Ao longo das últimas décadas, o circuito artístico vêm expondo uma grande ferida da arte ocidental: a hegemonia de homens brancos como centro da produção cultural das sociedades. Diante dessa lacuna, é perceptível um esforço e comprometimento das instituições e dos profissionais do campo no sentido de oferecer igual espaço para produções de minorias sociais, como as mulheres e artistas latinas.
Junto a essa movimentação também surge um grande interesse do público em se aprofundar em outras perspectivas de produção. Contudo, a tarefa de encontrar artistas novas é árdua, no mesmo sentido é muito difícil que artistas consigam visibilidade.
Procurando sanar esse duplo impasse, encontramos a plataforma online e gratuita Artistas Latinas, um espaço colaborativo de artes visuais criado em 2019. Ancorada nos princípios de educação e difusão, se propõe a ser parte de uma grande meta emancipatória em extenso debate no cenário cultural ocidental: reescrever a história da arte a partir da perspectiva das mulheres latino-americanas.
Para tanto, a equipe concentra o maior volume de trabalho na organização de um ambiente de busca e divulgação. Conectando curiosos, pesquisadores e artistas, o frequentador do site tem acesso ao trabalho e ao perfil de mais de 150 artistas, separadas por nacionalidade.
Paulo Farias, produtor cultural, é fundador e responsável pela gestão da plataforma. Em entrevista para a Artsoul, conta que criou o projeto em 2019 por efeito de um curso que realizou no mesmo ano, Mulheres Artistas na História da Arte, ofertado pelo Um teto seu.
Movido pelos debates que estava em contato, se propôs, pelo período de um ano, oferecer um espaço de protagonismo a artistas mulheres dentro do recorte da América Latina, e organicamente o prazo se desfez e a plataforma ampliou seus objetivos.
Atualmente o projeto segue de forma independente e sem fins lucrativos, contando com voluntários e financiamento através de editais para manter sua operação.
O conselho curatorial, atualmente composto por Ana Carla Soler, Carolina Rodrigues, Francela Carrera e Renat Castillo articula mapeamentos para promover grandes coletas de portfólios, oferecendo assim seu espaço a mais mulheres.
Os mapeamentos constituem as ações mais importantes promovidas pelo Artistas Latinas. Além de alimentar a base de dados de pesquisa, é também fonte para o próprio conselho curatorial que os utiliza para futuros projetos, publicações e feiras.
Do rico material que eles recebem nascem novas discussões e temáticas como a maternidade, as perspectivas periféricas, os deslocamentos e as descentralizações dos eixos urbanos latinoamericanos. Um exemplo dos desdobramentos é a curadoria sobre maternidade realizada para a feira Artsampa que partiu do mapeamento de mães artistas.
Em 2023, a equipe finalizará o mapeamento de mulheres curadoras de artes visuais, visando expandir o campo de debate e perceber as condições das trabalhadoras da arte para além das artistas.
Os chamamentos revelam uma lacuna estrutural muito problemática: o fato de artistas relevantes ou emergentes e com trabalhos potentes que não conseguem ser localizadas, que não estão em fontes de pesquisa, por isso a necessidade de colocá-las no mapa e permitir que sejam encontradas.
Ser digital é parte fundamental do projeto, como conta Farias, essa presença permite que as fronteiras sejam mais fluidas “se chega mais longe e no tempo que as pessoas têm disponível, resultando em interações com todo o globo.”
Com a proposta de ser e ter presença online, eles compartilham um grande volume de postagens no instagram, quem acompanha a página pode conferir divulgação de exposições, convocatórios e o #artistaslatinasindica que recomenda trabalhos de artistas em exposição.
No site, há uma área dedicada ao educativo que disponibiliza mais de 20 horas de conteúdo, entre eles entrevistas, videoaulas, cursos e exposições virtuais. Até o dia 18 de novembro está em cartaz a exposição virtual, com curadoria de Francela Carrera, Poéticas como inscrição histórica: Um olhar para a produção de 10 mulheres artistas do Brasil e da Guatemala.
Pretendendo ser um ambiente aberto e colaborativo, a aba “você aqui” disponibiliza um formulário simples para envio de trabalhos, desde a submissão de portfólios artísticos até ensaios e reflexões ligadas ao recorte temático da página.
Dessa colaboração acontece a alimentação do blog, com críticas de exposição, análises de mercado e mais uma série de abordagens ao mundo da arte que orbitam o debate das mulheres.
Seja para os amantes de arte ou para aqueles inseridos no campo, a plataforma vem ganhando espaço e visibilidade enquanto um importante ambiente de debate, pesquisa e inserção de artistas no mercado.
Francela Carrera, curadora chefe da plataforma, revela que há muitos projetos importantes para o ano de 2023 e afirma: o sistema patriarcal sempre colocou mulheres contra mulheres e estamos tentando quebrar essa lógica, ouvindo-as e deixando-as se posicionar e desenvolver seus projetos.
Giovanna Gregório é graduanda em Arte: História, Critica e Curadoria pela PUC-SP. Pesquisadora e crítica independente.
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