Em uma cerimônia que durou 6 minutos, a obra “Morons” do artista Banksy foi queimada em transmissão ao vivo após ser transformada em NFT. Como toda obra de arte, é esperado que seja manuseada com luvas, luzes especiais, vidros, molduras e todas as diretrizes de conservação impostas pelas instituições de arte. É natural, então, que a queima ao vivo tenha repercutido de forma alarmante entre o público.
A cerimônia, assim chamada pelo grupo responsável, teve uma motivação direta: incentivar a produção de arte digital como uma nova forma de expressão. Pensando nisso, a peça original foi convertida em NFT, porém, enquanto a obra física existir, a versão digital não pode ter autenticidade superior. Em razão de transferir o caráter legítimo e único à peça digital, a obra física foi destruída.
O NFT criado foi vendido por 228,69 ETH (ethereum), o que equivale a 390 mil dólares. Essa foi a primeira vez que uma obra física foi substituída por um bem digital.
A obra em questão tem o nome de “Morons” (2006) e é uma das inúmeras sátiras de Banksy direcionada aos leilões de arte. A serigrafia mostra uma cena típica de leilão: um grupo seleto de compradores ou seus representantes assiste e negocia a compra de obras expostas com mediação de um apresentador da casa de leilão.
Uma das obras expostas e prestes a ser vendida é uma tela com moldura adornada onde se lê “I can’t believe you morons actually buy this shit” (em tradução ao português, “eu não acredito que vocês idiotas realmente compram essa merda”). A ironia presente no trabalho da Banksy foi acompanhada da ironia na repercussão da obra: além de ser comprada, foi transformada em NFT e vendida por um valor ainda mais alto.
Conhecido por sua identidade não revelada e obras com ácidas críticas ao sistema capitalista e ao mercado de arte, Banksy é um dos maiores artistas contemporâneos.
A técnica do estêncil é sua marca registrada. Ao quase ser pego por policiais no momento que grafitava um muro no início de sua carreira, buscou novas formas mais ágeis de grafitar e encontrou no estêncil o suporte ideal já que as placas são feitas com antecedência e apenas colocadas na hora da pintura para moldar a aplicação do spray.
Suas pinturas foram ganhando cada vez mais repercussão e passaram a ser cotadas em altos preços em galerias e leilões de arte contemporânea.
O envolvimento da tecnologia de NFT com o universo das artes plásticas é recente e reflete uma tendência dos últimos anos de expandir os suportes da produção artística para o ambiente virtual.
Como uma forma de tornar um arquivo único e não reprodutível, o NFT garante ao dono a autenticidade sobre aquele trabalho e legitima ao proprietário os direitos sobre aquele token.
O ponto principal do NFT é a ideia de escassez. Uma vez que qualquer NFT é criado, não há possibilidade de existir qualquer um igual. A sigla já traduz o conceito: um NFT é um non-fungible token, ou seja, um token não fungível. O termo fungível é direcionado a bens que não são reprodutíveis por não existir algo equivalente ao original. Um exemplo simples seria uma tela de um artista renascentista: a obra original é uma só, as diversas reproduções daquela tela em fotografias, capas de caderno, chaveiros e souvenirs, são apenas cópias.
Obras digitais em NFT funcionam da mesma forma: mesmo que imagens de um trabalho artístico digital circulem na internet, o original vai ser apenas um e pertence ao proprietário do NFT.
A verificação é feita por uma outra tecnologia tangente chamada blockchain. Esse sistema, grosso modo, é uma espécie de cadeia de registros de posse de determinado NFT. É uma grande rede que acompanha as transações feitas e registra o caminho percorrido por estes arquivos funcionando de forma semelhante a um livro-razão.
O mundo da arte incorpora estes suportes como novas formas de produção. O avanço da tecnologia é tão intenso que torna obsoletos todos os sistemas que se recusam a interagir com essa nova dinâmica, ao mesmo tempo que há uma demanda dos consumidores por esse tipo de adaptação.
Ainda como um território a ser explorado, a NFT art é uma ferramenta potente que pode revolucionar o circuito artístico ao ponto de elevar o nível de nossa interação com a arte.
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Victoria Louise é redatora da ArtSoul formada pela PUC-SP em Arte: História, Crítica e Curadoria e Gestão Cultural
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