O Museu de Arte Moderna de São Paulo inaugurou no último mês a exposição “Realidades e Simulacros”, que marca um novo momento para a instituição e o circuito cultural da cidade: uma abertura para o uso da tecnologia como mediadora do trabalho artístico. Composta por um conjunto de dez obras inéditas em realidade aumentada, a exposição abrange o entorno do museu, nos espaços do Jardim de Esculturas, da Praça da Paz e da região dos lagos do Parque Ibirapuera. Em cartaz até dezembro deste ano, a iniciativa faz parte das comemorações pelos 75 anos de história do MAM-SP e amplia a atuação do museu para além de seu limite territorial.
“Em um mundo no qual a expansão da tecnologia tomou conta das sociedades, não há mais qualquer separação entre a tela digital e a vida cotidiana.“
Com curadoria de Cauê Alves e Marcus Bastos, “Realidades e Simulacros” sugere uma reflexão sobre a pluralidade dos conceitos de “real” e “fictício”, questionando a aparente oposição entre os dois termos. Na visão dos curadores, não existe uma realidade única ou concreta, o que acontece são diferentes realidades sobrepostas umas às outras, vistas por perspectivas diversas. Em um mundo no qual a expansão da tecnologia tomou conta das sociedades, não há mais qualquer separação entre a tela digital e a vida cotidiana – o real e o simulacro estão em constante fricção. Nesse sentido, o título da exposição diz respeito aos novos cenários que o mundo digital proporciona e que, por sua vez, intervêm na maneira como as pessoas se relacionam, resultando em novas representações de mundo.
Trata-se de uma experiência híbrida, em que o conteúdo é, ao mesmo tempo, digital, presencial e corporal. Em entrevista concedida a Artsoul, Marcus Bastos contou que o processo de pesquisa e elaboração da mostra começou ainda no início deste ano, em meados de fevereiro: “Fizemos os convites para os artistas e a equipe do MAM fez um levantamento de potenciais fornecedores de tecnologia, e quando a equipe final foi definida, começamos a trabalhar”.
A partir daí, uma série de etapas precisou ser seguida: “fomos conversando com eles [os artistas] para decidir quais seriam os projetos implementados. Depois das obras concebidas, foram marcadas reuniões dos artistas com a equipe de desenvolvimento da plataforma de realidade aumentada, composta por três profissionais. […] Com uma versão inicial das obras implementadas, fizemos testes no Parque Ibirapuera, para avaliar o andamento das obras e decidir quais ajustes eram necessários”.
“É nesta sobreposição da esfera digital ao mundo físico que se dá a inovação da mostra. “
Para Bastos, curador e pesquisador das áreas de convergência entre audiovisual, design e novas mídias, uma exposição com trabalhos inéditos em realidade aumentada implica em uma situação complexa: “Tanto o lugar específico quanto a camada digital são importantes. A obra não pode ser vista apenas em formato digital, num computador em casa, ela depende do ambiente onde está instalada. E ela não se realiza apenas com a visita do público ao lugar onde a obra acontece, pois tem uma dimensão imaterial, que depende da mediação tecnológica para se efetivar”. É nesta sobreposição da esfera digital ao mundo físico que se dá a inovação da mostra.
Diferente das exposições convencionais, em que o público participa somente como observador de um trabalho material, neste caso, para ver as obras, o visitante precisa acessar uma plataforma online via navegador, pelo link mam.org.br/realidades, ou via QR Code, pelos totens de sinalização do museu que estão distribuídos pelo parque. Em seguida, o usuário deve aceitar algumas permissões solicitadas pela plataforma, como o uso da câmera e da localização atual. A partir daí, o indivíduo pode se identificar no mapa da plataforma, entrando na região em que a obra está geolocalizada e clicando no quadrado que aparecerá na tela. “Tem uma coisa meio de caçar Pokémon, tem que sair caçando a obra”, brincou o curador-chefe do MAM, Cauê Alves, na manhã de abertura da exposição.
“Realidades e Simulacros” reúne obras do Coletivo Coletores, Daniel Lima, Dudu Tsuda, Eder Santos, Fernando Velazquez, Giselle Beiguelman, Katia Maciel, Lucas Bambozzi, Paola Barreto e Regina Silveira. São artistas multimídia, que durante suas trajetórias profissionais atravessaram os campos do audiovisual, da vídeo arte e de projetos interativos.
Em suas produções para a mostra, exploraram temas contemporâneos, que passam por questões históricas, culturais ou próprias da linguagem tecnológica. Dentre as obras expostas, estão uma enorme bolha de sabão que flutua sobre a grama com uma elasticidade que parece nunca estourar; uma criatura orgânica feita de materiais vegetais e minerais, chamando atenção para as catástrofes ambientais do planeta; e a réplica da embarcação utilizada por Pedro Álvares Cabral durante a invasão da América, em 1500, como crítica aos monumentos celebrativos da colonização.
“É a primeira vez que uma instituição brasileira apresenta uma mostra composta inteiramente por trabalhos em realidade aumentada.“
Segundo os curadores, é a primeira vez que uma instituição brasileira apresenta uma mostra composta inteiramente por trabalhos em realidade aumentada. A iniciativa dá continuidade aos projetos do museu que utilizam a tecnologia como meio de democratizar a arte moderna e contemporânea, como o programa “MAM na Cidade”, que exibe obras do acervo da instituição em mobiliários urbanos e fachadas de edifícios, e o “MAM no Minecraft”, que reproduz espaços internos do museu no ambiente do videogame.
“Realidades e Simulacros” permite que o público perceba e vivencie a ligação estreita entre as noções de fictício, factual, fabulatório e corporal. O trajeto pode ser realizado de diferentes modos, sem ordem específica, sugerindo uma relação mais próxima com o espaço, à medida que o visitante vai descobrindo cada trabalho. Entendendo a ferramenta da realidade aumentada como uma “possibilidade de interferência na paisagem”, a exposição convida o público a experimentar outras formas de interação com a arte e o próprio ambiente.
Serviço:
Exposição: Realidades e Simulacros
Curadoria: Cauê Alves e Marcus Bastos
Local: Entorno do Jardim de Esculturas, Praça da Paz e região dos lagos do Ibirapuera. Avenida Pedro Álvares Cabral s/n° – Entrada pelos portões 1 e 3
Visitação: De 22 de julho a 17 de dezembro de 2023
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