Autorretrato de Andy Warhol. Imagem: Revolver Gallery
Andy Warhol é, sem dúvidas, um dos artistas mais famosos e influentes do século XX. Suas obras povoam o imaginário da cultura ocidental e permeiam a mídia de tal maneira que mesmo quem não conhece ou se interessa pelo universo artístico, reconhece os ícones das latas de sopa Campbells ou os retratos coloridos de Marilyn Monroe. O artista construiu para si uma imagem própria e nunca desviou desse personagem em suas incontáveis aparições públicas. Contraditoriamente a essa presença midiática ostensiva, pouco se sabe sobre sua vida pessoal, pois era muito privado em relação a sua intimidade. Nesta série documental temos a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o artista a partir de suas próprias palavras.
Andy Warhol. Latas de sopa Campbell’s, 1962. Imagem: Museu de Arte Moderna de Nova York
A minissérie lançada neste mês pela Netflix é dividida em 6 capítulos e conta com a produção de Ryan Murphy e direção de Andrew Rossi. Foi baseada nos diários pessoais que o artista registrou com a ajuda de sua amiga e editora Pat Hackett ao longo de 11 anos, até a sua morte em 1987. Hackett conta que no início, Warhol a procurou com a intenção de registrar suas finanças e gastos, mas que com o tempo o conteúdo dos relatos passou a gravitar para assuntos cotidianos e de cunho mais íntimo. Warhol telefonava para Hackett às 9 horas da manhã e contava sobre o dia anterior. Em certo ponto, ficou clara a intenção do artista de publicar esse material. Hackett assim o fez em 1989, quando os diários de Andy Warhol se tornaram o livro homônimo em que a editora interferiu o mínimo possível, inserindo apenas algumas notas se referindo a acontecimentos significativos para a compreensão das circunstâncias.
A série tem um formato bastante tradicional dentro da linguagem documental: narrações e entrevistas de pessoas envolvidas no tema são acompanhadas por registros fotográficos e em vídeo que ora ilustram, ora contrapõem o assunto. O que é impressionante nesta série em particular é a quantidade e a qualidade das imagens de arquivo e o status dos personagens envolvidos. Isso se dá porque Andy Warhol foi uma figura única na cena cultural nova-iorquina entre os anos 1960 e 1980. Ao seu redor gravitavam desde representantes do movimento underground mais brutal até as pessoas da mais alta elite americana, passando por políticos, socialites e artistas famosos como Mick Jagger, Liza Minnelli e Debbie Harry.
Andy Warhol foi abundantemente retratado pela mídia da época, além de ter produzido, ele mesmo, uma quantidade impressionante de registros entre históricos, artísticos e pessoais, tanto em foto quanto em vídeo. O que é curioso é que, apesar da credibilidade dos entrevistados e de contar com a fonte primária dos escritos do diário, muitas discrepâncias e incoerências a respeito de quem era Andy Warhol são apontadas na série. É como se cada pessoa conhecesse uma versão ligeiramente diferente do artista, talvez pelo fato de ele nunca ter se mostrado inteiramente em público.
Além destes, outro aspecto da série que chama atenção por ser bastante inovador neste formato cinematográfico, é o emprego de tecnologia de inteligência artificial para reconstruir a voz de Warhol em seu tom e cadência próprios na narração de trechos do diário.
Andy Warhol. A última ceia, 1986. Imagem: Museu de Arte Moderna de Fort Worth
A cada episódio, um diferente aspecto da vida do artista é explorado, seguindo uma ordem que tende a cronologia, mas com idas e vindas dependendo do tema em questão.
São temas como a insegurança profunda que Warhol sentia por não se encaixar nos parâmetros estreitos aceitos como normais em seus anos de formação. Também é abordada a questão da sexualidade de Andy Warhol, sempre misteriosa e confusa, e as especulações a respeito de seus relacionamentos mais significativos e duradouros com o designer de interiores Jed Johnson e o empresário da Paramount Jon Gould. Outro relacionamento explorado profundamente em um dos episódios é o que Warhol viveu com o artista Jean-Michel Basquiat. A série deixa evidente que, neste caso, não se tratava de um relacionamento sexual, apesar de sugerir que, em certo nível, Andy Warhol possa ter se interessado romanticamente por Basquiat.
O fato é que por cerca de dois anos, no início dos anos 1980, os dois artistas viveram uma relação intensa de amizade e colaboração artística, tendo contribuído mutuamente na carreira um do outro, tanto do ponto de vista criativo quanto comercial.
Andy Warhol e Jean-Michel Basquiat. Paramount, 1984-85. Imagem: Statement Art
Trata-se de uma produção cinematográfica de qualidade evidente, concebida com respeito ao legado de Warhol, sem perder a visão crítica. Ao se propor a aprofundar o conhecimento acerca da vida e obra de um dos mais influentes artistas das últimas décadas, logra apresentar um panorama rico e ainda deixa espaço para percepções e conclusões pessoais da audiência. Quem se interessa por arte contemporânea e suas relações de influência recíproca com a mídia, tem nessa produção da Netflix uma importante referência.
Luísa Prestes, formada em artes visuais pela UFRGS, é artista, pesquisadora e arte-educadora. Participou de residências, ações, performances e exposições no Brasil e no exterior.
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