Pela segunda vez, a marca de luxo Louis Vuitton convidou a proeminente artista japonesa Yayoi Kusama para um encontro criativo, reacendendo e expandindo a troca inicial. O lançamento da coleção foi celebrado com uma campanha de escala monumental estrelada por supermodelos renomadas internacionalmente, além de instalações impressionantes em grandes metrópoles ao redor do mundo e de uma forte presença digital.
De acordo com a Louis Vuitton, na página oficial dedicada ao projeto, a coleção é inspirada pela criatividade sem precedentes da artista, misturada ao conhecimento e excelência técnicas da marca. A coleção reinterpreta peças icônicas da Maison com elementos marcantes da artista, como as bolinhas coloridas, os globos metálicos e a abóbora estilizada.
O encontro inicial entre Kusama e Louis Vuitton se deu em 2006, quando o então diretor criativo da marca, Marc Jacobs, visitou a artista em seu estúdio e foi presenteado por Kusama com uma bolsa da marca coberta por suas bolinhas pintadas à mão. Seis anos depois, em 2012, a Louis Vuitton lançaria a primeira coleção com os produtos da colaboração. A coleção foi um sucesso tão grande que, ainda hoje, algumas dessas peças são consideradas itens de colecionador.
Nesta nova colaboração, Louis Vuitton e Kusama criaram mais de 450 itens, das famosas bolsas a tênis e fragrâncias. A marca aposta naquilo que chama de savoir-faire, o que poderia ser traduzido como “saber fazer”, para evidenciar o cuidado empregado na construção das peças. Isso se nota no desenvolvimento de uma nova tecnologia de impressão em serigrafia para conferir às conhecidas bolinhas uma textura 3D que faz parecer terem sido pintadas instantes atrás. Além disso, as esferas de metal que remontam às obras instalativas da artista foram aplicadas à mão, uma a uma, em determinadas peças da coleção que possuem um incrível efeito reflexivo.
Para celebrar o lançamento da coleção, a Louis Vuitton apostou em uma campanha de proporções gigantescas (literalmente), com instalações em importantes metrópoles ao redor do mundo e forte presença online. A sede da Maison em Paris e a tradicional loja de luxo Harrods em Londres, por exemplo, foram cobertas pelas características bolinhas coloridas e receberam bonecas gigantescas de Kusama em seu exterior. Já em Nova York, um robô em tamanho real e semelhança impressionante com a artista, ocupa a vitrine da loja, movendo-se como se pintasse as bolinhas coloridas ali mesmo no vidro da loja.
Agora, sob a direção criativa do designer francês Nicolas Ghesquière, a Louis Vuitton investiu fortemente na presença digital, com a criação de um filtro para o Instagram em que os usuários da rede podem experimentar a imersão em bolinhas coloridas através das lentes de seus celulares, além de um jogo que pode ser baixado no site da marca. Nas redes sociais circulam imagens da campanha ilustradas por supermodelos como Gisele Bündchen, Anok Yai e Fei Fei Sun, gerando um engajamento de 1 milhão de likes nos posts do perfil da Louis Vuitton no último mês de janeiro. O número é quase 40 vezes maior do que a média normal da marca.
Mas a internet também se alimenta de polêmica e parte do buzz gerado pela campanha vem em forma de crítica. Os principais pontos de controvérsia são a dúvida em relação ao quanto a artista esteve, de fato, envolvida no processo criativo. Além do uso e alta exposição de sua imagem, afinal, Kusama é uma senhora de mais de 90 anos de idade que sofre de transtornos psicológicos.
Sobre a questão do envolvimento real ou não da artista no processo criativo, Federica Carlotto, especialista na relação entre moda de luxo e arte, em entrevista ao Podcast The Week in Art (A semana na arte), comenta que por mais que não seja claro se a artista esteve pessoalmente envolvida em todo o projeto ou se foram gerentes e assistentes de seu estúdio, trata-se de um acordo entre duas grandes marcas, abordagem comum neste tipo de colaboração.
Atualmente, grandes marcas de luxo estão se tornando agentes culturais influenciadores de comportamentos na sociedade para além daqueles que tem condições materiais de consumirem seus produtos. Nesse sentido, as campanhas extrapolam o lançamento de um produto específico e se tornam grandes eventos envolvendo diferentes plataformas e experiências. É comum também, neste novo paradigma de relações, que tais marcas de luxo procurem parcerias com artistas consagrados que têm suas marcas pessoais estabelecidas e reconhecidas, assim, um alimenta o outro. Tais colaborações costumam coincidir com grandes exposições destes artistas, como é o caso de Yayoi Kusama que, neste momento, tem uma grande exposição retrospectiva dedicada à sua obra acontecendo no M+ Museum, em Hong Kong.
A relação entre grandes maisons de moda e artistas consagrados não é algo novo, Salvador Dalí, por exemplo, manteve uma relação de amizade com Coco Chanel desde os anos 1930, e colaborou com nomes como Elsa Schiaparelli e Christian Dior. A própria Louis Vuitton colaborou com diversos artistas ao longo dos anos. Nomes como Stephen Sprouse no início dos anos 2000 e Jeff Koons em uma coleção lançada em 2017, entre outros artistas de renome.
Yayoi Kusama nasceu em 1929, em Nagano, no Japão. Sendo filha de uma família de comerciantes bem sucedidos, foi protegida dos horrores da II Guerra Mundial e cresceu de forma materialmente confortável. Porém, Kusama afirmou abertamente ao longo da vida que sua família era disfuncional e que sofreu com o desencorajamento deles em relação ao seu interesse em arte.
Ela começou a pintar aos 10 anos de idade, quando passou a experienciar alucinações visuais que, ao mesmo tempo que a atormentaram por toda a vida, foram fonte de inspiração em sua obra. Após um breve tempo estudando pintura tradicional japonesa em Kyoto, em 1958, Kusama se mudou para Nova York. Livre da repressão de seu local de origem, ela passou a produzir pinturas monocromáticas em larga escala que chamaram a atenção do mundo da arte. Nos anos 1960, a artista já produzia pinturas, desenhos e esculturas, organizava happenings, projetava instalações, filmes e desenvolvia seu interesse por moda. Em 1969, Kusama fundou a Kusama Enterprises, uma loja que vendia roupas, bolsas e outros produtos personalizados com o uso das bolinhas coloridas e padrões repetitivos característicos de seu trabalho.
A artista retornou ao Japão no início dos anos 1970, onde se internou voluntariamente em uma instituição de tratamento psiquiátrico na qual vive até hoje. Atualmente, aos 93 anos de idade, Yayoi Kusama segue produzindo arte e declarou que sua obra “é uma expressão da minha vida, particularmente da minha doença mental.”
Yayoi Kusama é considerada uma das principais artistas mulheres em atividade no circuito. Seu trabalho pode ser visto nos maiores museus do mundo e, no Brasil, em Inhotim, onde se encontra a obra Narcissus Garden.
Luísa Prestes, formada em artes visuais pela UFRGS, é artista, pesquisadora e arte-educadora. Participou de residências, ações, performances e exposições no Brasil e no exterior.
Gostou desta matéria? Leia também: