A mais importante feira de arte da América Latina chega a sua 19a edição ocupando o tradicional Pavilhão da Bienal, projetado por Oscar Niemeyer no Parque do Ibirapuera. Neste ano, a SP-Arte retoma definitivamente a programação presencial com a participação de mais de 150 galerias, estúdios de design, editoras, projetos independentes e instituições.
A curadora Carollina Lauriano foi convidada pela organização da SP-Arte para estrear o programa Showcase, a nova iniciativa curatorial da feira. Sob o título “Recuperar paraísos: não precisar do fim para chegar”, a curadoria é diluída em vários estandes da feira e amarra trabalhos de artistas com diferentes origens, preocupações e abordagens. Nomes como Claudia Andujar, Jaime Lauriano, Rosana Paulino, Panmela Castro, Rubem Valetim e Emanoel Araújo compõem a linha traçada por Lauriano. Um dos motes curatoriais é questionar “a separação entre os movimentos sociais antirracistas e as discussões ambientais e ecológicas – um falso antagonismo legado pela modernidade colonial”, segundo a divulgação do novo programa .
Sendo a SP-Arte um dos momentos de maior visibilidade e circulação no calendário anual do circuito das artes, o evento se mostra também um espaço propício a discussões caras a todos os agentes desse meio. Um dos momentos mais comentados desde a abertura da feira nesse ano foi a intervenção do artista Negro M.I.A na parede externa de um estande. Ao lado da inscrição NEGRO – sua marca -, o artista questionou “Cadê a arte preta?”. Ainda que a arte produzida por pessoas negras tenha crescido em visibilidade e comercialização no mercado internacional, o público consumidor e os agentes do mercado ainda são massivamente brancos. O questionamento de M.I.A demonstra que os passos do mercado quanto aos seus agentes racializados ainda são lentos e ainda há muito o que se fazer para que a ideia de equidade esteja próxima de uma realidade.
Um dos pontos marcantes neste ano é o crescimento de 30% do setor de design, que agora reúne 44 expositores no andar térreo do pavilhão. São diversas as vertentes dentro desse setor que contempla mobiliários, tapeçarias, esculturas, entre outros tipos de objetos.
A tapeçaria e seus diversos modos de produção estão ainda mais presentes no setor de design. Essa linguagem vem sendo resgatada no circuito através de uma nova geração de artistas, artesãos e designers que utilizam técnicas tradicionais como o tear, por exemplo. Além disso, a tapeçaria vem ganhando novos adeptos com o surgimento de técnicas como o tufting, uma pistola que permite um processo mais livre e orgânico.
Entre tradições e inovações, a tapeçaria representa também a linha tênue que distancia ou aproxima o objeto de arte e o objeto de design. Com utilidades claras ou indefinidas, essa linguagem se mostra presente em diversos contextos e apresenta mais dúvidas sobre o que separa esses dois universos presentes na SP-Arte e demais feiras ao redor do mundo.
No atual cenário da tapeçaria contemporânea nacional, Alex Rocca é um dos artistas que vem ganhando maior visibilidade. Nesta edição da SP-Arte, Rocca apresenta um estande com a coleção Manto, produção recente que une a matéria da seda e da lã em uma poética que resgata sua ancestralidade. Em entrevista realizada durante a feira, o artista compartilhou sua visão sobre a relação do nosso país com a tapeçaria e outras modalidades têxteis:
“O Brasil é muito forte no têxtil. Todo mundo tem uma referência da avó, da tia no têxtil – e mesmo se falarmos em uma outra escala, podemos lembrar do Burle Marx com tapeçarias gigantes em prédios públicos. Então o têxtil sempre foi muito acessível no sentido de ser comum aos olhos”.
Pensando nas novas tecnologias de tecelagem, Rocca vê uma relação entre novos artistas têxteis com a tradição, especialmente os modernistas brasileiros que são grande referência em seu processo: “O que acontece hoje é um resgate de uma memória afetiva com outras técnicas, com outros processos, e outras pessoas fazendo”.
Para o artista, as barreiras entre a arte e o design podem e devem ser quebradas, reconhecendo as relações estéticas possíveis a partir de diferentes objetos. No seu dia a dia, Rocca atende a diferentes demandas que refletem essa linha tênue:
“Existem arquitetos que me procuram porque o meu trabalho combina com um tipo de mobiliário, outros me procuram porque querem o meu trabalho enquanto objeto de arte. Então a origem é a mesma, mas o destino é diferente”.
A Galeria Passado Composto Século XX apresenta um estande com curadoria de sua fundadora Graça Bueno. As tapeçarias são o foco comercial da galeria, que nesta edição da SP-Arte apresenta trabalhos de Jean Gillon, Genaro de Carvalho e Norberto Nicola – artistas que se tornaram referência da linguagem no país.
Para Graça Bueno, existe um fator de especificidade que torna os processos de produção têxtil únicos, e podem explicar um pouco o sucesso dessas técnicas atualmente:
“É uma grande tendência internacional já há algum tempo, então comemoramos esse momento de sincronicidade, da tapeçaria sendo vista como obra de arte única e que tem esse fator de ser artesanal. Muitas dessas obras hoje são criadas e feitas pelos artistas, mas também podem ser concebidas em ateliês como o Jean Gillon, que criava o desenho e pintava, e as bordadeiras executavam – assim também fez o Genaro”.
A tapeçaria vive um momento de reafirmação da tradição das técnicas que remontam uma longa relação da linguagem do Brasil, enquanto novos temas e ferramentas pavimentam um caminho vívido e renovado. É possível transitar pelos espaços da feira com um olhar aberto às diferentes possibilidades de atravessamento, seja no design, na arte contemporânea, ou descobrindo os pontos de encontro entre eles.
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
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