Quando pensamos ou falamos sobre arte, geralmente visualizamos obras em museus e demais instituições culturais. São estes espaços que definem qual é a arte que merece ser vista por muitas pessoas em exposições temporárias ou acervos fixos em exibição. Ainda que esse seja o circuito mais conhecido, existe um tipo de arte que foge desses espaços fechados para atingir um público muito mais amplo: a arte da rua, dos espaços públicos. Neste texto, as obras e intervenções que serão apresentadas, alcançam o público no seu dia a dia, em espaços de convívio espontâneo, possibilitando outras relações que as paredes dos museus impedem.
Uma das características mais interessantes de uma intervenção pública é sua capacidade de afetar o dia de quem a encontra. A pintura de um painel ou instalação de um objeto, como exemplos, podem acordar um olhar acostumado com as mesmas informações visuais todos os dias.
Uma obra conhecida por ter causado grandes efeitos é Tilted Arc de Richard Serra, constituída por uma placa curvada e inclinada, com 36,6 metros de comprimento e 3,6 metros de altura, atravessando a Federal Plaza em Nova York. A obra gerou polêmica pelo modo como cortava a praça, o que levou a uma disputa judicial sobre sua permanência, sendo retirada do espaço em 1989, oito anos após sua instalação.
Qualquer que seja a opinião a respeito da obra, o que é inegável é a capacidade de Serra de modificar toda a dinâmica de travessia da praça, provocando novas reflexões a respeito de arte pública e seus efeitos no cotidiano. A obra, que tinha um desenho que ia ao contrário dos arcos do chão da praça, talvez nos diga mais sobre como a arte nem sempre é feita para agradar nossos olhares mas, antes, nos tirar do nosso eixo.
O muralismo mexicano é um marco na arte pública da história recente. Seguindo a Revolução Mexicana na segunda década do século XX, o movimento estava atrelado a questões sociais como a crítica à ditadura de Porfirio Díaz – crítica própria da revolução -, além da preocupação em promover acesso à arte e cultura de forma ampla.
Este também é um movimento de arte moderna – com influências plásticas das vanguardas européias e baseado nas raízes de culturas antigas maia e asteca, nas histórias antigas do México e seu folclore. Seus maiores expoentes foram Diego Rivera, José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueiros.
No Brasil, um exemplo de muralista foi Cândido Portinari, que pintou murais e grandes painéis para diversas instituições nacionais e internacionais, como a obra Guerra e Paz, finalizada em 1956 para a sede da ONU em Nova York – ou mesmo sua fachada em azulejos na parte inferior da Igreja São Francisco de Assis, na Pampulha em Minas Gerais.
A segunda metade do século XX foi palco de muitas pesquisas que envolviam a participação do público em diferentes tipos de arte. Houve uma grande aproximação entre arte e vida – e muitas vezes os limites entre um e outro quase não existiam.
No que diz respeito à arte pública, tivemos na década de 1970 uma onda de trabalhos voltados às ruas e à vida cotidiana. Um exemplo brasileiro é o grupo 3NÓS3, formado pelos artistas Hudinilson Jr., Mario Ramiro e Rafael França, que atuaram em São Paulo com uma série de intervenções públicas entre 1979 e 1982 – em geral com tom crítico e questionador.
A primeira ação foi intitulada Ensacamento, na qual o grupo ensacou as cabeças de 68 estátuas espalhadas pela cidade de São Paulo de madrugada. Na manhã seguinte, os integrantes ligaram para a polícia e se passaram por cidadãos denunciando o estado dessas estátuas. Contextualizada na ditadura militar, as ações do grupo criticaram a censura, as violências ocorridas nos interrogatórios de presos políticos, entre outras condições que a sociedade sofreu naquele período.
O grafite faz parte da paisagem de grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York. Sendo os mais expressivos tipos de arte urbana, o grafite e a pichação se caracterizam pela alteração constante dessas paisagens.
Essas pinturas realizadas em empenas e muros de grandes construções demarcam uma presença desses artistas na vida da cidade de modo que outras linguagens não conseguem. No Brasil, temos muitos nomes que construíram carreiras de destaque, inclusive internacional – é o caso da dupla Os Gêmeos, Kobra, Crânio, Nina Pandolfo, Zezão, Derlon, entre outros.
Obras produzidas para o espaço público muitas vezes se relacionam com a história do local escolhido para recebê-las. Esculturas são erguidas enquanto monumentos em espaços simbólicos nas cidades, e constroem ali narrativas conectadas com o seu entorno.
A arte que adquire caráter de monumento, nos lembra que o espaço público é um campo de representação coletiva e de disputa de narrativas. Tais obras despertam discussões ricas à sociedade, especialmente quando são questionadas através de intervenções, como o caso do grupo 3NÓS3, apresentado no início do texto. Nestes debates, questões como patrimônio, memória coletiva e história da sociedade são cruzadas e revisadas.
Ainda na linha das produções que investigam os monumentos a partir de intervenções, temos a dupla Christo e Jeanne-Claude, que produziram uma série de interferências sobre paisagens e monumentos emblemáticos com suas instalações de tecido. Christo faleceu no dia 31 de maio de 2020, deixando em andamento o projeto de uma obra, que foi realizada postumamente no último mês de setembro, no Arco do Triunfo.
Algumas exposições periódicas propõem diferentes tipos de intervenção nos espaços públicos onde ocorrem, sejam obras temporárias ou fixadas.
Em São Paulo acontece anualmente a Mostra 3M de Arte, que já foi apresentada em diversos espaços públicos da cidade, como o Largo da Batata e o Parque Ibirapuera. Suas últimas edições estavam focadas justamente em instalações de arte que promovessem experiências de convívio, interferências da própria população e reflexões em conjunto. A mostra costuma durar 1 mês e a cada edição tem novas obras escolhidas por meio de um edital aberto.
Já a Bienal do Mercosul, que ocorre desde 1997 na cidade de Porto Alegre, possui obras comissionadas que são instaladas permanentemente em espaços públicos da cidade. Dessa forma, cada edição deixa uma marca, como são as esculturas de grandes nomes entre Amilcar de Castro, Aluisio Carvão e Franz Weissmann, por exemplo.
Pela sua capacidade de afetar mais pessoas e de promover debates mais amplos, a arte destinada ao espaço público tem sempre uma potência e um caráter político. A luta pelo acesso à arte passa por diversos âmbitos, entre o público e o privado – mas é na arte das ruas que encontra sua maior expressão.
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Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
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Referências
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O modernismo brasileiro na pintura: Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Di Cavalcanti
1 Comment
Feliz Natal!
O Natal é um dia que eu gosto bastante.
Neste dia eu geralmente me reúno com a minha família e alguns amigos.
Porém, ainda estamos vivendo uma época que precisamos manter a distância.
Mesmo estando distante dos seus entes queridos e amigos, espero de verdade que seu natal seja incrível.
Um abraço.
arquitetoversatil.com