O ano de 2023, mais exatamente, o dia 8 de abril, marca os 50 anos da morte de Pablo Picasso. Em celebração à sua obra e seu legado, um robusto programa de exposições, iniciativas e eventos levantam discussões sobre suas obras de arte, sua influência e também sobre a vida do pintor ao redor do mundo.
Pablo Ruiz Picasso (1881 – 1973), considerado um dos nomes mais icônicos da arte moderna europeia, nasceu no início do século XX, em Málaga, Espanha, e morreu em Mougins, na França. Foi precursor do movimento cubista e, prolífico, teve uma vasta produção artística. Seu repertório foi composto por diversas linguagens artísticas: pinturas, gravuras, cerâmicas, esculturas e mais.
O artista produziu diversas obras que são até hoje consideradas marcos na história da arte. A tela Les demoiselles d’Avignon (1907) é considerada um dos marcos de guinada na arte europeia na direção à abstração e é também considerada precursora do que viria a ser o cubismo.
Guernica, discutivelmente sua obra mais conhecida, é considerada ainda hoje um dos maiores símbolos antiguerra. A pintura demonstra a tragédia e o horror causado pela guerra, especialmente sobre os corpos das personagens em desespero – distorcidas, com braços e cabeças desanexados e expressões de terror. Sem sombra de dúvida, sua produção artística integra o campo das obras mais influentes da arte.
Os governos da Espanha e da França, através de uma comissão binacional, sediam a programação da Picasso Celebración – 1973-2023 (nome dado à programação internacional). Por volta de 50 exposições e eventos estão programadas para acontecer em diversos museus pelo mundo – da Europa à América do Norte, e até no Brasil. Um dos eventos mais esperados é a abertura do Centro de Estudos de Picasso em Paris – que deve acontecer entre os meses de setembro e novembro deste ano.
A programação, que já teve início no fim de 2022 e deve seguir até o início de 2024, passará por importantes museus, como os espanhóis: Guggenheim Bilbao, Reina Sofia, museu do Prado, e os museus dedicados ao artista em Barcelona e Málaga; os franceses: Museu de Belas Artes de Lyon, o Musée Picasso de Paris; e os estadunidenses: Museu de Arte Moderna (MoMA) e o Brooklyn Museum, localizados em Nova Iorque. Suíça e Alemanha também integram a programação, com o museu Fondation Beyeler e o Kunstmuseum Pablo Picasso Münster, respectivamente.
Entre estas exposições está Picasso: Matter and Body. Em exibição no Museo Picasso de Málaga de 8 de maio a 10 de setembro, a exposição abordará a produção de esculturas do artista – por vezes vistas como um meio secundário dentro de sua obra – e pretende mostrar como as esculturas produzidas em uma multitude de materiais ao longo de sua vida compõe parte integral de seu trabalho.
A exposição tem curadoria de Carmen Giménez, primeira diretora do museu, e marca, em 2023, os 20 anos de existência da instituição. Depois de Málaga, Picasso: Matter and Body estará em exibição no Guggenheim Bilbao de 29 de setembro a 14 de janeiro de 2024.
Entre as discussões levantadas por cada evento, surgem também abordagens distintas sobre a vida e obra do artista. Tratando-se especialmente de Picasso, uma pauta que ganhou notoriedade é a perspectiva feminista sobre sua trajetória.
A exposição do Brooklyn Museum, por exemplo, é co-curada por Hannah Gadsby, comediante australiana que já abordou em suas apresentações o machismo na vida de Picasso. Com curadoria de Lisa Small e Catherine Morris, a exposição pretende se envolver com algumas das problemáticas de misoginia e masculinidade que perpassam a vida do artista. Esse trabalho curatorial parte da investigação da vida amorosa de Picasso e dos relatos das mulheres com quem ele se relacionou – duas das quais suicidaram-se.
No Brasil, a exposição imersiva “Imagine Picasso” trará para o país mais de 200 obras do artista em projeções. Os criadores de Imagine Picasso, Annabelle Mauger e Julien Baron, colaboraram estreitamente com a historiadora de arte Androula Michael, uma grande especialista nas obras e na carreira de Picasso. Michael é organizadora desta exposição a ser realizada no MorumbiShopping de 9 de março a 18 de junho.
Graças ao uso de projetores, a exposição poderá exibir obras que dificilmente comporiam uma mostra no país – tanto pelos custos logísticos quanto, até mesmo, pela restrição de transporte que alguns dos quadros possuem. “Imagine Picasso” leva o visitante a uma celebração multissensorial da obra e das múltiplas influências de Picasso.
Pablo Picasso, como já mencionado, participou da vanguarda da arte abstrata na Europa. Ao lado de Georges Braque, fez do cubismo um dos movimentos mais icônicos da arte do início do século XX. No entreguerras, Picasso começa seu flerte com o surrealismo – período no qual pintou Guernica.
Além de seu envolvimento com importantes movimentos e artistas com quem foi contemporâneo, Picasso, mesmo após sua morte, continua protagonizando manchetes ao longo dos anos.
Um de seus quadros da série Les Femmes d’Alger, o quadro “Versão O”, ocupa atualmente o terceiro lugar entre as obras mais caras do mundo, vendida em 2015 por US$179 milhões. O quadro foi, até 2022, a obra mais cara do século XX vendida em leilão. Em 2020, uma obra inédita feita em carvão foi leiloada pela Sotheby’s, casa de leilão consolidada no mercado de arte internacional.
Seus quadros também têm sido protagonistas de uma série de ações realizadas por grupos ativistas. Em 2022, a professora de arte María Llopis levou algumas de suas alunas ao Museu Picasso, em Barcelona, para um protesto. Elas usavam camisetas com frases como “Picasso agressor” e “Picasso abusador de mulheres”.
No mesmo ano, dois ativistas climáticos da Extinction Rebellion colaram suas mãos ao quadro Massacre na Coréia, exposto na National Gallery of Victoria, em Melbourne, na Austrália. Os ativistas levaram uma faixa onde lia-se “caos climático = guerra + fome”. Também em 2022, cerca de 30 ativistas antiguerra protestaram à frente de Guernica no museu Reina Sofia, em Madri. Os manifestantes fingiram-se de mortos como protesto ao escalonamento das tensões da guerra na Ucrânia.
Se o nome de Picasso tem ganhado manchetes por leilões e manifestações postumamente, o pintor também protagonizou outras obras em vida, como documentários, filmes e livros. Em 1955, seu amigo, Henri-Georges Clouzot convenceu Picasso a participar de um documentário, “O Mistério de Picasso” , em torno de seu processo criativo. Para o filme, o artista criou 20 telas. Usando tinta e papel especiais, ele elaborava os desenhos enquanto Clouzot filmava o lado inverso da tela, capturando o trabalho em tempo real.
Entre os livros sobre o autor, destaca-se “A minha vida com Picasso” de Françoise Gilot – considerada uma das musas do artista –, mãe de dois filhos do pintor, Paloma e Claude. No livro Gilot humaniza uma das lendas da pintura. Picasso no livro não é um ser fantástico dotado de talentos sobrenaturais, mas um homem comum que adquiriu sucesso. Considerada a única mulher que foi capaz de abandonar Picasso, e mais tarde expor o artista por seus abusos, Gilot precisou lutar para ter o livro publicado.
Picasso foi um artista prolífico – com mais de 15 mil peças produzidas –, passou por distintos momentos artísticos durante sua vida – estando na vanguarda de mais de um movimento artístico na europa – e seu nome carrega consigo o status de mito. Acumulou sua própria dose de polêmicas em sua vida pessoal. Influenciou, e continua a assim fazer, inúmeros outros artistas. É, sem dúvidas, um artista que merece ter seu legado investigado, discutido e revisado.
Matheus Paiva é produtor cultural e internacionalista, formado pela Universidade de São Paulo.
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