O campo da fotografia na arte é amplo e diverso, com produções que podem contemplar diferentes gostos e interesses. Muitas pessoas que conhecem esse cenário hoje podem não imaginar que, por muito tempo, a fotografia não era considerada uma linguagem artística. Foram décadas de pesquisas e experimentações com as técnicas fotográficas até a linguagem adentrar as instituições culturais e o mercado de arte.
Dentro de uma grande diversidade de produções, existem diversas maneiras de se ler, interpretar e discutir um exemplar. A seguir, estão alguns estilos consagrados na fotografia com suas principais características, ilustrados por referências nacionais. Trabalhos destes artistas estão reunidos na seleção Fotografia: essenciais.
O abstracionismo na fotografia pode ocorrer através de muitos processos diferentes, como a ampliação de um objeto, fazendo com que ele perca sua identificação, ou mesmo no trabalho de edição. Todavia, em comum, essas experimentações partem diretamente de um lugar que contesta o caráter representativo de uma imagem. Sem referenciais figurativos, a fotografia abstrata abre uma gama de possibilidades de composição, indo na contramão da ideia de que a fotografia representa uma verdade.
A produção de Fernanda Naman, por exemplo, pensa nas possibilidades da fotografia enquanto uma técnica experimental. Suas obras utilizam a distorção e a incorporação de outros materiais dentro do universo fotográfico, como a folha de ouro, alcançando resultados como vemos na obra acima.
As primeiras produções mais experimentais na fotografia brasileira ocorreram nos fotoclubes no início do século passado. Esse foi um longo período de afirmação, no qual os apaixonados pela fotografia trouxeram reconhecimento para uma linguagem que por muito tempo não foi considerada artística. Nesse contexto, a arquitetura e a geometria foram inspirações para que muitos fotógrafos produzissem trabalhos abstratos, uma corrente forte até hoje, como vemos na obra de Cristiano Mascaro abaixo.
A técnica de light painting é um bom exemplo de como as linguagens se cruzam na contemporaneidade. Entre o desenho, a pintura e a fotografia, a técnica utiliza os rastros de luz em fotografias de longa exposição no processo de composição das imagens.
Apesar de não ser uma técnica nova, a light painting tem se popularizado nos últimos anos, com obras que exploram a escrita com a luz ou a iluminação de ambientes noturnos, por exemplo. Um dos pontos interessantes de se notar é como novas tecnologias de geração de luz proporcionam imagens cada vez mais vibrantes, como ocorre na produção de Renan Cepeda.
As paisagens noturnas de Cepeda ganham vida com luzes neon, e suas fotografias adquirem um aspecto psicodélico. O fotógrafo carioca utiliza a light painting para garantir protagonismo de elementos centrais através da luz, escolhendo, muitas vezes, casas do interior ou mesmo uma igreja, como na obra acima.
A figura humana possui um protagonismo desde o surgimento dos processos fotográficos, possivelmente como uma herança da pintura. Os retratos cumprem funções distintas, geralmente relacionados a um status social, e podem ser produzidos de forma mais espontânea ou planejada.
A fotografia encenada é geralmente atrelada a uma performance na qual um personagem desempenha papel central na composição da obra. A poética de Adriana Duque, por exemplo, é dedicada à criação de um imaginário em torno da figura da criança. Em fotografias posadas, as crianças são representadas como pessoas nobres, através de cânones que a artista empresta de pinturas clássicas. Os trabalhos finais geralmente possuem um aspecto que brinca com os limites entre uma pintura e uma fotografia, assim como suas finalidades.
Outra abordagem da fotografia encenada é o pensamento do espaço. Flávia Junqueira, por exemplo, tem sido uma referência na criação de espaços fantásticos – no sentido da fantasia enquanto um campo da imaginação e do inesperado.
A artista possui uma extensa investigação sobre a infância, utilizando objetos relacionados a esse universo para produzir com diversas técnicas, especialmente a fotografia. Suas séries mais conhecidas são baseadas em balões coloridos que ocupam arquiteturas imponentes e históricas, como teatros e bibliotecas. O trabalho de Junqueira é extremamente calculado, desde o enquadramento ao posicionamento de cada elemento na imagem, um ótimo exemplo do rigor técnico de muitas produções fotográficas.
Quanto mais os fotógrafos exploram novas composições fotográficas com objetos, mais abre-se espaço para o fantástico. Um exemplo é a série Casa & Jardim de Rochelle Costi, na qual a artista cria cenas a partir da inserção de objetos em uma pequena casa de madeira. Além de dialogar com a escultura e o pensamento do espaço, a artista manipula os objetos para brincar com as dimensões ao inserir um coração “gigante” em uma casinha, por exemplo.
As fotografias em estúdio também permitem a realização de projetos extremamente ricos em detalhes, cruzando, muitas vezes, outros campos criativos como a moda e o design. A produção de Gabriel Wickbold é, por exemplo, em grande parte focada em uma figura humana atravessada por objetos, texturas, animais e qualquer outro tipo de elemento que agregue na imagem. O resultado dessas combinações é a criação de trabalhos com grande apelo estético, reforçando um caráter digital através de edições.
Fotografia experimental
É possível afirmar que a fotografia é um campo aberto a constantes experimentações. Muitos artistas utilizaram a técnica para investigar a construção de narrativas e borrar as definições de realidade e ficção. Algumas séries de Mario Ramiro, por exemplo, contam pequenas histórias através de sequências protagonizadas pelo próprio artista. Ainda que as imagens sejam objetivas na gestualidade de Ramiro, as interpretações não se limitam a uma única narrativa.
Já a artista Celina Portella tem desenvolvido um trabalho que explora os limites que geralmente separam tema e matéria. Em fotografias performáticas, a artista realiza edições e cria uma relação direta entre seu ato e um efeito sobre a obra, como em Corte 3, em que ela corta a própria imagem em um jogo metalinguístico.
O cotidiano pode ser tratado na fotografia de formas diretas, atuando até mesmo como uma denúncia de determinada realidade, ou trazer um novo olhar – movimentos que podem coexistir. A fotografia de Keila Sankofa exemplifica esse encontro da representação de uma realidade através de uma poética mais aberta. Com artifícios que parecem simples, como o planejamento do enquadramento, a rotação da imagem e a inserção de um gesto no canto da fotografia, a artista remodela uma realidade na qual está inserida. Esse tipo de trabalho lembra de forma sutil como o olhar do artista sempre está presente e atuante na construção de uma narrativa, e a ideia neutralidade não é possível nesse processo.
O encontro desses diferentes estilos demonstra que o campo da fotografia é uma fonte inesgotável de pesquisa. O surgimento de técnicas e o estabelecimento de novas maneiras de construir uma imagem, entre outros aspectos, denotam o caráter abrangente que a fotografia possui, e atestam sua longevidade como campo criativo.
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
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