores utilizadas na pintura são frias, fazendo contraste com a pele da personagem. As pinceladas no plano de fundo mais uma vez o deixam desfocado, trazendo toda atenção para a dançarina que tem aparência mais sólida.
É notável a ênfase que Renoir traz para seus retratos, o elemento humano sempre tem mais clareza. As pinceladas são mais eminentes no vestido, porém, mais sutis do que ao fundo. Nas partes da saia adjacentes ao foco de luz as pinceladas parecem fazer parte do tutu se misturar com o fundo, criando a ilusão de transparência do tule.
Aqui temos um contexto um pouco diferente, situado dentro do camarote de um teatro. É notável que a mulher retratada tenha mais ênfase, ela não apenas olha diretamente para o espectador como o foco luminoso é central na sua figura, o que aumenta a definição e detalhes em relação aos outros elementos da pintura.
A textura das pinceladas sobre ela é mais lisa e delicada, apenas sendo possível notar a aplicação de tinta nas pinceladas curtas costumeiras do impressionismo no homem que a acompanha. Neste segundo personagem, podemos notar que a pintura começa a lembrar mais um rascunho não finalizado. Por mais que ainda seja sutil, os detalhes dele se tornam mais soltos e menos nítidos.
Essa pintura é interessante para notar como Renoir estava explorando o estilo nessa época, em vista das duas pinturas anteriores esta é focada na paisagem. Ainda retrata as pessoas em seu dia a dia, porém, a partir do momento que não há uma figura humana em foco, a pintura de Renoir se torna desprendida, chegando a um nível de abstração muito além do que anteriormente apresentado.
O destaque da pintura é a textura e as diferenciações de forma se dão mais pelas cores do que pelo contorno. O céu tem pinceladas mais lisas e estagnadas trazendo toda a atenção para os campos, as tonalidades douradas fazem contraste com as figuras humanas, sem que as pessoas retratadas tirem o foco da paisagem e sem que a paisagem se sobreponha a eles.
A simplificação da forma no impressionismo é apenas um dos primeiros passos em direção à arte abstrata, e nos chama a observar as diferentes formas de expressão da técnica quando vem do mesmo artista, na mesma época.
Naquele mesmo ano, Renoir teve duas de suas obras expostas por Paul Durand-Ruel, um negociante de arte que demonstrou interesse no estilo impressionista e fez o possível para conseguir exibi-los em Londres.
Renoir sempre se destacou dos demais impressionistas por se interessar mais pela figura humana do que apenas pelas paisagens. Suas pinturas distintas atraíram o interesse de Georges Charpentier, editor da Bibliothèque Charpentier, que começou a introduzi-lo para seus futuros clientes. Pessoas da sociedade média-alta que providenciaram várias comissões para Renoir, buscavam pinturas de retratos, em grande maioria de mulheres e crianças.
A exposição impressionista de 1874 não foi a única que o artista participou. Em 1877, mais uma vez se fez presente, expondo um de seus trabalhos mais conhecidos, “Bal du Moulin de la Galette”. O Moinho de Montmartre, ou Moulin de la Galette, é um café parisiense, situado próximo de um moinho histórico que Renoir gostava de frequentar.
Era próximo de sua casa e lhe trazia inspiração para suas pinturas. Esse local é famoso e está em funcionamento até hoje, também já foi pintado por muitos outros artistas como Monet, Van Gogh e até mesmo Picasso.
O quadro foi considerado “um retrato perfeito da vida parisiense” por Georges Rivière que publicou sua crítica no jornal “L’Impressionniste”. Rivière era escritor, amigo de Renoir e estava retratado na pintura. Entretanto, o quadro não foi tão bem comentado por outros críticos que o consideraram uma impressão borrada da cena.
O artista, na referida tela, faz com que o fundo tenha menos detalhes, se tornando cada vez mais borrado em vista dos planos mais próximos do ponto de vista do observador.
A forma como ele cortou propositalmente algumas figuras da cena, cria a impressão de que há continuidade no momento, mesmo que não estejam representados. Reforçando assim, a ideia de que as pessoas presentes estejam apenas agindo naturalmente ao invés de estarem posando estáticamente para a pintura.
A cena é colorida e vívida, as cores e o modo como os personagens interagem uns com os outros traz uma espontaneidade similar a de uma fotografia. Alguns personagens olham para o pintor como se estivessem esperando ele terminar para continuarem dançando; todos esses detalhes trazem uma beleza efêmera e descontraída à peça.
Nenhuma das pessoas presentes eram frequentadores comuns do local. Todos que foram retratados nesse quadro eram amigos de Renoir e modelos profissionais, posando para sua pintura.
Apesar de que o movimento impressionista lhe trouxe uma grande clientela e reconhecimento além da nação francesa, Renoir ainda não estava feliz com o que estava produzindo. Eventualmente as pinceladas curtas do impressionismo e as técnicas que utilizava começaram a se tornar limitantes em vista do que desejava expressar.
Com o tempo, notou que para dar o devido efeito à pele que pintava em seus retratos, precisaria empregar uma nova perspectiva artística. Também notou que a cor preta que costumava ser evitada por seus colegas, era muito útil para dar a ênfase adequada a certas cores.
A busca de Renoir o levou ao Classicismo, após em uma de suas viagens à Itália conhecer os trabalhos do pintor Raffaello Sanzio. Suas pinturas começaram a dar mais ênfase aos contornos, volumes e formas, porém, ainda mantendo a luminosidade que adotou previamente.
A tela Rose et bleu (1881), Rosa e Azul, em tradução livre, foi um retrato comissionado por Louis Cahen d’Anvers. As garotas retratadas, Alice e Elizabeth, eram suas filhas.
No quadro é perceptível a mudança no estilo de Renoir, um dos maiores indicativos é a forma como ele passa a retratar a pele em seus quadros. Em vista das pinturas anteriores, a textura do pincel fica imperceptível, as cores se tornam mais delicadas e realistas, deixando o rosto das personagens exuberante e jovial.
Os vestidos de renda ganham um foco especial nos pequenos detalhes, o que difere de seus quadros da época impressionista que tinham pinceladas mais soltas e naturais. Com a forma metódica como retratou as vestimentas, as texturas se tornam tão perfeitas que dão uma sensação sinestésica.
As pinceladas, agora mais livres, dão uma sensação desfocada para os detalhes ao fundo, os tecidos e os detalhes dourados ainda parecem como um rascunho esperando ser aprimorado, mesmo que seja bem mais sutil do que em suas pinturas da década passada.
Esse quadro está na coleção definitiva do MASP e foi indicado em 2019 para ser restaurado graças à iniciativa “Adote uma obra”. A restauração já foi concluída e em março de 2022 o quadro foi enviado para o museu Städel em Frankfurt, Alemanha, onde permaneceu até o dia 22 de junho e já está de volta à São Paulo.
Em seus anos finais Renoir começou a ter ataques de reumatismo, porém, nunca parou de pintar. Aos poucos ele perdeu a capacidade de andar, eventualmente não era capaz mais de segurar o pincel, e mesmo assim ele continuou pintando com o pincel amarrado à sua mão.
Com o auxílio de Richard Guino o artista continuou criando. Guino seguia as instruções fielmente, para que Renoir pudesse esculpir o que desejava mesmo que através das mãos de outro artista.
Ele morreu em 1919, quatro anos após sua esposa. Sua casa em Cagnes-sur-Mer, França, onde viveu por 30 anos, está aberta para visitação, assim como a casa de seu amigo Claude Monet.
Hakai S. Ghilardi é graduado em Design Gráfico e pesquisador independente de História da Arte.
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