Concebida como um projeto do Museu de Arte Moderna de São Paulo, a primeira Bienal de São Paulo foi realizada na esplanada do Trianon, onde hoje se encontra o Museu de Arte de São Paulo, no dia 20 de outubro de 1951. O desvencilhamento com o MAM-SP acontece em 1962, com a criação da Fundação Bienal e segue em definitivo no Parque Ibirapuera.
Esses dois eventos marcam a história de uma das mostras mais importantes no circuito ocidental de arte. Diante das efemérides dos anos de 2021 e 2022 foi formado um comitê extraordinário no conselho da Fundação que realizou ações como um podcast, em parceria com o Grupo Folha e um filme/documentário que está sendo feito com o Itaú Cultural.
Parte desse projeto é a organização de um livro de ensaios que celebra os 70 anos da mostra Bienal e os 60 anos da Fundação Bienal, é uma história que contabiliza 34 edições da mostra, sendo a segunda bienal mais antiga do mundo, atrás apenas da Bienal de Veneza que conta com 59 edições.
O lançamento do livro aconteceu na última quinta-feira no auditório do Pavilhão da Bienal, de imediato nota-se que o projeto gráfico do livro concebeu uma capa prata reflexiva que faz um aceno ao catálogo da 13ª Bienal. A organização agrupou 30 textos inéditos de 33 autores convidados a desenvolver ensaios. O organizador é o curador Paulo Miyada, conta que a escolha pela linguagem foi uma tentativa de se distanciar um pouco da esterilidade da linguagem acadêmica de artigos.
Os ensaios agrupados no livro abordam diferentes momentos da bienal e são apresentados em ordem cronológica, o evento de lançamento contou com três mesas mediadas pelo organizador e com a presença de autores que comentaram os trabalhos desenvolvidos para o livro.
A primeira mesa, Do que cabe aqui, abrigou um diálogo a respeito de momentos em que a arte modificou a trajetória do evento. Bruno Pinheiro, pesquisador em história na Unicamp, e um dos colaboradores da publicação discute a premiação da tela Moenda de Heitor dos Prazeres que dentre os debates sucitados evidenciou o racismo ao passo que colocou luz à um projeto de modernidade particularmente negro, com engajamento de artistas e intelectuais pretos comprometidos com os caminhos da cidadania negra.
Lula Wanderley, artista gráfico e poeta visual apresenta ensaio sobre Arte Incomum. Wanderley defende que a 16ª, de curadoria de Walter Zanini, preparou o olhar dos anos 1980 para a década que viria a ter, em suas palavras, três acontecimentos novos questionando sobre o fio que liga a arte ao lado obscuro da alma (em seu sofrimento e cuidado clínico), ele elenca a reforma psiquiátrica e seu vínculo com a cultura, a descoberta de Arthur Bispo do Rosário e a revelação do Objeto relacional de Lygia Clark.
Por fim, teve a participação de Cláudio Bueno e João Simões, artistas, pesquisadores e curadores. O trabalho conjunto deles se ancora na 31ª Bienal de São Paulo Eles se concentram em quatro trabalhos da mostra para debater suas implicações e renovações.
A segunda mesa abordou episódios da Bienal em que o contexto político e social do período influenciou diretamente a organização da exposição. Regina Teixeira de Barros, doutora em história da arte pela USP teve a primeira fala sobre texto que discute os processos e paradoxos da construção do Parque do Ibirapuera como espaço de lazer e cultura com monumentos enaltecedores do passado, Brecheret e Emendabili, e com o projeto moderno da arquitetura de Niemeyer.
Caroline Saut Schroeder, professora e pesquisadora, aborda os momentos da ditadura civil militar brasileira de intensificação da censura e da repressão, no campo social e artístico, e que refletiu diretamente na Bienal. A Bienal como exercício de autorreflexão, desenvolvido por Fernanda Albuquerque, curadora e professora da UFRGS, tem como referência a 28ª Bienal de São Paulo (2008), e revela que buscou pensar essa edição como revisão e crítica institucional, um momento de indagar a própria mostra, e o modelo Bienal de exposição.
A última mesa, Arte e mais que arte, abordou momentos para além dos limites formais tradicionais da arte. Francisco Alambert, professor da USP, preparou um ensaio sobre a 2ª edição da bienal propondo discussões acerca da expectativa e a presença do povo na então maior mostra do século 20 e o que aquilo significou em suas entranhas.
Abertura da 2ª Bienal, 1953. Foto: Autoria não identificada. Fundação Bienal de São Paulo. Imagem: divulgação.
Quem aborda a mostra de 1961 é Glaucia Villas Bôas, professora da UFRJ, e aponta a edição como um primeiro indício de mudanças paradigmáticas na arte, no pensamento e na política, questões que se aflorariam nos anos seguintes da década.
Tiago Gualberto, artista, pesquisador e educador, encerra o evento comentando seu ensaio sobre a 24ª Bienal de São Paulo, em que elabora pensamentos acerca da forma em que a mostra de 1998, conhecida como Bienal da antropofagia e Bienal do educativo, ecoa nos dias de hoje.
Organizado pelo curador-adjunto da 34ª bienal, Paulo Miyada, a publicação conta com a colaboração de artistas como Lyz Parayzo, referências do campo crítico e de pesquisa como Cristina Freire e Aracy Amaral, da área da educação como Mônica Hoff dentre outros de formações diversas que contribuem pro campo de um modo geral.
Para além dos textos, o livro apresenta uma pesquisa elaborada de imagens escolhidas a partir do Arquivo Histórico Wanda Svevo (e outras fontes), sendo algumas digitalizadas pela primeira vez.
Com a pesquisa de imagem, revela-se as mudanças da mostra, como os avanços dos padrões de montagens, conservação, expografia, mudança de público dentre outros fatores.
Dentre as imagens do livro, na que destacamos abaixo, por exemplo, é possível observar que na primeira Bienal de São Paulo as medidas de segurança que conhecemos hoje para transporte de obra ainda não haviam sido elaboradas e sistematizadas, tampouco uso de equipamentos e medidas de conservação como luvas para manuseio.
Montagem da 1a Bienal, Sala Especial Bruno Giorgi, 1951. Foto: Peter Scheier / Fundação Bienal São Paulo. Copyright Instituto Moreira Salles. Imagem: Divulgação.
Na segunda imagem, vê-se espalhados pela imponente arquitetura de Niemeyer o público utilizando máscaras, que marca uma mudança de comportamento e na estrutura da própria mostra pela triste crise sanitária que atingiu o mundo todo a partir de 2020.
Performance de Neo Muyanga e Coletivo Legítima Defesa durante encerramento da 34a Bienal, 2021. Foto: Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo. Imagem: Divulgação.
O livro pretende fugir da ideia enciclopédica que muitas vezes se espera de um livro retrospectivo e optou por abordar sua história através de diferentes vozes e perspectivas e criticidade, a fim de afirmar o caráter plural da mostra.
Giovanna Gregório é graduanda em Arte: Historia, Critica e Curadoria pela PUC-SP. Pesquisadora e crítica independente.
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