No universo da arte, apesar de se destacar a criatividade e a expressão, existe um setor complexo que impulsiona a valorização e a comercialização das obras. O mercado de arte no Brasil tem ganhado cada vez mais destaque e despertado o interesse de estudiosos e entusiastas da área. Com o intuito de aprofundar o entendimento sobre a economia que permeia esse mercado, um grupo de estudos formado por pesquisadores e especialistas têm se dedicado a desvendar os segredos e peculiaridades desse setor.
O Grupo de Estudos em Economia do Mercado de Arte do Brasil, formado por profissionais e acadêmicos da área, realizará em setembro, o I Seminário Acadêmico de Economia do Mercado de Arte na Fundação Getúlio Vargas (FGV), um evento que busca ampliar o conhecimento sobre o mercado de arte e suas nuances, com chamada aberta para trabalhos autorais.
Enquanto nos preparamos para o seminário, tivemos a oportunidade de conversar com Katya Hochleitner, economista e historiadora da arte, coordenadora do Seminário e pesquisadora do grupo que foi criado em 2016 pelo professor Paulo Sergio Tenani, da Escola de Economia da FGV SP, em parceria com Clovis Ikeda, seu colega desde os tempos de bacharelado na FEA USP. O grupo teve origem a partir de uma curiosidade intelectual, buscando compreender o funcionamento do mercado de arte, comparando-o com outros mercados mais desenvolvidos, como o mercado financeiro e de luxo.
Inicialmente, os objetivos do grupo eram ampliar o conhecimento sobre o mercado de arte, explorar a literatura acadêmica existente e contribuir para a expansão do conhecimento nessa área. Ao longo do tempo, o grupo se expandiu rapidamente e incorporou novos objetivos e temas de discussão. Um dos principais propósitos atualmente é reduzir a assimetria informacional no mercado brasileiro de arte, por meio da pesquisa e da divulgação de informações relevantes sobre o setor.
Com o sucesso alcançado, o Grupo de Estudos se tornou um importante ponto de referência para pesquisadores, acadêmicos e profissionais interessados em compreender a dinâmica do mercado no país. Sua atuação vai além do estudo teórico, buscando contribuir efetivamente para o desenvolvimento e a transparência das informações sobre o setor.
Hochleitner destaca que o desenvolvimento da economia do mercado de arte no Brasil é um desafio devido à falta de dados abrangentes sobre o setor. No entanto, algumas tendências e impulsionadores podem ser observados.
Em relação às exportações brasileiras de obras de arte, houve um crescimento de 2010 a 2019, seguido por uma queda acentuada em 2020 devido à pandemia da COVID-19. Em 2021, houve uma recuperação parcial, atingindo valores semelhantes aos de 2016. Esses dados sugerem que o mercado ainda está se recuperando da crise econômica e sanitária dos últimos anos.
Em relação às vendas declaradas das galerias de arte brasileiras, o relatório de Claire McAndrew para UBS e ART Basel indica que elas se mantiveram estáveis em 2022 em comparação a 2021. Isso indica uma estabilização do mercado, mas ainda não uma recuperação completa.
No mercado brasileiro de arte, os indivíduos de alta renda desempenham um papel crucial como os principais compradores. Segundo o relatório, a maioria desses compradores prefere adquirir obras de arte por meio de leilões, embora também ocorram compras por meio de galerias de arte, feiras de arte e até mesmo online. Portanto, entender o comportamento desse público é essencial para compreender os movimentos e as tendências do mercado brasileiro.
Apesar dos desafios e das oscilações, é importante destacar que o mercado de arte no Brasil continua a se desenvolver e se adaptar às mudanças. A realização do Seminário é um passo importante para promover a análise e a discussão sobre o cenário atual e as perspectivas em constante evolução.
A coordenadora nos conta que o Grupo de Estudos aborda uma ampla gama de áreas de estudo relacionadas ao mercado. O grupo concentra sua atenção em artigos e estudos que exploram aspectos quantitativos e econômicos relacionados à criação, distribuição e consumo de obras de arte. Isso inclui análises da oferta e demanda, precificação, investimento e comportamento dos agentes envolvidos no sistema de arte, como artistas, galerias de arte, leilões, museus, feiras de arte e colecionadores.
Além disso, o grupo mantém-se atualizado com os dados de mercado disponibilizados pelas mais diversas fontes confiáveis. Também investigam o impacto da globalização, das novas tecnologias, da economia criativa, bem como temas relacionados a políticas e incentivos, projetos e externalidades, regulação, impactos socioeconômicos, formação profissional, autenticação e proveniência, financiamento, serviços e reprodutibilidade, entre outros.
Essa abordagem permite aos pesquisadores explorar diversos aspectos do mercado de arte no Brasil, analisando sua complexidade sob uma perspectiva econômica e identificando oportunidades de desenvolvimento e profissionalização do setor.
O Seminário Acadêmico de Economia do Mercado da Arte é uma iniciativa de grande importância para a divulgação de conhecimentos nessa área. Neste ano, a expectativa da organização é que o seminário proporcione acesso a um número maior de pessoas ao grupo de estudos FGV INVEST e promova a construção de relacionamentos entre estudantes, acadêmicos, profissionais e interessados no campo da economia do mercado da arte.
Além disso, o seminário tem como objetivo expandir a fronteira do conhecimento e contribuir para a redução da assimetria informacional da área.
Para a edição deste ano, estão previstas diversas atividades, incluindo uma discussão específica sobre os obstáculos que afetam o crescimento do mercado brasileiro de arte. O evento também recebe propostas de artigos e pesquisas para serem apresentados, abrangendo uma ampla gama de temas e abordagens.
Ao questionarmos sobre os principais desafios enfrentados pelos pesquisadores e especialistas no estudo do mercado de arte no Brasil, a coordenadora indicou que um dos principais desafios é a falta de dados e transparência, tornando difícil a obtenção de informações consistentes sobre transações, preços de venda, proveniência e autenticidade das obras de arte. Isso acaba dificultando a realização de análises de mercado abrangentes e precisas.
Outro desafio mencionado é a padronização dos processos de valoração das obras de arte. A avaliação das obras é um processo complexo e subjetivo, o que torna difícil a comparação de preços entre diferentes obras e artistas. A falta de padrões claros nesse sentido é um obstáculo para o estudo. Além disso, a limitação de acesso a coleções de arte, tanto públicas quanto privadas, é outro obstáculo para a pesquisa acadêmica e a compreensão do panorama geral do mercado.
Segundo Hochleitner, é notável o preconceito que existe contra o estudo da economia do mercado de arte, que por uns pode ser considerada redutora ou limitante, pois foca no valor de comercialização da obra. No entanto, é importante ressaltar que a economia da arte pode fornecer ferramentas analíticas e estratégicas que contribuem para o desenvolvimento e a sustentabilidade do mercado de arte.
Em relação às lacunas no estudo da economia da arte no Brasil, Hochleitner menciona várias áreas que carecem de produção acadêmica. Entre elas estão: análises quantitativas históricas do mercado brasileiro de arte, estudos sobre a arte brasileira como investimento, pesquisas sobre artistas e movimentos artísticos brasileiros, estudos sobre o mercado de arte regional no Brasil, análises econômicas do colecionismo e mecenato brasileiros, e compreensão do impacto de novas tecnologias no mercado de arte brasileiro.
O setor tem se revelado uma fonte de crescimento à medida que o interesse pela arte contemporânea e pelo patrimônio cultural nacional aumenta tanto internamente quanto no cenário global. Por outro lado, enfrenta desafios e oportunidades únicas. Nesse contexto, o Grupo de Estudos em Economia do Mercado de Arte do Brasil desempenha um papel fundamental, reunindo pesquisadores, acadêmicos e profissionais para aprofundar o conhecimento e contribuir para o desenvolvimento sustentável do mercado de arte no país.
Giovanna Gregório é formada em Arte: História, Crítica e Curadoria pela PUC-SP. Pesquisadora e crítica independente.
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