O desenvolvimento da fotografia e suas propriedades técnicas foi por muito tempo – e ainda é – associado a uma captação de fenômenos do mundo de modo neutro, como uma materialização da verdade. A ideia de que a fotografia é capaz de apresentar visões neutras e diretas do mundo é questionada quando percebemos que toda imagem fotográfica é construída a partir de definições básicas como, por exemplo, a escolha de ângulos, expressões, entre outros elementos. Neste sentido, percebemos que determinados gêneros fotográficos jogam mais com esses artifícios no momento de se projetar uma ideia através desta técnica em especial.
A fotografia encenada, também conhecida como fotografia posada ou ensaiada, é um dos gêneros fotográficos mais antigos. Oposta à fotografia instantaneísta, que busca capturar momentos imprevistos e o acaso, a fotografia encenada se caracteriza pela construção de imagens extremamente planejadas.
Os primeiros anos de experimentos fotográficos já demonstraram como a performance estaria presente nesta linguagem quando, em 1840, Hipollyte Bayard, um dos pioneiros da técnica, simulou seu próprio afogamento e produziu o primeiro autorretrato fotográfico que se tem notícia.
O pesquisador Michel Poivert, especializado em fotografia pictórica, levantou considerações essenciais a respeito da fotografia encenada no texto Notas sobre a imagem encenada, paradigma reprovado da história da fotografia?, no qual busca localizar a inserção e importância deste estilo na história da arte. Ao longo do texto Poivert relaciona fotografia, arte e teatro através do conceito tableau vivant, termo francês designado a um tipo de ato pelo qual determinadas composições visuais eram montadas com atores, que geralmente estavam reconstruindo uma pintura com seus corpos. Nas palavras do autor encontramos uma síntese inicial desta relação entre linguagens:
“Estética da imobilidade, do silêncio e do ‘enquadramento’, mas igualmente da ‘reprodução’, um tableau vivant já é uma fotografia. A partir de então, não surpreende que a fotografia forme um casal quase incestuoso com o tableau vivant desde sua invenção nos anos 1830”.
Uma das fotografias mais ousadas e importantes do século XIX, projetada pelo sueco Oscar Gustav Rejlander, já demonstrava possibilidades de projetos fotográficos ambiciosos. Produzida em 1857, Two Ways of Life é uma imagem construída a partir de 30 negativos, pelos quais Rejlander fotografou cada ator separadamente. O trabalho gerou grande repercussão quando exposto em Manchester no mesmo ano de sua produção, sendo adquirido pela rainha inglesa neste evento. Nesta obra emblemática a teatralidade é vital no processo de incorporação da narrativa proposta.
Um dos maiores referenciais para a fotografia posada é a pintura de retratos, estilo extremamente popular e icônico na história da arte. A artista contemporânea Adriana Duque explora os limites do retrato entre mídias, ressignificando composições tradicionais e subvertendo os elementos presentes nestas composições. Em seus trabalhos lembramos que a teatralidade do corpo – seja na fotografia ou pintura – nem sempre é dramática e explícita, mas também se configura pelas definições mínimas de posicionamentos, ângulos, expressões.
Este gênero fotográfico é constantemente renovado e ganha novas abordagens na arte contemporânea. Sua versatilidade é vista de modo claro através das áreas nas quais a fotografia encenada transita e se apropria, como a moda, por exemplo.
Obras como as de Rejlander e Adriana Duque, construídas a partir da performance de atores e atrizes, ou pessoas comuns, explicitam a relação da fotografia encenada com a teatralidade. Contudo, existem outras abordagens neste mesmo gênero que vão além da utilização de figuras humanas em uma cena montada para uma fotografia.
A pesquisa de Flávia Junqueira, artista visual paulistana com extensa produção fotográfica, explora questões acerca da infância e suas iconografias. Suas imagens produzidas em espaços públicos emblemáticos, como teatros e pontos turísticos, são compostas por objetos relacionados ao universo infantil e, em sua maioria, não contam com a presença humana. Junqueira nos mostra possibilidades de encenação e presença dos objetos na fotografia, inclusive por noções como a ausência.
A fotografia encenada, justamente por ser descompromissada com a ideia de retratar instantes e momentos espontâneos, abre importantes discussões sobre o real e fictício na arte. Todavia, existem trabalhos que jogam com a construção de uma cena minuciosamente planejada com a finalidade de simular um momento espontâneo. Assim se estrutura o trabalho de Jeff Wall, por exemplo.
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
Referências
MORAIS, I. F.; REIS FILHO, O. G. . A Encenação na Fotografia – montando cenas e contando histórias.
POIVERT, M. Notas sobre a imagem encenada, paradigma reprovado da história da fotografia?
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