Marcello Dantas fala sobre como a internet e as redes sociais vêm nos aproximando da arte
foto: Cristian Maldonado
Marcello Dantas fala para a Artsoul sobre como a internet e as redes sociais vêm nos aproximando da arte
Responsável por trazer ao Brasil exposições de artistas internacionais de renome, como a de Ai Wei Wei na Oca, o curador, diretor artístico, documentarista e… digital influencer? Marcello Dantas ri do título, mas sua conta no Instagram acumula mais de 13 mil seguidores e 7 mil publicações informando sobre o que acontece no circuito da arte no Brasil e no mundo. Sempre em busca do novo e consciente do impacto em nossas vidas das mídias sociais e novas tecnologias, como inteligência artificial, Marcello conversou com o Artsoul sobre como as redes sociais podem ser ferramentas para popularizar o interesse por arte.
ARTSOUL – Você é usuário assíduo do Instagram. Qual é o seu objetivo nas redes sociais? Divulgar seu trabalho, mostrar os bastidores das exposições, popularizar a arte?
MARCELLO DANTAS –Eu comecei a usar as redes sociais por outro motivo. Eu precisava organizar a minha observação do mundo. São muitas coisas, muitos lugares diferentes, estou sempre viajando, não tem um dia que eu não veja alguma exposição. A minha cabeça começou a se embaralhar. Eu precisava de um lugar para organizar. E os métodos tradicionais de organização de fotos se baseavam em critérios temporais ou geográficos, que eram parciais. O problema disso é que o tempo distorce. Quando eu vejo uma foto hoje eu já não tenho a mesma impressão do que quando eu vi aquilo. Então decidi criar uma conta no Instagram exclusivamente para mim, não com o objetivo de divulgar nada, eu tinha 100 seguidores, mas como um método de organização.
AS – Como funciona a curadoria do que vai ser postado?
MD –O critério é que eu só publico coisas que, quando eu vi, tive vontade de catalogar. Eu fotografei muito mais. Mas o que eu tive vontade de postar é o que eu considero relevante. É um lugar recheado de inputs. Com o tempo, comecei a perceber o nascimento de uma coisa bonita. O Instagram, quando usado dessa forma, começou a fomentar em algumas pessoas a ideia de colecionismo. Uma coleção que você não tinha que desembolsar nada para ter. Não importa quanto dinheiro você tenha, você não pode ter tudo o que deseja, nem tudo está disponível para comprar. E nem é preciso ter. Não é sobre a posse, é uma eleição. Eu achei isso muito bonito no comportamento de algumas pessoas, podendo colecionar o que quisessem. Essa coleção vai dizer respeito a mim, ao meu olhar, às coisas que me tocaram. É uma coleção biográfica. Diz respeito também ao tipo de investimento que eu fiz na vida. Peguei um avião para ver essa exposição, almocei com esse artista etc.
AS – Então o Instagram ajudou a popularizar o colecionismo, criando essa nova maneira de colecionar?
MD –No Brasil, temos 200 milhões de pessoas e 100 colecionadores de arte. De repente isso se democratiza, se abre, podemos ter milhões de colecionadores. Eu acho que isso é algo a ser fomentado nas pessoas. Se você me mostra o que você gosta, eu sei quem você é. E eu posso me interessar por você ou não, a partir do seu olhar. Tem gostos que são dealbreakers.
AS – Além de colecionador, no seu Instagram você também está exercendo o papel de digital influencer?
MD –Curiosamente, meu número de seguidores começou a crescer exponencialmente. Quando eu vi, eram 10 mil. Eu não faço ideia de quem são essas pessoas. Às vezes alguém me aborda dizendo que é meu seguidor. As pessoas se aproximam de mim com intimidade. Então eu comecei a entender que o que eu estava fazendo ali era dando para as pessoas parâmetros. Vá nisso que é legal, olhe aquilo, tem coisas interessantes rolando. Tem a ver com o meu trabalho de construir público para arte.
AS – Você já trabalhava para a popularização da arte antes das redes sociais existirem?
MD –Eu comecei a fazer isso nos anos 1990. Eu trabalho para abrir a cabeça das pessoas. A arte em vídeo, por exemplo. Eu abri a sala de exibição Magnetoscópio, numa época em que não tinha internet, tv a cabo, importação, dvd. Eu queria abrir a percepção das pessoas de que havia coisas legais em vídeo no mundo, que elas precisavam se antenar.
AS – A internet e as redes sociais nos permitiram ficar realmente mais antenados com o que acontece no mundo. Como você vê essa facilidade de acesso a informação?
MD –Só existe criatividade dentro da fricção. A fricção só existe com coisas diversas. É algo que eu acredito piamente. Se ficarmos eternamente celebrando as mesmas coisas, não vai ter fricção. Eu sou totalmente contra qualquer movimento nacionalista, para a esquerda ou para a direita. Para mim ser nacionalista é como ser flamenguista ou botafoguista. Qualquer espécie de nacionalismo é uma abstração louca. Eu tenho muito mais a ver com os meus amigos de Londres ou de Tóquio, do que os meus amigos do Acre, que, no caso, eu não tenho nenhum. Nacionalismo é sobre divisão, não sobre união. Não é o Brasil acima de tudo. Eu só acho que a gente vai conseguir construir alguma coisa se estivermos antenados no que o resto do mundo está pensando. Não existe arte nacional, arte é da humanidade.
AS – Além das redes sociais, quais outras novas tecnologias estão tendo impacto na arte?
MD –Eu me assusto com inteligência artificial. Hoje é possível ter informações sobre todas as pessoas com muita facilidade. Nossos iPhones registram as localizações por onde passamos. Individualmente essas informações não dizem muito, mas quando juntamos as informações de todas as pessoas do mundo, é possível analisar dados de tendências comportamentais em nível global. Onipresente e onisciente, a internet se tornou deus. É uma ideia assustadora, especialmente porque é algo invisível aos olhos. E a arte é uma ótima ferramenta para materializar o invisível. Adoro quando os artistas abordam essa temática.
Maria Silvia Ferraz é jornalista e apaixonada por arte contemporânea.
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