Em um mundo pautado pelos avanços tecnológicos, é natural que o mercado de arte, assim como qualquer outro, precise se lançar às plataformas digitais para alcançar novos públicos e objetivos. Desde a pandemia de Covid-19, quando, em meados de 2020, estabelecimentos do mundo inteiro tiveram de suspender o trabalho presencial, museus, galerias e centros culturais passaram a investir gradativamente no ambiente online, a fim de democratizar o acesso à cultura. Durante este período, muitas instituições apostaram em funções de viewing rooms como uma tentativa de substituir o espaço físico, mas logo expandiram seus sites para outras funcionalidades.
Não há mais dúvidas sobre as vantagens da digitalização. Além de permitir que artistas emergentes tenham suas produções conhecidas mais facilmente, o recurso ainda possibilita que novos públicos sejam formados. Ou seja, pessoas que antes não costumavam frequentar exposições ou acompanhar as novidades do circuito, agora podem se aproximar da arte por meio de sites, redes sociais, podcasts, newsletters e tantas outras ferramentas próprias da internet.
Trata-se de um processo vantajoso não apenas para os internautas, mas também para os trabalhadores da área, já que o mercado online pode ser altamente lucrativo.
De acordo com a edição mais recente do Art Industry Trends, relatório anual da Artsy que elenca as principais tendências para o cenário das galerias, as plataformas digitais têm se tornado cada vez mais importantes para unir vendedores e novos compradores de arte.
Lançado no início de junho, o levantamento aponta que os mercados online superam as clássicas feiras de arte como uma maneira impactante de conhecer clientes. Na pesquisa, os entrevistados relataram que as visitas presenciais às galerias têm maior impacto sobre o número de novos compradores, com 55% dos votos, seguidas do mercado digital, com 42%. As feiras apareceram somente em terceiro lugar, com um total de 13% dos votos.
Entre as maiores galerias, este quadro se altera e o mercado online supera todas as opções. Ele foi selecionado por 73% dos entrevistados, contra 45% das feiras de arte, 45% dos consultores de arte, 27% de e-mails e 27% de visitas presenciais.
Em relação aos métodos tidos como fontes crescentes de vendas, 54% da maioria das grandes galerias selecionou o mercado online/comércio eletrônico como opção mais impactante, seguido pelas feiras de arte, com 38%. Já entre as galerias menores (que têm 3 ou menos funcionários o tempo inteiro), o mercado online foi escolhido por apenas 26% dos entrevistados. Dentre eles, as conversas presenciais e as conversas por e-mail ocuparam os primeiros lugares, com 39% e 35% dos votos, respectivamente.
O estudo encontra alguma estabilidade quando analisa o setor de marketing. Nesse caso, tanto os canais físicos, quanto os digitais confirmam o momento atual, de pós-pandemia, como de estado híbrido. Segundo a Artsy, “galerias de todos os grupos afirmam que boletins informativos por e-mail e eventos presenciais são os canais de marketing mais importantes, com cada opção sendo selecionada por 51% dos entrevistados. […] Seguem-se sites de galerias (37%), mercados online (32%), redes sociais orgânicas (31%) e feiras de arte presenciais (25%).
Os resultados da pesquisa reafirmam como as plataformas digitais passaram a ter funções importantes no circuito de arte. Para além dos marketplaces examinados até aqui, o avanço da tecnologia tem contribuído, ainda, para criação de iniciativas que aproximam o público de trabalhos de arte, muitas vezes de artistas minorizados.
O Projeto Afro é um desses trabalhos que pretende ampliar e dar visibilidade à arte. Focada na produção de artistas negros/as/es, a plataforma se coloca como um “manifesto em defesa da igualdade racial”. Mapeando autores e apresentando suas multiplicidades, abrangências e inter-relacionamentos, o site busca expressar o protagonismo negro e refletir sobre processos históricos hegemônicos que validaram um sistema de arte desigual no país.
Liderado pelo pesquisador e curador Deri Andrade, o Projeto Afro vem acumulando, desde 2018, artistas em destaque. No ano passado, com apoio e auxílio do Instituto Ibirapitanga, pode ampliar o seu alcance e saltar de 184 para 327 nomes, expandindo também as regiões do Brasil abrangidas.
Entre os artistas incluídos recentemente estão nomes já consagrados, como Panmela Castro e André Vargas, e emergentes como Paty Wolff, Manauara Clandestina, Luna Bastos e Uelinton Santana. É possível encontrar informações sobre suas trajetórias, exposições realizadas e museus que adquiriram suas obras.
Alguns desses artistas podem ser vistos na exposição “Encruzilhadas da arte afro-Brasileira”, curada por Deri. Como um desdobramento do site, a mostra em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil em Belo Horizonte até 5 de agosto reúne obras datadas do século XIX até os contemporâneos nascidos nos anos 2000. Produzida pela Tatu Cult, que apoia a iniciativa desde 2020, e com patrocínio da BB Asset e do Banco do Brasil, a mostra é uma oportunidade de conferir cerca de 150 pinturas, fotografias, esculturas, instalações, vídeos e documentos, incluindo a primeira obra do acervo do Projeto Afro, “Nagôgrafia”, de Vitú de Souza.
Criada em 2019, a plataforma Artistas Latinas funciona como um espaço colaborativo de artes visuais. Digital e gratuita, tem como objetivo reescrever a história da arte – tarefa árdua e amplamente debatida no cenário contemporâneo – sob o ponto de vista de mulheres latino-americanas.
Sem fins lucrativos, de forma independente e movido por voluntários e editais, o site dá acesso a mais de 150 artistas, que aparecem divididas de acordo com suas nacionalidades. Essa base de dados funciona, ao mesmo tempo, como fonte para seu próprio conselho curatorial, que os utiliza em projetos, feiras e publicações distintas. Desse material, surgem debates sobre temáticas ligadas à essas mulheres, como a maternidade, a descentralização dos eixos urbanos na América Latina e as questões periféricas.
Surgida em 2019 como um ponto de encontro para “reflexões sobre mulheres, arte e sensivilidades”, Mira é uma plataforma que promove newsletters, visitas guiadas, textos diversos e postagens no Instagram. Produzida pela artista e pesquisadora Thaís Bambozzi, a página tem como objetivo suprir a falta de um espaço que reúna mulheres (cis, trans, negras, indígenas, de diversas origens) nas salas de aula, nos livros e na própria história da arte. O projeto se utiliza da tecnologia para lançar uma série de questionamentos, como “por que não houve grandes mulheres artistas?”, ou eixos temáticos, como “memória, delírio e arte” e “suavidade como guia”.
Tais iniciativas demonstram como as plataformas digitais têm um potencial transformador para a democratização e difusão da arte. Ao reduzir as barreiras geográficas e de acesso, a internet contribui tanto para o fluxo financeiro, possibilitando que galerias encontrem mais compradores, quanto para a propagação de conteúdos relacionados à arte e à consolidação de artistas jovens, o que demonstra que as conexões online criadas com o público já são parte fundamental do circuito artístico.
Gostou desta matéria? Leia também:
Ave preta mística de Tadáskía alça voo e chega ao MoMA de Nova York