A Artsoul presta homenagem ao grande articulador da arte indígena contemporânea, Jaider Esbell, que lutava por mudanças no mundo da arte e nos deixou recentemente
Jaider Esbell atuou em diferentes frentes para garantir a inserção de artistas indígenas no circuito da arte, buscando mais espaço e melhores condições para estes. Artista, curador, pesquisador, escritor, produtor cultural, Jaider preferia se colocar no artivismo, e não nas artes plásticas.
De fato, categorizar produções visuais indígenas como artes plásticas, da maneira como entendemos a arte em um sistema hegemônico, não faz sentido. Por mais que essas produções de artistas vindos de povos originários adentrem as grandes instituições, e passem a circular a academia, as classificações e metodologias tradicionais herdadas da arte européia não dão conta de compreender a pluralidade dessas pesquisas artísticas.
O que temos certeza é que a produção desse artista – assim como seus companheiros de luta – conquistou grandes exposições e espaços de diálogo das artes visuais recentemente. Uma luta que não começou agora, e que se fortalece a cada ano.
Nascido em 1979 em Normandia, no estado de Roraima, viveu até os 18 anos na atual Terra Indígena Raposa – Terra do Sol, se mudando posteriormente para Bela Vista.
A biografia de Esbell em seu canal oficial já dizia que suas habilidades foram descobertas logo na infância, mas que antes de se dedicar exclusivamente a este universo, trilhou outros caminhos que certamente o guiaram para ser o artista que conhecemos.
Trabalhou por anos na Eletrobrás, onde cresceu como profissional e ampliou sua rede de atuação desde os 19 anos, quando foi efetivado pela primeira vez. Dentro da empresa se empenha na causa indígena e constrói uma trajetória premiada.
Esbell conciliou trabalho com sua graduação em Geografia, se formando em 2007. E continuava abrindo seus horizontes, até se inscrever em um edital de literatura, o Bolsa Funarte de Criação Literária, um programa do governo de apoio a novos escritores. Contemplado pelo edital, ele lançou em 2012 seu livro Terreiro de Makunaima – Mitos , lendas e estórias em vivências.
Quando passou a se dedicar mais à atividade artística, especialmente em 2013, iniciou sua trajetória internacional. Deu aulas no Pitzer College, nos Estados Unidos, onde morou por 8 meses, e expôs em vários países na Europa.
A produção artística de Jaider Esbell evocava suas origens, sua conexão com seus antepassados, e saberes do seu povo. Parte de sua extensa poética foi recentemente vista na exposição individual “Apresentação: Ruku”, na Galeria Millan, na qual o artista pesquisou sobre o jenipapo, também conhecido como ruku, árvore com propriedades medicinais, da qual também é extraída uma tinta corporal.
Sua obra atingiu grandes escalas em espaços públicos. Em diversas ocasiões, públicos de diferentes cidades puderam contemplar as grandiosas instalações, geralmente representações de cobras. Assim ocorreu nas cidades de Porto Alegre, Belo Horizonte e, mais recentemente, no espelho d’água do Parque Ibirapuera, em São Paulo, como parte da programação da 34a Bienal de São Paulo.
Seu trabalho como curador se iniciou de modo mais incisivo em 2013, quando organizou o I Encontro de Todos os Povos, resultando na exposição Vacas nas terras de Makunaima: de malditas à desejadas, montada no Espaço de Arte e Cultura União Operária da UFRR.
A atuação de Esbell na 34ª Bienal de São Paulo, que fica em exposição até dezembro, foi decisiva para a construção da curadoria como a encontramos hoje. Graças à luta do artista makuxi, outros indígenas participaram dos processos de pesquisa e curadoria da Bienal, ocasionando no protagonismo indígena nesta edição. Participam com obras nesta edição, além de Esbell os artistas nacionais Daiara Tukano, Gustavo Caboco, Sueli Maxakali, e Uýra Sodoma, e outros quatro estrangeiros.
Parte da programação estendida da Bienal, a exposição “Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea“, que pode ser vista no MAM São Paulo, foi curada por Esbell a convite da instituição. A exposição é o melhor exemplo de como ele articulou seus projetos a partir da união dos povos, reunindo artistas representantes dos seguintes: Baniwa, Guarani Mbya, Huni Kuin, Krenak, Karipuna, Lakota, Makuxi, Marubo, Pataxó, Patamona, Taurepang, Tapirapé, Tikmũ’ũn_Maxakali, Tukano, Wapichana, Xakriabá, Xirixana e Yanomami.
Enquanto curador, Esbell enfatizava que indígenas produziam arte muito antes das artes visuais serem sistematizadas em nosso território. Deste modo, o seu foco era garantir o reconhecimento da produção indígena contemporânea, que não podia mais ser marginalizada.
Jaider Esbell acreditou no poder do coletivo, nele encontrava forças e para ele dedicou sua vida, especialmente nas artes. Entre tantos aprendizados, o artista nos deixou a lembrança do poder de se construir junto. Após encantar, o artista deixa nosso mundo em um luto sem igual. Que sua luta ecoe e se amplie em todos os cantos.
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
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Referências
ECOA Uol – Jaider Esbell exigiu presença de mais artistas indígenas na Bienal
TAB Uol – ‘Ele queria saber o porquê de tudo’: a vida e a partida de Jaider Esbell
Prêmio Pipa – Jaider Esbell
34ª Bienal de São Paulo – artistas
Arte!Brasileiros – Jaider Esbell e uma apresentação através do jenipapo
1 Comment
Muito bom conhecer arte brasileira e melhor ainda, também arte indígena.