O artista e designer gráfico franco-hungaro Victor Vasarely, teve uma grande influência no mundo da arte nas décadas de 60 e 70, sendo considerado o pai do movimento Op Art.
A abstração das suas obras brinca com o olhar de quem observa, tirando os espectadores de uma posição passiva e tornando-os uma parte crucial do trabalho. A observação da obra embaralha as formas e cores criando a ilusão de movimento, o que dá à Op Art sua característica mais marcante.
Victor Vasarely nasceu em Pécs, Hungria, no dia 9 de abril de 1906. Começou a vida acadêmica pela Universidade de Budapeste na área de medicina, onde permaneceu por dois anos antes de decidir migrar para os estudos artísticos. Estudou na academia de pintura tradicional Podolini-Volkmann por dois anos, posteriormente entrando em Mühely.
A escola de arte Mühely foi fundada por Sándor Bortnyik, um pintor e designer gráfico que buscava reproduzir os métodos de ensino e os mesmos ideais da escola alemã Bauhaus. Seguia a ideia de simplificar o design, utilizá-lo para melhorar a vida das pessoas e mantê-lo minimalista, com o objetivo de que a forma seguisse a função. Esses estudos tiveram grande influência em Vasarely e em seu amadurecimento artístico.
Esse estudo tem uma simplicidade, a forma como os retângulos são posicionados, e o uso das cores provenientes da escala de cinza, trazem o foco para o centro da imagem. Pode ser visto como um estudo de luz e sombra. A obra cria a ilusão de tridimensionalidade pela sobreposição geométrica e os tons em escala de cinza criam contraste de luz entre um nível e outro.
Em “Etudes Bauhaus C” (1929), a busca pela tridimensionalidade permanece, mas com cores mais vibrantes e sem o contraste de luz. O ponto focal preto e o posicionamento das formas retangulares, constroem várias camadas e atribuem uma profundidade mais acentuada em relação à obra anterior.
A partir de 1930, Vasarely foi para Paris onde trabalhou principalmente como designer gráfico por quase duas décadas e paralelamente desenvolvendo projetos pessoais e artísticos.
Em um dos trabalhos como designer gráfico ele fez o redesign do logo de uma loja de vestuário francesa, a Mitin. O quadriculado apresenta uma ondulação nas bordas, o que sugere um efeito parecido com tecido sobreposto ao símbolo da marca.
Esse efeito foi obtido ao deformar o fundo padronizado, aliando linhas brancas ao reflexo de luz. Ao distorcer a área, o resultado é uma figura que emerge e direciona para o emblema.
Também foi nessa época que o artista criou uma de suas peças mais icônicas, “Zèbres” (1937). Apesar de a Op Art ter iniciado em meados dos anos 60 enquanto um movimento, essa obra é considerada parte da proposta.
Vasarely fez vários estudos durante sua carreira, as zebras por suas cores monocromáticas foram escolhidas como motivo. Utilizando apenas valores positivos e negativos, deformou as linhas e abstraiu a imagem dos animais, porém, não ao ponto de que se tornem irreconhecíveis.
Não há um delineado que defina o limite entre as zebras e o plano de fundo, a única coisa que as separa é a intercalação das linhas em preto e branco. Os corpos se difundem com o tom do fundo preto, a ondulação das linhas brancas é o principal definidor de suas formas individuais.
Após o término da Segunda Guerra Mundial, Vasarely decidiu se dedicar à arte em tempo integral. Participou de eventos e exposições importantes, entre elas uma exposição no Salon de Surindependants (1945-46), e no Salon de Réalités Nouvelles (1947), mas foi um período no qual ele considerava o desenvolvimento do seu trabalho como “falsos caminhos”.
Criou vários retratos, paisagens e pinturas voltadas para uma representação simples da vida, entretanto ainda buscava um estilo que fosse único, que tornasse seus trabalhos ímpares.
Suas inspirações inicialmente surgiram da observação dos ritmos da natureza. Algumas das primeiras obras desse período foram recortes de fotos tiradas de amostras observadas no microscópio. Explorando uma abstração que ao invés de se afastar da realidade, era intimamente atrelada a ela.
Na busca por um estilo artístico próprio, Vasarely começou seguindo um viés científico, criando colagens com os padrões fractais e os recortes das fotos que obteve. Os formatos naturais que se formaram sob a lente trouxeram uma realidade microscópica, naturalmente abstrata.
Eventualmente criou sua primeira coleção chamada Belle Isle, que se baseava nas paisagens que encontrou em sua viagem à ilha homônima na costa britânica. Vários de seus trabalhos nesse período são baseados no formato dos seixos que encontrou pelas praias, concebendo assim suas primeiras obras abstratas.
“Os seixos, as conchas na praia, os redemoinhos e a névoa pairando, a luz do sol, o céu … Nas pedras, nas peças de garrafas de vidro quebradas, polidas pelo ritmo das ondas, nelas eu certamente serei capaz de reconhecer a geometria interna da natureza”, escreve o artista.
Uma das peças mais conhecidas desse período tem uma possível interpretação do pôr do sol sobre o mar, de forma simplificada. O tom de azul representa as águas marítimas como o nome sugere, já as formas em tons de preto lembram as pequenas pedras achatadas que são comumente encontradas nas praias da ilha.
Outro período importante em suas experimentações e na busca por uma voz única no meio da arte foi a coleção “Gourdes”, onde explorou os efeitos de placas de vidro e lentes de aumento e do sol. As formas que eram criadas, se sobrepondo umas às outras e criando padrões despertaram seu interesse.
Um exemplo da época experimental é a pintura “Ruhr” (1950), na qual vários formatos retangulares surgem conforme a luz se reflete nas placas de vidro. Apresentando algumas variações de tons azuis ao fundo, podemos associar à reflexão da luz solar. As formas se mesclam, tornando impossível distinguir a representação de forma clara.
Ainda nessa época, sob as influências das obras de Kazimir Malevich, Vasarely estava começando a descobrir seu estilo artístico. Se afastando cada vez mais de representações e caminhando em direção a uma arte abstrata composta apenas por formas geométricas. Quando criou a obra, “Hommage à Malevitch” (1961), estava prestes a encontrar o ápice da Op Art.
Ao simplificar sua abordagem completamente em relação às peças anteriores, essa obra é uma homenagem ao artista Kazimir Malevich. Partindo do icônico “Black Square” (1915) de Malevich, conseguiu criar uma peça evocando uma estética parecida com a que os Études Bauhaus representavam.
Dessa vez de forma mais madura. A partir da ideia de movimento e transição do quadrado para o losango, compõe profundidade e movimento por meio das formas, da inclinação e dos tons de cinza.
No momento em que a obra de Vasarely começou a tomar a forma que conhecemos, em meados da década de 50, ainda trabalhando nos tons monocromáticos, o artista começou uma de suas coleções mais icônicas.
O título da obra, Vega, provém de uma estrela, ao passo que esta obra, de 1956, sugere o pulsar das estrelas, a influência e distorção que sua presença causa no espaço ao seu redor. Todas as representações são estados de um corpo celeste.
Esse é um dos primeiros trabalhos do artista que tem uma impressão forte de movimento e vertigem apenas pela observação. Nota-se que ele utiliza a mesma técnica de distorção de um padrão quadriculado assim como fez na propaganda da marca Mitin (1937), sendo esta nova proposta mais elegante e sutil que a anterior.
Em seguida, cria uma série de variações a partir deste mesmo princípio óptico da distorção, do movimento e da tridimensionalidade. O artista vai além das pinturas e serigrafias e projeta também instalações.
Ao fim dos anos 1960, ele trouxe a cor de volta para os trabalhos, criando o Alphabet VR que viria a se tornar parte de várias das suas propostas.
A proposta do artista era criar um Alfabeto visual, cada parte do alfabeto seria composto por uma unidade plástica, uma forma geométrica de uma cor específica contrastando com um quadrado de uma cor diferente.
Vasarely esperava que esse novo alfabeto pudesse se tornar algo globalmente aceito e utilizado, ele o apelidou de “Folclore planetário”. Apesar de não atingir as proporções que ele esperava, esse alfabeto foi indispensável para algumas de suas obras, de painéis à instalações.
Vívidas e coloridas, muda as cores e padrões e cria as mais variadas peças, testando esse alfabeto em madeira, cerâmica e plástico.
Eventualmente, Vasarely notou que as obras criadas com o Alfabeto Plástico remetiam à tecnologia cibernética, considerando que estes trabalhos podiam ser criados por computadores.
A busca por sua linguagem artística o levou dos padrões da natureza até os padrões artificiais, passando por diferentes ciclos, experimentos e perspectivas até solidificar seu estilo na arte moderna.
Victor Vasarely fez o redesign do logo da Renault em 1970, também utilizou o alfabeto plástico para criar o design da capa do disco “Space Oddity” (1969) de David Bowie.
Contribuiu com diversos painéis e decorações, para locais como Deutsche Bundesbank, em Frankfurt e foi o responsável pelo logo das olimpíadas de 1972.
Fez parte de exposições como The Responsive Eye (1965), inspirou o Groupe de Recherche d’Art Visuel a criar exposições de arte interativas. O artista também criou um museu para suas artes em 1966 dedicado às suas obras e sua trajetória, chamado Foundation Vasarely, em Provença, na França.
Vasarely apoiava a democratização da arte, portanto incentivava a circulação massiva do seu trabalho; não era incomum encontrar os padrões que havia criado em impressões e aplicações em itens como jogos de chá, vestimentas, e decorações.
Essa acessibilidade, somada às suas contribuições para obras arquitetônicas, disseminaram seu nome, sua popularidade e sua arte. Permitiram que uma quantidade maior de espectadores fossem capazes de apreciar e obter uma obra de sua autoria e tornando seu estilo uma referência dos anos 60.
Hakai S. Ghilardi é graduado em Design Gráfico e pesquisador independente de História da Arte.
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1 Comment
Maravilhosa essa reportagem sobre op art, particularmente sobre Vasarely. Coincidiu com meu trabalho a ser feito junto ao curso A Arte e Suas Influências. Obrigada