De algumas décadas para cá, os museus deixaram de ser santuários dedicados a um passado intocável e lugares estratificados no tempo para se tornarem pólos de reflexão e criação de significado, sendo agentes ativos na sociedade contemporânea.
Grandes museus e instituições culturais no Brasil vêm se dedicando a construir projetos educativos que contemplem a formação de público em um sentido ampliado. Isso se dá através de ações educativas desenvolvidas para diferentes públicos, com diferentes especificidades e necessidades.
São oferecidos cursos de formação e materiais educativos pensados para professores da rede pública e privada; cursos de técnicas artísticas, cursos e seminários focados em diferentes recortes conceituais e filosóficos da História da Arte e arte contemporânea; visitas mediadas oferecidas por grupos de mediadores cada vez mais qualificados para receber o público e estabelecer pontes entre este e as obras de arte; residências artísticas; publicações de livros; bolsas de incentivo ao estudo; enfim, uma gama enorme de propostas que alinham arte e educação, prática e reflexão.
Com frequência, através dessas propostas são estabelecidos diálogos com as exposições em cartaz e o acervo destas instituições, revisitando-os a partir de um olhar atento às questões e debates contemporâneos. Vem ganhando força nos últimos anos principalmente a necessidade de revisão histórica das narrativas hegemônicas excludentes em relação aos grupos minorizados com indígenas, negros, mulheres, latinos, etc. Nesse sentido, esse movimento encontra sua motivação em tentativas de reparação histórica e elaboração de novas narrativas, dando espaço para a voz destes grupos historicamente marginalizados.
O MASP conta com o Núcleo de Mediação e Programas Públicos, projeto que abarca o MASP Escola, onde são oferecidos cursos livres e abertos a todos os interessados em artes, com ou sem formação na área. O MASP Escola conta com professores especializados nos mais diversos campos da arte e da cultura. Além de oferecer visitas mediadas às exposições temporárias e à mostra de longa duração do acervo do museu. Os cursos apresentam um amplo recorte da coleção do MASP, além de abordar também temas transdisciplinares, introduzidos a cada novo ciclo expositivo.
De acordo com o museu, o projeto MASP Escola “tem o intuito de aproximar ainda mais os frequentadores do museu e proporcionar uma experiência de aprendizado dinâmica e crítica, em que todos possam constituir seu repertório a partir de um olhar diverso e plural da arte.” Nesse sentido, desde 2016, por exemplo, são oferecidos cursos denominados de “Histórias de Arte”, pois se tratam do estudo de histórias abertas, plurais e diversas, que englobam uma multiplicidade de territórios, períodos, linguagens e discursos.
Visando uma democratização ainda maior, o MASP disponibiliza bolsas de estudos para professores da rede pública.
O Instituto Tomie Ohtake, por sua vez, atualiza todo semestre a gama de cursos oferecidos focados em práticas artísticas, teoria e diálogo, de forma presencial ou on-line. A instituição oferece bolsas de estudos integrais ou parciais para pessoas negras, indígenas, trans e em situação de vulnerabilidade. O Instituto afirma que seus cursos “se estruturam a partir do binômio freiriano ação-reflexão, compreendendo os processos educativos vinculados à arte e à cultura como potentes ferramentas para a autotransformação dos seres humanos.” A partir dessa perspectiva, a instituição defende que os cursos oferecem não apenas situações de aprendizagem e experimentação, mas também espaços de diálogo e convivência comprometidos com a formação de públicos e a transformação da sociedade.
Já o Museu da Imagem e do Som, atua no segmento da educação não formal sistematizada, desenvolvendo projetos de formação crítica para alunos, professores e público geral através de visitas mediadas, oficinas, cursos, palestras e outras ações. Entre os cursos, são oferecidos cursos práticos e teóricos nas áreas de fotografia, cinema, música, História da Arte, escrita e cultura geek, entre outras, oferecendo valores promocionais para ex-alunos e para professores da rede pública de ensino do Estado de São Paulo.
Outra importante instituição de São Paulo, a Pinacoteca, conta com o Núcleo de Ação Educativa, projeto organizado em dois eixos que abrangem programas e linhas de ação desenvolvidas para atender diferentes públicos-alvo. O primeiro deles é o Programa de atendimento ao público escolar e em geral e o segundo é o Programa educativo inclusivo.
Dentro destes, diferentes projetos se desenvolvem, como o programa de visitas educativas, onde educadores da Pinacoteca apresentam ao público propostas de leitura de imagem das obras do seu acervo ou exposições temporárias. O público também participa de ações nomeadas “propostas poéticas”, que visam tornar concretos aspectos cognitivos ou perceptivos tratados durante a visita, por meio de atividades lúdico-educativas.
O programa de Formação para Professores, promove ações presenciais e virtuais, encontros e cursos de formação para professores das redes pública e privada. Tendo como objetivo “contribuir para o desenvolvimento da autonomia de criação de projetos pedagógicos, incentivando o gosto pela frequência cultural e revelando a importância do patrimônio e da arte, como recursos potentes para gerar processos educativos no âmbito da cultura.” A Pinacoteca também disponibiliza gratuitamente para professores materiais de apoio à prática pedagógica.
Além destes, diversos outros programas de formação para diferentes públicos são propostos pela Pinacoteca. Vale a pena visitar o site da instituição e se informar mais sobre as diferentes propostas. Neste momento, por exemplo, a instituição está com as inscrições abertas para os cursos gratuitos Ensino da Arte na Educação Inclusiva e Ações multiplicadoras: o museu e a inclusão sociocultural.
Ainda em São Paulo, o MAM oferece uma programação e cursos que têm como objetivo, de acordo com a instituição, promover o diálogo e a reflexão sobre histórias das artes e temas contemporâneos. Ministrados por profissionais renomados, os cursos são pensados tanto para especialistas e pessoas já envolvidas no universo das artes, quanto iniciantes e pessoas interessadas em conhecer mais sobre este universo. São cursos teóricos e práticos nas áreas de histórias e crítica da arte, fotografia, literatura, artes visuais, entre outras. O MAM SP disponibiliza 10% de desconto em seus cursos para estudantes, professores e aposentados.
O Instituto Moreira Salles, importante instituição no cenário nacional, tem sedes em São Paulo, Poços de Caldas e Rio de Janeiro e conta com uma Área de Educação bastante atuante nas três unidades, alinhando ações para promover a fruição de exposições diversas, incluindo as mostras dos acervos do IMS. Os projetos abrangem os mais diversos públicos, de diferentes perfis e faixas etárias e procuram promover a “sensibilização, o estímulo à experiência artística e estética, o incentivo ao pensamento crítico e reflexivo sobre arte, cultura e memória, em especial sobre a imagem fotográfica”, de acordo com o IMS.
Entre estas ações estão as visitas mediadas, os ateliês de férias, os projetos continuados em parceria com escolas, e com associações e lideranças comunitárias, encontros com professores, formação interna, atividades para famílias e ações de acessibilidade. Neste momento, por exemplo, o IMS está recebendo inscrições gratuitas para o Encontro de Formação com professores, agentes da cultura e saúde, dentro do escopo da exposição XINGU: CONTATOS. A atividade tem como objetivo a reflexão crítica a partir do trabalho atual de cineastas, artistas e comunicadores de povos indígenas, em especial do Xingu; a análise de imagens e filmes produzidos por não indígenas desde o século XIX; e o desenvolvimento de proposições educativas, considerando a importância das histórias e culturas indígenas.
No Rio de Janeiro, o MAM conta com um rico núcleo de Educação e Participação, composto por diversas propostas voltadas para a inclusão e formação de diferentes públicos, contando com um setor de pesquisa e um programa de residências artísticas. Neste, são pensados projetos voltados para professores, jovens estudantes, curadores, pesquisadores, pessoas com deficiência e artistas, oferecendo, inclusive, bolsas remuneradas.
Saindo do eixo Rio-São Paulo, a Fundação Clóvis Salgado, em Belo Horizonte, conta com a Gerência de Extensão, setor que promove cursos gratuitos relacionados às áreas artísticas e culturais, ministrados por professores do Centro de Formação Artística e Tecnológica da Fundação Clóvis Salgado e profissionais convidados. De acordo com a instituição, o objetivo do projeto é formar e também atualizar os conhecimentos de estudantes e profissionais de diversas áreas: música, dança, teatro, cinema, literatura, incluindo profissionais da rede formal de ensino.
A Escola de Artes Visuais, por exemplo, oferece Cursos Básicos e de Formação Inicial que visam preparar o estudante para a compreensão histórica, social e artística dos aspectos teóricos inerentes à concepção, montagem e mediação cultural de exposições de arte.
Na região sul, em Curitiba, o Museu Oscar Niemeyer conta com um programa Educativo que, de acordo com a instituição, tem como principal missão proporcionar experiências transformadoras e de qualidade, por meio de ações educativas personalizadas e únicas que conectam as pessoas com a arte e o museu.
Além das visitas mediadas, a equipe interdisciplinar realiza oficinas, palestras e videoconferências para pessoas de diversas faixas etárias, formações e interesses nas obras de acervo e exposições em cartaz. Nestas atividades, em conjunto com os conteúdos relacionados às artes visuais, arquitetura e design, são trabalhados conceitos sobre acervo, coleção, preservação e patrimônio cultural, entre outros.
Em Porto Alegre, a Fundação Iberê possui um programa Educativo que conta com três eixos de atuação: mediação, formação e ações educativas expandidas, todas gratuitas. O programa foi pensado como um dispositivo de aprendizagem voltado a artistas, curadores, educadores e pesquisadores das diferentes áreas, acadêmicas ou não, cujo intuito é debater e inventar novas formas de produção de conhecimento, tendo como eixos transversais as ciências sociais, as metodologias artísticas e o pensamento crítico-imaginativo.
Na região nordeste, uma das principais instituições é o MAM Bahia, localizado em Salvador. O museu desenvolve um projeto Educativo que conta com a disponibilização de visitas mediadas por profissionais qualificados, residências artísticas, oficinas e cursos voltados para a inclusão e ampliação de conhecimentos técnicos e conceituais presentes no campo da arte.
Muitas destas instituições também têm investido nas possibilidades de ampliação do debate através das ferramentas digitais, seja disponibilizando alguns de seus cursos de forma online, seja compartilhando gravações de suas palestras e seminários no Youtube, ou mesmo textos e materiais educativos de excelente qualidade para download em seus sites, como a exposição “Marc Chagall: sonho de amor” no CCBB-SP.
De maneira geral, o que o investimento em práticas educativas proporciona é a formação de um público com repertório técnico, histórico, conceitual e autonomia para a fruição da arte. Ao investir na formação de um público interessado e qualificado, as instituições constroem as bases para a manutenção de seu próprio futuro, na medida em que fortalecem sua importância na sociedade, não apenas como espaços de lazer, mas de construção de conhecimento.
Luísa Prestes, formada em artes visuais pela UFRGS, é artista, pesquisadora e arte-educadora. Participou de residências, ações, performances e exposições no Brasil e no exterior.
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