Virou cena comum passar pela Rua Alagoas, em São Paulo, e ver uma fila serpenteando pelas escadas do Museu de Arte Brasileira da FAAP. Visitantes esperam com celulares em mãos para entrar na mostra “Andy Warhol: Pop Art!”, inaugurada no início de maio pelo Instituto Tostex. Reunindo mais de 600 obras do acervo do The Andy Warhol Museum, localizado na cidade de Pittsburgh, na Pensilvânia, esta é a maior retrospectiva dedicada ao artista já realizada fora dos Estados Unidos.
E o que essas grandes exposições têm em comum? Tarsila do Amaral no MASP (2019), Ron Mueck na Pinacoteca (2014) e Frida Kahlo no Instituto Tomie Ohtake (2015) são apenas alguns exemplos dos recordes de visitação na cidade de São Paulo nos últimos anos. O que acontece é que esses eventos apresentam grandes ícones da história da arte, com obras reconhecidas em todo o mundo. A oportunidade de ver peças tão importantes faz com que museus e galerias tenham suas bolhas furadas e alcancem públicos que não necessariamente costumam frequentar esses espaços.
O mesmo parece acontecer agora, em 2025, no museu de Higienópolis. Mas com uma diferença: nesse caso, nenhum dia tem entrada gratuita, e os ingressos variam de R$25 (meia-entrada) a R$70 (inteira), sendo mais caros aos sábados e domingos. Esse detalhe não é pequeno: a lógica de aumentar os valores em dias não-úteis e não oferecer qualquer gratuidade é uma medida que exclui alguns grupos. Vale a pergunta: quem pode pagar quase cem reais para consumir arte?
Ocupando os dois salões expositivos do MAB FAAP (que configura mais de 2 mil metros quadrados), a exposição abrange diferentes fases da carreira de Warhol, desde as famosas serigrafias, até seus vídeos experimentais. Exibidas de maneira não-cronológica, essas peças aparecem divididas por temas e revelam a multiplicidade da produção do artista – você sabia, por exemplo, que ele pintou uma série de cartões de Natal?
Em suas reproduções coloridas, é possível ver personalidades marcantes como Michael Jackson, Debbie Harry (Blondie), Mao Tse-Tung, Elvis Presley e até o nosso rei Pelé. Por outro lado, também é possível conhecer uma cena completamente marginalizada da sociedade, como a comunidade queer da década de 70.
Na série “Ladies and Gentlemen”, de 1975, o artista evidenciou a cena trans e drag de casas noturnas da cidade de Nova York. Fotografias produzidas por uma Polaroid Big Shot mostram 14 modelos, muitas delas frequentadoras do bar Gilded Grape, um estabelecimento conhecido por sua clientela negra e latina. Inspirado na forma exibicionista com a qual as modelos posavam, Warhol adotou nestes trabalhos o mesmo processo utilizado para retratar celebridades, transformando os registros em serigrafias vibrantes. Em outros momentos, fotografou ele mesmo montado como drag queen (na série Polaroid Self-Portrait (in Drag), de 1980-1982), explorando questões identitárias.
“Warhol compreendeu que a arte do século XX não poderia mais ser pensada fora das condições de sua circulação e reprodução”, escreveu a curadora Priscyla Gomes. Respondendo à nova sociedade formada em decorrência do desenvolvimento industrial e da ampliação dos meios de comunicação, o artista adotou a técnica da serigrafia como prática principal, replicando imagens já altamente reproduzidas na mídia – tanto de pessoas, quanto de mercadorias.
Formou-se, então, um questionamento em relação aos efeitos da cultura de massa estadunidense, bem como do chamado “american way of life”, modo de vida idealizado e estimulado em músicas, programas de televisão, filmes e revistas. Na exposição, ao serem fotografados por dezenas de aparelhos ao mesmo tempo, os trabalhos de Warhol reproduzem seu legado, confundindo as fronteiras entre arte, mercadoria, cópia e originalidade.
E o artista não se limitou às artes plásticas. Nos anos 70, produziu telenovelas que nunca foram transmitidas, mas que o ajudaram a entender a TV como ferramenta fundamental de autopromoção e difusão cultural. Em 1979, formou uma equipe para produzir programas como “Fashion”, um talk show sobre moda, “Andy Warhol’s TV”, um reality show e o famoso “Andy Warhol’s Fifteen Minutes”, transmitido pela MTV.
Sua entrada na indústria musical aconteceu ainda mais precocemente, na década de 1950, quando começou a criar capas de discos geralmente destinadas a grupos e cantores de jazz. Antes de ser empresário da banda The Velvet Underground, em 1965, e de eternizar a imagem de uma banana em fundo branco para o álbum de 1967, Warhol já tinha uma relação estabelecida com a música.
Por muitos anos, seu ateliê, “Factory”, foi palco das mais diversas experimentações artísticas, incluindo os ensaios da banda e a prática de criar capas, atividade que continuou por toda a vida. Se nos anos 50 ele pintava os álbuns com linhas finas e cores pastel, a partir dos anos 60, ao transitar do jazz para o pop e o rock, passou a produzir combinações de retratos e elementos experimentais de seus filmes, os Screen Tests.
Em outra parte da exposição, latas de alumínio sustentam a estrutura onde estão colocadas as caixas de ketchup Heinz, utensílios domésticos e as tão conhecidas latas de molho Campbell. Apesar de imitarem a reprodução mecânica das fábricas, essas obras foram pintadas à mão e se tornaram marcos na trajetória de Warhol. Ao longo do tempo, o artista experimentou algumas variações dessas imagens, pintando algumas latas amassadas, sem rótulo ou com a tampa aberta. Mais tarde, incorporou-as à serigrafia, que com suas manchas e falhas de impressão ressaltava a imperfeição da técnica em comparação à pintura.
Após três anos de negociação entre o instituto Tostex e o The Andy Warhol Museum, a mostra finalmente chega em São Paulo como uma oportunidade para explorar todo o universo do artista. É a chance de conhecer, inclusive, obras que raramente saem dos Estados Unidos, como “A Última Ceia”, de 1986 e “Oxidation”, de 1978, que nunca foi exposta fora de seu acervo.
SERVIÇO
Exposição Andy Warhol: Pop Art!
Museu de Arte Brasileira da FAAP (MAB FAAP)
Rua Alagoas, 903 – Higienópolis, São Paulo | Prédio 1 – Subsolo
Todos os dias das 9h às 20h
Terça a sexta-feira: R$ 50 inteira | R$ 25 meia-entrada
Sábados, Domingos e Feriados: R$ 70 inteira | R$ 35 meia-entrada
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