O colecionador Guilherme Mazza Dourado conversou conosco a respeito de sua coleção de gravuras e apresentou alguns trabalhos de seu acervo.
Sobre o convidado:
É arquiteto e historiador de paisagismo, arquitetura e artes visuais no Brasil, com doutorado pela EESC-USP e pós-doutorado pela FAU-USP. Entre outros livros, é autor de Belle Époque dos Jardins (finalista do Prêmio Jabuti 2012), de Modernidade Verde. Jardins de Burle Marx (1º lugar na Premiação 2009 do Museu da Casa Brasileira) e organizador de Coleção ABN Amro Real. Realiza curadorias de exposições, caso de Jardim do Solar (Museu da Casa Brasileira, São Paulo), de Lívio Abramo. Arte para Arquitetura (Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, São Paulo), e de Albert Eckhout Volta ao Brasil 1644-2002 (Paço Imperial, Rio de Janeiro; Pinacoteca do Estado, São Paulo; Conjunto Cultural da Caixa, Brasília; Grande Prêmio da Crítica APCA 2003), entre outras mostras.
Para começar, poderia nos contar um pouco da sua trajetória como colecionador de arte?
Interessei-me pela gravura a partir dos 20 anos de idade, num momento em que descobria a arte moderna e contemporânea brasileira. Isso aconteceu em 1985, quando estava no início da faculdade de arquitetura e tinha aulas com importantes artistas, como Renina Katz, Marcello Nitsche, Flávio Império, Elvira de Almeida e Paulo von Poser. Era um ambiente estimulante e fiquei motivado em conhecer especialmente o trabalho gráfico de Renina. Como eu nada sabia a respeito de gravura, aproveitei o convívio com a artista para obter explicações e dicas de leitura. Sempre atenciosa, Renina foi alimentando mais e mais minha curiosidade, mostrando-me suas gravuras para que compreendesse particularidades estéticas e técnicas. Daí foi um passo para uma primeira aquisição. Em outubro de 1985, cheguei em casa com uma litografia da artista, comprada na loja do MAM-SP. Em dezembro do mesmo ano, visitei o ateliê de Renina e foi inevitável sair de lá com uma segunda litografia.
No correr do tempo e com minha atividade profissional voltando-se também à realização de exposições, livros e catálogos de arte, houve condições favoráveis para expandir contatos com os gravadores, visitar ateliês de artistas e de impressão, conhecer acervos institucionais e particulares, frequentar galerias, feiras e leilões de arte, e contar com a ajuda de marchands especializados, como Eduardo Besen, de quem me tornei cliente e amigo a partir de 1999, pouco depois dele abrir a galeria Gravura Brasileira. Com isso, a presença de gravuras foi se multiplicando espontaneamente em casa, até que por volta do ano 2000 percebi a necessidade de fixar alguma diretriz temática para orientar os rumos do conjunto. E optei então por alinhavar um panorama consistente mas não exaustivo da produção gráfica realizada no Brasil entre a década de 1930 e os dias atuais, exemplificado por obras destacadas dos principais representantes de cada geração e ilustrativas das diversas vertentes estéticas nesse período.
Hoje falaremos sobre as técnicas de gravura, mas você coleciona outras linguagens? Se sim, como você compara as gravuras com as outras linguagens em relação ao ato de colecionar?
O acervo está dedicado fundamentalmente às gravuras. Fui arrebatado pela arte gráfica nos últimos 35 anos e acho que dificilmente partirei para agrupar com o mesmo afinco outros tipos de objetos artísticos. A decisão prolongada de estudar, garimpar e reunir gravuras já é suficientemente estimulante e trabalhosa, sem falar nas necessidades de espaço e de manutenção com o crescimento do conjunto.
Existe alguma técnica de gravura em especial que você prioriza? Xilo, gravura em metal, litografia, serigrafia?
A coleção inclui as principais técnicas gráficas e também o linóleo que não foi lembrado na pergunta, tendo em vista que alguns artistas praticaram várias delas ao longo de suas trajetórias – caso de Lívio Abramo. E por falar em técnicas, acho importante comentar que as serigrafias requerem mais atenção do que outros tipos de gravura no tocante à conservação. Isso porque as tintas utilizadas nas impressões serigráficas podem se deteriorar de modo irrecuperável quando atacadas por fungos.
O que há de mais especial na gravura para você?
É uma combinação de marcante inventividade e requintada expressão plástica, que frequentemente suplanta o que se fez e se faz em outros gêneros artísticos, embora a historiografia da arte em nosso país ainda não tenha se dado conta plenamente disso.
Sem título, 1999, gravura em metal (ponta-seca), PA, 47,5 x 67,5 cm.
Você enxerga uma democratização na arte a partir desta linguagem?
Desde suas origens, a gravura tem uma vocação intrínseca de ser um veículo propagador da arte, na medida em que ela desponta como imagem multiplicada em vários originais a partir de uma matriz. E isso possibilita que ela esteja presente simultaneamente em diversos lugares e atinja consequentemente um público bem mais amplo em comparação aos exemplos solitários da pintura e da escultura.
Alguma dica para quem está começando a colecionar gravuras?
O ideal é dar preferência para obras de qualidade realizadas por nomes reconhecidos ou jovens promissores e também conferir que estejam em bom estado, para que não seja necessário encaminhá-las a um restaurador profissional.
Dentro da sua coleção, existe algum gravurista favorito? Se sim, o que mais valoriza em seu trabalho?
É difícil falar em preferências na medida em que admiro e valorizo todos os artistas incluídos na coleção. Hoje existem mais de 50 gravadores representados no acervo, desde o trio de pioneiros formado por Oswaldo Goeldi, Lasar Segall e Lívio Abramo, passando pelos artífices da expansão e consolidação da gravura no Brasil, caso de Fayga Ostrower, Renina Katz, Thereza Miranda, Maria Bonomi, Iberê Camargo, Mario Gruber, Darel Valença Lins, Marcelo Grassmann, Carlos Scliar, Hans Grudzinski, Antônio Henrique Amaral, Bernardo Cid, Glauco Rodrigues, Gilvan Samico, Octávio Araújo e Evandro Carlos Jardim, até profissionais de gerações mais recentes, como Feres Khoury, Luise Weiss, Rubens Matuck, Hélio Vinci, Sérgio Fingermann, Márcio Perigo, Gregório Gruber, Francisco Maringelli, George Gutlich, Ernesto Bonato, Armando Sobral, Fernando Vilela, Ulysses Boscolo, afora outros igualmente relevantes.
Carretéis com Linha, 1960, gravura em metal (água-tinta, lavis e verniz mole), 6/30 B, 45,7 x 56,5 cm.
Para finalizar, poderia nos mostrar algumas gravuras da sua coleção? Ou citar os nomes que mais se orgulha de ter adquirido?
Há alguns artistas mais presentes em termos de volume de trabalhos na coleção. Isso acontece por motivos: pela proximidade que mantive ou mantenho com eles, visitando com alguma frequência seus ateliês, e em razão das oportunidades de aquisição surgidas ao longo dos anos no mercado de arte nacional. No primeiro grupo, estão Renina Katz, Feres Khoury, Luise Weiss, Armando Sobral e Ernesto Bonato, por exemplo. No segundo, Lívio Abramo, Fayga Ostrower, Marcelo Grassmann, Roberto Burle Marx, Darel Valença Lins, Evandro Carlos Jardim e Maria Bonomi, entre outros.
Gravuras históricas que apresentam características singulares, como dedicatórias para personagens de relevo, são as mais difíceis para se conseguir. Nesse caso, menciono o sufoco que foi arrematar uma importante xilogravura de Oswaldo Goeldi, de 1930, com dedicatória dele ao escritor Cassiano Ricardo, em um leilão de arte em São Paulo.
Álbum Pelo Sertão, 1948, xilogravura, 35/119, 31 x 23 cm.
Os registros das obras apresentadas no texto foram gentilmente cedidos pelo colecionador.
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
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2 Comments
Meu caro Guilherme: Que prazer você me causou neste “enclausuramento”. Seu trabalho é magnifíco e você sabe como transmitir seu profundo conhecimento. Parabéns! Abraço.
A trajetória do amigo Guilherme é especial, generosa e plena de construção do conhecimento. Parabéns!