A 36ª Bienal de São Paulo foi aberta ao público no dia 6 de setembro, sob o título “Nem todo viandante anda estradas – da humanidade como prática”. Com curadoria do camaronês Bonaventure Soh Bejeng Ndikung e cocuradoria de Keyna Eleison, Alya Sebti e Thiago de Paula Souza, a mostra reúne 125 artistas de diferentes países – dentre os quais africanos e sul-americanos formam a maioria – e tem como objetivo pensar novas formas de existência humana.
Quando uma edição da Bienal é inaugurada, o restante da cidade também se prepara para reverberar arte. Isso acontece porque museus e galerias se aproveitam do fluxo intenso de visitantes durante esse período para revelar o que há de mais potente no circuito artístico. Esse movimento cria um mapa expandido da produção contemporânea brasileira, com mostras paralelas à Bienal, mas que muitas vezes apresentam os mesmos artistas, evidenciando sua relevância na cena atual.
Na Pinacoteca de São Paulo, Gê Viana e Juliana dos Santos, dois grandes destaques brasileiros da Bienal, recebem mostras individuais. Na sala de vídeo do edifício Pina Luz, a fé espiritual e a música reggae se entrelaçam no filme “Radiola de Promessa”, de Gê Viana. A obra aborda a herança cultural do estado do Maranhão a partir dos rituais de santos, da promoção de festejos e de expressões sonoras. Ao trabalhar com a ruptura de imagens coloniais, a artista, de origem Anapuru Muypurá, destaca a formação de uma memória coletiva a partir de sons, festas e devoções. A mostra tem curadoria de Ana Paula Lopes.
Já na Pina Contemporânea, Juliana dos Santos ocupa a Galeria Praça com uma instalação desenvolvida a partir de sua Residência de Ateliê, realizada entre junho e agosto deste ano. Durante esse período, o público foi convidado a semear pigmentos vegetais sobre uma grande tela, gesto que se tornou o centro da exposição. A pesquisa da artista se ancora em pigmentos naturais (fontes como a planta clitoria ternatea, a catuaba, a erva-mate, o pau-brasil, entre outros), explorando a impermanência como experiência sensível. O azul que oxida com o tempo, por exemplo, serve como metáfora para a transitoriedade da vida e da memória.
Esses trabalhos ampliam as investigações que Juliana vem desenvolvendo ao longo de sua trajetória, sempre atravessadas por questões ligadas à história da arte, à educação e às práticas de artistas negros que desafiam os limites da representação. Em cartaz até fevereiro de 2026, a mostra “Juliana dos Santos: Temporã” tem curadoria de Lorraine Mendes.
Em 2024, a Pinacoteca expôs as individuais “Gervane de Paula: como é bom viver em Mato Grosso” e “Sallisa Rosa: topografia da memória”, de artistas também presentes na 36ª Bienal. Salissa agora expõe seus trabalhos no Sesc Pompeia, em uma mostra que integra o projeto “Ofício”, relacionado às Oficinas de Criatividade da instituição. Na exposição Eixo Terra, o barro é entendido como um ativador de memórias, corpos e territórios, que cria esculturas em grande escala para dialogar (e conflitar) com a arquitetura de Lina Bo Bardi.
Ainda no Sesc Pompeia, a exposição “O Poder de Minhas Mãos” chega ao Brasil como parte da Temporada França-Brasil 2025. Com curadoria de Odile Burluraux, Suzana Sousa e Aline Albuquerque, a mostra reúne obras de 25 mulheres artistas do Brasil, da França e do continente africano, divididas em quatro eixos curatoriais. Entre elas, está a brasileira Lídia Lisboa, que apresenta trabalhos em crochê. Sua poética se dá na costura de biografias e memórias, em um gesto que é ao mesmo tempo cura e ressignificação.
A Temporada França-Brasil também ilumina pontes históricas entre os dois países. Gê Viana, artista citada anteriormente, já explorou imagens de Jean-Baptiste Debret problematizando a visualidade colonial. Ela integra a mostra coletiva no Sesc Pompeia e ocupa, ainda, o muro do Sesc Pinheiros, com o trabalho “Paridade”. Neste último, Viana reelabora identidades negras e indígenas, questionando diferentes processos de invisibilidade social.
Continuando na temática do intercâmbio cultural, o Instituto Tomie Ohtake promove a exposição “A Terra, o Fogo, a Água e os Ventos — Por um Museu da Errância com Édouard Glissant”. A brasileira Rebeca Carapiá participa com trabalhos produzidos durante sua residência artística na Ybytu, intitulados “Dois meses de permanência”. Eles tomam a palavra como ponto de partida e foco central da poética. Concebida como um museu em movimento, a mostra tem curadoria de Ana Roman e Paulo Miyada e é dedicada ao poeta, filósofo e ensaísta martinicano Édouard Glissant.
A galeria Nara Roesler, por sua vez, apresenta “Àkùko, Eiyéle e Ekodidé – Uma revoada”, mostra individual de Alberto Pitta. São exibidas 24 obras inéditas, além de outros trabalhos produzidos ao longo dos últimos anos, incluindo pinturas e serigrafias sobre tela e um carrinho de madeira. O artista é figura central no carnaval de Salvador: foi responsável pela estamparia de blocos como o Olodum e os Filhos de Gandhy, e em 1998 criou o seu próprio bloco, o Cortejo Afro. Na Bienal, é possível observar de perto a riqueza de seus tecidos.
No Sesc Guarulhos, quem ocupa o espaço expositivo é o carioca Maxwell Alexandre, com mais de 50 retratos pintados a óleo sobre papel pardo. Curada por Lucas Tolezano, a mostra apresenta personagens que caminham por espaços como museus e galerias, ambientes historicamente hostis a pessoas negras, como se estivessem desfilando em uma passarela. Essa série desenvolve a investigação de Maxwell sobre o conceito de passabilidade, articulando moda e arte contemporânea como plataformas de empoderamento. Já na Bienal, Maxwell apresenta a instalação “Galeria 2”, da série Cubo branco, na qual o artista introduz a pintura de uma moldura dourada e vazia sobre papel pardo, representando um espaço normalmente reservado a obras históricas e refletindo sobre o apagamento na história da arte.
A presença desses artistas dentro e fora do Pavilhão Ciccillo Matarazzo reafirma a vitalidade da produção artística brasileira. Em diálogo com diferentes instituições, essas exposições consolidam a efervescência do circuito contemporâneo no país.
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