Rembrandt Van Rijin (1606 – 1669) teve um dos maiores ateliês que já se instalou pelo continente europeu; são mais de 400 obras realizadas, 20 anos lecionando o ofício de pintor e uma grande coleção de arte construída, a magnitude de seu legado não pôde passar despercebida pela história da arte.
Nascido na cidade de Leiden, Holanda, abriu mão dos estudos já no início da juventude para dedicar-se à pintura e aos 25 anos mudou para Amsterdã na tentativa bem sucedida de expandir sua carreira.
A lição de anatomia do Dr. Tulp (1632) foi encomendada pela Associação de Cirurgiões de Amsterdã. A cena escura com a captação precisa do interesse de cada personagem foi fundamental para o artista entrar para o mercado de retratos assim que chegou à cidade.
Aos trinta anos tinha se consolidado como um grande retratista e colecionador, contudo, a morte repentina de sua esposa antecedeu uma série de dívidas e processos que subtraiu tudo de valor que tinha.
A sua casa em Amsterdã, onde viveu por 30 anos, é hoje um museu que abriga sua obra, além de conteúdos biográficos e de seus contemporâneos. O edifício mantém as características principais da moradia e é um dos principais pontos turísticos da Holanda.
Destacou-se como pintor do dramático movimento barroco, com influência direta de Caravaggio, um dos primeiros grandes mestres do chiaroscuro (técnica com alto contraste entre luzes e sombras), e seus estudantes.
Rembrandt desenvolveu um barroco muito pessoal, que se caracteriza como intimista principalmente pelos personagens expressivos que se conectam com o espectador pelas emoções, seu estilo também é intenso pela riqueza de detalhes que confere a cada cena.
Essas características são notáveis na obra mais célebre do pintor: A Ronda Noturna (1642), uma encomenda feita em 1639 para a sede da Corporação de Arcabuzeiros de Amsterdã.
A tela de 3,63 x 4,37m é rica em detalhes e revela como o artista abusava dos tons dourados. O retrato em movimento apresenta muito dinamismo pelo número grande de ações simultâneas, e por sua extensão, quando vista pessoalmente, é possível se concentrar em cada uma delas.
A obra enfrentou muitas adversidades, a tela sofreu cortes em todos os seus quatro lados durante uma mudança feita em 1715 para caber em uma parede entre duas portas. O século XX foi o mais turbulento para a peça, teve a camada de verniz riscada por um homem em 1911, passou por inúmeros abrigos durante a Segunda Guerra Mundial, em 1975 foi atacada com um faca por um homem e borrifada com ácido em 1990. Tendo passado por um longo restauro que contou com auxílio de inteligência artificial, hoje a tela pode ser vista no Rijksmuseum, em Amsterdã.
Outras obras de Rembrandt também foram motivo de polêmica, como o roubo de algumas de suas obras em 1990 no Isabella Stewart Gardner Museum, em Boston. Dentre elas estava Tempestade no Mar da Galileia (1663), sua única paisagem marítima que descreve o milagre dramático quando Jesus interveio para acalmar uma violenta tempestade no mar da Galiléia.
Assim como essa, realizou pinturas sacras por toda sua carreira, se destacou com o tema por sua abordagem particular, as iconografias se baseavam em sua interpretação do texto bíblico e não em releituras, tendo mergulhado inúmeras vezes nos textos, capturou a movimentação das cenas, a essência das parábolas, o comportamento e a feição dos personagens. Nesse aprofundamento e conexão com o texto sagrado, criou imagens didáticas onde reside tanto sua genialidade quanto sua profundidade emocional.
Com pinceladas mais polidas e o uso de cores mais brilhantes, em Tempestade no Mar da Galileia (1663) ele constrói detalhadamente uma cena dramática e intensa com um forte contraste de iluminação, esses elementos tornam inevitável o envolvimento do espectador.
Neste ponto podemos concluir que Rembrandt se preocupou em retratar as figuras humanas de forma realista e psicológica, buscando os sentimentos envolvidos naquela figura e sendo franco na retratação das imperfeições.
Essa abordagem é presente em seus autorretratos. Com mais de 80 realizados ao longo de sua vida, formam uma biografia do pintor que demonstra seu envelhecimento, seu estado psicológico e como se reconhecia em diferentes momentos da vida.
Nestes dois autorretratos, vemos que muito além da passagem do tempo, Rembrandt consegue capturar o estado de espírito, é assim que se forma um íntimo diário imagético de sua vida.
Além de seus feitos na pintura, a qualidade de suas gravuras também é notória, como em Autorretrato de chapéu, com os olhos arregalados (1630). Realizava a gravura em metal com técnica água-forte, na qual se inscreve a matriz metálica com buril e a gravação no papel se dá com auxílio de ácidos, o que confere diferentes texturas à gravação.
Rembrandt possui tantos ecos na história da arte por não deixar em segundo plano seu virtuosismo técnico, e por promover o envolvimento emocional dos seus quadros, uma busca barroca. Suas pinturas comovem o público até os dias atuais através do que o historiador da arte Gombrich define como sensação de vida.
Giovanna Gregório é graduanda em Arte: História, Critica e Curadoria pela PUC-SP. Pesquisadora e crítica independente.
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