“O vídeo talvez seja o mais potente suporte da arte contemporânea”, afirma Solange Farkas, curadora geral do Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil. Solange acompanhou de perto a trajetória do vídeo no universo das artes visuais nos últimos 35 anos. Em 1983, fundou o festival, no mesmo momento em que os primeiros artistas brasileiros começavam a experimentar ferramentas audiovisuais.
Muita coisa mudou desde então. Se hoje o vídeo é presença comum em exposições, no Brasil dos anos 1980, o cenário era bem diferente. Quando as primeiras câmeras portáteis chegaram, o país ainda vivia a censura da ditadura militar. Começou então uma produção documental, que buscava retratar o que a programação televisiva não mostrava. A impossibilidade de penetrar a grade da televisão com esses vídeos gerou frustração. Na década de 1990 passa-se a vislumbrar a inserção do vídeo no universo das artes visuais brasileiro. Os videoartistas trabalhavam apenas com este suporte e discutiam muito a especificidade da linguagem.
Nesses quase 20 anos de transição, o Videobrasil contribuiu para a legitimação do vídeo no país. Hoje, ele já está bem incorporado às artes visuais e a denominação videoartista caiu em desuso.
André Parente é um artista multimídia mineiro radicado no Rio de Janeiro, mas é conhecido principalmente pelos seus vídeos. Na década de 1980, ele foi estudar cinema já pensando em usar a ferramenta como artista. “A linguagem do vídeo é muito adequada para a arte. Me interessava principalmente sua relação com a arte performática”, relembra. Em trabalhos como Circuladô (2010/2014), instalação interativa com vídeos, o suporte se mostrou ideal para abordar o tema velocidade. “O espectador, por meio de uma manivela, pode determinar a velocidade em que as imagens são projetadas. Eu queria juntar, num único trabalho, tecnologia e conceito”, comenta.
O norte-americano Bill Viola se destaca internacionalmente entre artistas que utilizam vídeo. Seu trabalho está no Sesc Avenida Paulista, na exposição ‘Bill Viola – Visões do tempo’ (01 de maio a 09 de setembro, 2018). A experiência cativante do trabalho de Viola demonstra a possibilidade do vídeo de tratar da experiência humana, a relação com o corpo e o contato com o outro. Já o brasileiro Thiago Martins de Melo, conhecido principalmente por criar pinturas monumentais, escolheu animar mais de 4mil de seus desenhos e pinturas, que remetem à herança de brutalidade no Brasil, para criar a o vídeo bárbara balaclava (2016), exposto no ano passado, na 20a edição do Sesc_Videobrasil.
Solange resume a potência das imagens em movimento: “Não se passa impunemente por um trabalho de vídeo. É provocativo, mais sensorial do que qualquer outro. É uma mídia de comunicação usada para as artes. Às vezes, outras linguagens demandam conhecimento de história da arte. Já o vídeo é mais enfático, democratiza o acesso à arte. Antes, para entrar no museu tinha que fazer silêncio, reverenciar. O vídeo quebra isso”.
Para comercializar esses trabalhos, as galerias usam a mesma lógica que se aplica a outros suportes de fácil multiplicação, como a fotografia; são feitas cópias limitadas dos vídeos. No entanto, a facilidade de disseminação de conteúdo audiovisual na internet causa fricção. Ainda que seja possível encontrar imagens de praticamente qualquer obra de arte on-line, no caso do vídeo, é a própria obra que pode ser disponibilizada em um link. Solange, que é abertamente contra os vídeos ficarem restritos às gavetas de colecionadores, explica:“faz parte da natureza do vídeo ser visto imediatamente e pelo maior número de pessoas possível. Um link, o mundo vê. Porém, existe a tentativa de formatar o vídeo do ponto de vista mercadológico, vender cópias. Mas o vídeo não se adequa a isso, é rebelde”.
Maria Silvia Ferraz é jornalista e apaixonada por arte contemporânea
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