Concebido pelos colecionadores Paula e Sílvio Frota, o primeiro Museu da Fotografia do Brasil
Para Roland Barthes, a linguagem fotográfica se situa em uma espécie de paradoxo: “o que a fotografia reproduz ao infinito só ocorreu uma vez: ele repete mecanicamente o que nunca poderá repetir-se existencialmente”. A captura do instante, o processo químico de “desenhar com a luz”, a relação com a técnica e com o olhar, tem sido objeto de fascínio, desde a criação das primeiras câmeras escuras, no século XIX.
Voltado integralmente à esta linguagem e às indagações deste campo, o Museu da Fotografia de Fortaleza (MFF), apresenta uma expressiva coleção, composta por mais de 2.500 obras. Um acervo que contempla a produção de fotógrafos de destaque, no Brasil e no mundo, tais como: Robert Capa, Man Ray, Robert Doisneau, Henri Cartier-Bresson, Dorothea Lange, Steve McCurry, Sebastião Salgado, Pierre Verger, Cláudia Andujar. As exposições do museu, também transitam por temas como o imaginário sobre as cidades, os conflitos mundiais, a religiosidade afro-brasileira, signos e identidades da região nordeste.
Inaugurada em 2017, e concebida pelos colecionadores Paula e Sílvio Frota, a instituição abriga extensa coleção particular formada pelo casal de empresários, desde meados dos anos 1980. Em entrevista concedida para a plataforma Artsoul, Sílvio Frota, colecionador particular e criador do Museu de Fotografia de Fortaleza, esclarece o percurso de formação deste acervo e aborda as principais ações desenvolvidas pela instituição atualmente.
Fotografias de Man Ray, Dorothea Lange e H. Cartier-Bresson, que compõem o acervo do MFF. “A menina afegã”, de Steve McCurry, exibida na exposição permanente do Museu da Fotografia de Fortaleza
Como surge, em sua trajetória, o interesse pela linguagem fotográfica e qual foi o percurso de formação desta coleção diversa e representativa, composta por mais de 2.500 obras de fotógrafos como Sebastião Salgado, Martín Chambi, Robert Capa, Man Ray, Henri Cartier-Bresson, Dorothea Lange?
Na realidade, sou colecionador de pintura desde os anos 80 e a fotografia surgiu por um acaso. Estava em Houston, no Texas, quando soube de uma exposição doSteve McCurry. Eu fui pra exposição e, chegando lá, vi a “Garota Afegã”, junto com outras fotos, me apaixonei e comprei esse conjunto. Quando cheguei no hotel, passei a me questionar por que nunca tinha despertado para a fotografia, principalmente considerando que tenho um filho fotógrafo.
Um mês depois fui para Nova York já olhando, dentro dos museus, para a parte de fotografia. Em seguida, comecei a ir a leilões, a frequentar galerias, e também a estudar essa linguagem. Depois que eu comecei a estudar, a coisa foi muito rápida, a paixão veio naturalmente, passei a conhecer mais e nós começamos a comprar em uma velocidade muito grande – com medo de que a foto fosse subir muito de preço – o que realmente se mostrou uma decisão correta.
Como tem origem a iniciativa de tornar este acervo público, com a criação do Museu de Fotografia de Fortaleza, e quais são as principais linhas de ação da instituição atualmente?
A coleção começou a crescer muito e a gente já não achava justo ter um acervo importante, e as pessoas não terem acesso a ele. A princípio, pensamos em fazer um espaço, não um museu. O museu vem como consequência do entusiasmo com essa ideia. Logo que nós inauguramos o museu, já começamos com o setor educacional funcionando, com muita força. Eu acho que é a parte principal do museu.
Hoje para você ter uma ideia, dois anos e meio depois, nós temos 21 educadores e atendemos uma quantidade absurda de crianças. Atualmente, estamos dentro da grade curricular de escolas públicas, escolas bastante carentes. Foram atendidas, em 2018, 48 mil crianças. Nós levamos o museu para dentro de comunidades carentes e também levamos 40 mil crianças para o museu, garantindo transporte, lanche e a monitoria.
O museu é uma âncora, mas nosso foco principal é atuar como um equipamento educacional. Nós temos educadores trabalhando dentro de hospitais, atendendo pessoas com síndrome de down, com autismo, cegos. Semanalmente recebemos crianças de 1 a 4 anos. Atendemos dentro de unidades correcionais, orfanatos, asilos de idosos. Então é um trabalho muito amplo, muito vasto. Inclusive, as ações do museu também se estendem para cidades do interior do Ceará.
O Museu de Fotografia tem sido reconhecido como espaço cultural de referência para a cidade de Fortaleza. Como descreveria essa relação do Museu com o espaço urbano e com seus públicos?
A nossa relação com a cidade é muito forte, principalmente porque além das exposições, semanalmente, também realizamos palestras – com pessoas tanto do brasil, quanto do exterior – promovemos work-shops. Aos domingos, pela manhã, temos cinema de arte. Tudo isso gratuito, financiado com recursos próprios e a partir de parcerias. Um quinto do que necessitamos para a manutenção do museu, nós temos através de parcerias com empresas que nos ajudam. A relação com a cidade de Fortaleza é muito intensa, até porque atraímos de 3 a 4 mil pessoas ao museu, por mês. Um público muito expressivo para o estado do Ceará.
Como comentaria a relevância do Museu enquanto espaço de formação e de fomento à produção fotográfica em nosso país?
O que nós fazemos é justamente isso. Esta parte educacional do museu é completamente ligada à fotografia, às bases da linguagem. Nós ensinamos tudo isso dentro de escolas públicas. Ao mesmo tempo, fazemos work-shops, palestras e trazemos ao museu, de três em três meses, exposições importantes, do Brasil e do exterior.
Agora, por exemplo, estamos com exposições dedicadas à obra de Martin Chambi e dos Irmãos Vargas, que foram os três maiores fotógrafos do Perú. Isso estamos falando dos anos 1920. Estas duas exposições estiveram na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Nós adquirimos estes conjuntos para a coleção permanente, disponibilizando eles ao público. Convidamos Diógenes Moura para fazer a curadoria aqui no Museu da Fotografia, porque ele, na época, era o curador na Pinacoteca, tendo realizado as duas exposições em São Paulo e, agora ,em Fortaleza.
Entre as exposições e aquisições recentes da coleção, quais destacaria?
Nós temos uma coleção muito vasta: Cartier-Bresson, Sebastião Salgado, Cindy Sherman, Man Ray, Dorothea Lange. É uma coleção tão vasta que é muito difícil destacar alguém. Nós temos mais de 200 fotógrafos neste acervo. Então tudo que você imaginar de importante no mundo, está representado, nós temos algo.
Esse é o diferencial do museu, é uma coleção muito abrangente. Nós temos Sugimoto, Mario Cravo, são tantos os autores, que não é possível lembrar, ou mencionar todos. Também temos muitas obras de fotógrafos contemporâneos. É uma coleção muito diversificada: inclui desde fotografias do século XIX, até instalações contemporâneas.
Saiba mais sobre o Museu da Fotografia de Fortaleza…
Percorrendo momentos fundamentais da história da fotografia brasileira e internacional, o acervo do MFF consiste em um dos mais relevantes do gênero, no país. Exibe desde experiências inaugurais – como as de Martin Chambi, Irmãos Vargas e Marc Ferrez, nos anos 1920 – até obras representativas da linguagem fotográfica contemporânea como as de Luiz Braga, Miguel Rio Branco e Cindy Sherman.
O edifício do museu ocupa cerca de 2.000 m2 de área construída, no bairro de Varjota. Suas instalações, contam com espaços de exposição, permanentes e temporários, salas destinadas à oficinas, eventos, palestras, uma biblioteca e reserva técnica. Para além da diversidade de seu acervo, também se destaca por iniciativas educativas de formação e sensibilização do olhar. Ações que prolongam os lugares habituais de atuação dos museus de arte, construindo uma relação estreita com a cidade de Fortaleza e seus públicos. Através de iniciativas como o “Museu na comunidade”, com o desenvolvimento de projetos em escolas públicas e nas mais diversas instituições sociais da região, o MFF afirma seu papel cultural e educativo na promoção da fotografia contemporânea.
Anna Luísa Veliago Costa é Mestre pelo Programa de Pós-graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo, é graduada em História pela mesma universidade, com intercâmbio acadêmico na Universidade Sorbonne-Paris IV.
Gostou desse texto ? Leia Também :