Artsoul entrevistou Thomaz Pacheco, galerista à frente da OMA Galeria em São Bernardo do Campo. Com um projeto amplo e inclusivo, a galeria atua há 7 anos no ABC Paulista e é referência no mercado de arte contemporânea. Thomaz nos conta um pouco do início da OMA e as diretrizes para continuidade do trabalho.
Artsoul – O que inspirou o projeto de criação da galeria?
Thomaz, OMA Galeria – A galeria surgiu de um interesse pessoal por arte e cultura como um todo, não necessariamente artes visuais. Sempre fui estimulado com a parte criativa por minha mãe que tem formação em arquitetura e sempre se interessou por práticas manuais das mais diversas: bordado, crochê, mosaico, cerâmica etc. Ela sempre estimulou isso nos filhos (somos 3), me lembro quando pequeno pintando e bordando e isso fez parte do meu repertório, da minha formação.
Quando adulto, em dado momento da carreira decidi empreender, fui buscar algo que eu gostava de fazer e gostava muito dessas práticas manuais. Estava trabalhando na indústria há muito tempo e meu lado burocrata quis pesquisar um plano de negócio que envolviam essas práticas. O que inicialmente era a ideia de um ateliê coletivo, foi dando espaço a uma galeria de arte que tivesse uma atuação diferente das tradicionais. Não é só uma galeria que comercializa obras e representa artistas, entre outros fatores, por estarmos no ABC, um pouco deslocados geograficamente do eixo principal de comercialização de obras de arte, eu precisava atuar de forma diferente. Precisava trabalhar a formação de público, precisava trabalhar território.
Por isso, ela nasceu além de OMA Galeria que representa artistas e comercializa obra, também nasceu como OMA Cultural que faz atividades para o circuito de artes visuais e como OMA Educação que trabalha com instituições de ensino das mais variadas, da pré-alfabetizada à pós-graduados. É uma galeria que tem uma responsabilidade com o entorno.
Artsoul – Quais os critérios para seleção dos artistas representados?
Thomaz, OMA Galeria – Não temos uma resposta prática e pragmática para isso. A relação com o artista é um namoro que eventualmente dá em casamento ou não. Nasce do interesse pessoal pela obra e tem uma razão de ser: acredito que a gente só vende aquilo que a gente compra. Acho que para eu conseguir ser um vendedor, eu preciso acreditar no que vendo. Quando falo “comprar” falo em sentido amplo, de acreditar naquilo. Só isso vai me fazer vender.
A relação com todos os artistas representados vai se construindo, começa com a apresentação de um portfólio, depois vamos acompanhando, vendo a seriedade do artista, as motivações pelas quais ele produz, o que é verdade e caro a ele e, por último, se essas coisas se alinham ao pensamento da galeria e do time como um todo. Se isso acontece, o namoro vai virando casamento de forma natural. Não temos uma tabela de critérios para dar “check” e tornar os artistas representados. Tenho a sorte de grande parte dos artistas que são da OMA estarem conosco desde o começo. É o caso do Thiago Toes, Giovani Caramello, Nario Barbosa, Andrey Rossi, que são artistas que praticamente começaram comigo na galeria e estão até hoje, agora com carreira estabelecida. Fico muito feliz de estar nessa trajetória com eles.
Artsoul – Quais trabalhos e quais artistas da Galeria você considera de mais destaque no momento?
Thomaz, OMA Galeria – Todos eles têm a sua magia, a sua justificativa, e um porquê para serem destacados. Mas tem alguns artistas que tem a história mais amarrada à minha e a da galeria como a do Giovani Caramelo. Um artista hiper-realista que afirmo com muita segurança que é um dos principais escultores do país. É um menino muito incrível, de um trabalho primoroso. O Giovani é excelente da argila ao mármore, no gesso, na madeira, no 3D, não vi um escultor vivo com a mesma modelagem dele em todos esses materiais.
O Andrey Rossi é um pintor incrível, com carreira em plena ascensão, acabou de encerrar uma individual em Nova York e estamos organizando uma individual na Espanha. Tudo com galerias parceiras e de grande e médio porte. É um artista premiado em tem trabalho em importantes coleções, particulares e institucionais.
O Thiago Toes também tem uma doçura e uma violência no trabalho que é apaixonante, uma atuação intensa na rua, com sua vida ligada ao Graffiti e um soldado no ateliê produzindo muito e por muito tempo já.
Temos artistas mais consolidados como o Paulo Nenflídio, que está com uma exposição em cartaz no MAC USP, fruto de premiação do próprio museu, já passou pelas principais galerias do país e hoje está feliz conosco na OMA.
Laerte Ramos a mesma coisa, um artista premiado em muitos editais, consagrado já, passou pelas principais galerias do país e hoje também estamos em uma relação super saudável, ainda no final do ano passado ele fez uma ocupação linda no Pacaembu, numa mostra que celebrou o “apagar das luzes” antes da reforma que passará o estádio.
Posso destacar uma coisa em cada um dos artistas. A OMA tem como forma de trabalho trabalhar com poucos artistas para trabalhar muito bem todos eles. Para todos está acontecendo muita coisa.
Artsoul – Neste último ano, com as medidas de isolamento, quais os maiores desafios que a Galeria enfrentou para continuidade do trabalho? Alguma mudança permanente que a pandemia trouxe?
Thomaz, OMA Galeria – O maior desafio é a veiculação do trabalho. Arte pressupõe muito do físico, da experiência com a obra. Ainda que a pandemia tenha forçado uma inserção no digital, para nós na OMA o digital já era uma realidade. Temos canal do youtube com dois vídeos por semana, temos podcast com um episódio por semana, temos instagram, linkedIn, twitter, clubhouse, todas as redes muito ativas. É uma galeria já ativa no meio digital.
Mas com certeza isso se intensificou e foi uma forma que, justamente por ser uma galeria deslocada geograficamente do eixo principal, estamos aperfeiçoando essa forma de conexão com os colecionadores. Essa é a mudança permanente. A hibridização do físico e do digital no contato, na relação entre galeria e colecionador.
O NFT art e o blockchain são demonstrações de como as mudanças tecnológicas estão acontecendo e as galerias se adaptando. Na OMA não é diferente.
Artsoul – Quais as contribuições mais significativas da galeria para o mercado de arte brasileiro?
Thomaz, OMA Galeria – É uma pergunta excelente. Fico muito feliz em responder. Diferente do circuito de arte tradicional, a OMA tem uma atuação destacada na relação com os artistas. A gente vê no circuito tradicional – e não é orgulho para ninguém – muita reclamação de artista sobre a relação com o galerista ser desequilibrada. Na OMA, a relação é fundamentalmente diferente. A organização é extremamente horizontal. Os artistas participam do dia a dia da galeria em muitos aspectos, de participação em feiras, estratégias a posicionamento da galeria, tudo. A construção é muito linear.
Os artistas são muito presentes e isso dá o tom da nossa relação. É uma galeria que rompe alguns protocolos do mundo da arte de dependência entre artista e galeria, aqui na OMA nos prezamos pela autonomia de cada um, é com certeza uma galeria que ressignifica tudo isso, favorecendo muito os artistas para além do comércio de obras.
Não existe galeria sem artista, mas existe artista sem galeria. Eu sou um galerista que ao contrário do que muitos podem pensar, eu jogo muito aberto, é muito transparente os investimentos e ganhos de todos. Sabemos bem as responsabilidades de cada um e isso é muito gostoso, se torna uma relação de amizade e de confiança muito grande.
Trabalho hoje com vários artistas que passaram pelas principais galerias do país e hoje está com a gente, falando abertamente que é a melhor experiência que eles têm nesse sentido, que o resultado que teve em pouco tempo de relação na OMA, não teve em anos em outros espaços. Resultados em várias frentes, inclusive em vendas. Ao passo que muitas pessoas ainda nos veem como uma galeria pequena, ou mediana, o nosso resultado é muito grande. É uma galeria que tem 10 funcionários, tem logística própria, hoje faz consultoria para outras galerias e outros espaços que veem na gente uma referência, não é mais aquele trabalho precoce, mambembe, é uma galeria extremamente orientada a processos, a resultados. Nossa contribuição é a nível de profissionalismo do circuito e eu tenho tranquilidade em afirmar sem que pareça qualquer coisa como soberba, é muito trabalho envolvido.
Artsoul – Gostaríamos de saber algumas das suas indicações de filmes, séries, livros e podcasts para o público acessar neste momento de distanciamento social.
Thomaz, OMA Galeria – AmarElo – documentário do Emicida. É uma nova forma de escrever a história, extremamente sensível e lúcida. Tenho muito orgulho em dizer que parte da pesquisa histórica foi conduzida por um conterrâneo, o Felipe Choco, um pesquisador de São Bernardo, da região onde a galeria está.
A Voz Suprema do Blues – filme indicado ao Oscar, tem uma forma peculiar em ser conduzida dentro de um único espaço, é um filme bem interessante sobre a perspectiva de fotografia, de direção de arte, quase teatral. A história também é incrível, de afirmação da “mãe do blues”, como é conhecida Ma Rainey, na Chicago dos anos 20.
OMA Galeria – no podcast temos trazido temas superlegais de uma forma divertida em micronarrativas de 10 a 15 minutos. Temas super pertinentes sobre colecionismo e dinâmicas do circuito das artes, quebrando um pouco dos paradigmas do nosso mundo. Indico com bastante confiança o conteúdo que estamos produzindo.
Entrevista concedida por Thomaz Pacheco por telefone em março de 2021.
Victoria Louise é crítica e produtora cultural, formada em Crítica e Curadoria e Gestão Cultural pela PUC-SP
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