Artsoul entrevista Bianca Boeckel, galerista à frente da Galeria Bianca Boeckel. Situada no bairro Vila Nova Conceição, em São Paulo, a galeria atende a um público exigente que busca novidade desde artistas emergentes aos mais consagrados. Bianca Boeckel nos conta sobre a inspiração para seus projetos e como pensa o papel da galeria na representação de artistas.
Artsoul: O que inspirou o projeto de criação da galeria?
Bianca Boeckel: A arte veio para mim nos últimos 12 anos, em Nova York. Sou advogada por formação, atuei em marketing, mas só quando fui morar em Nova York que fiquei mais submersa no mundo da arte, com tudo que a cidade tem para oferecer. Comecei a trabalhar em uma galeria e quando voltei para o Brasil, eu já não conseguia pensar em outra área que não fosse a da arte. Fui morar na Vila Nova Conceição, e percebi que só havia uma galeria atuante; vi então uma oportunidade de trazer mais arte para um bairro que é excelente, que consome arte e quer sempre novidade. Foi assim que nasceu o projeto.
Artsoul: Quais os critérios para seleção dos artistas representados?
Bianca Boeckel: Em primeiro lugar, é necessária uma afinidade muito grande com o artista, com a trajetória e com o seu trabalho. Entre nós deve haver uma relação muito boa porque eu pretendo que a parceria permaneça a longo prazo, como é o caso de artistas que estão comigo há 7 anos. É preciso que a sua linguagem converse com o que quero mostrar na galeria, com meu modelo de trabalho. A história da galeria começou com artistas muito jovens que lancei, e hoje estamos em um segundo momento com artistas jovens e os mais consagrados. Isso traz um frescor muito importante. Tem que ter consistência no trabalho e uma vontade enorme de continuar o fazer artístico.
Artsoul: Quais trabalhos e quais artistas da Galeria você considera de mais destaque no momento?
Bianca Boeckel: Represento no momento 12 artistas (além de 8 convidados), então busco definir nossas ações em ciclos. As próximas exposições na galeria serão as individuais do DJ Papagaio e do Marcelo Tolentino, ambos recém-chegados ao time. O conceito de reaproveitamento da madeira nas esculturas do DJ Papagaio me enche de orgulho, sinto que é um “projeto-semente” que já floresceu de um lado (as xilotecas fazem parte de coleções significativas) mas ainda vai gerar muitos frutos, no cenário ambiental mesmo.
As pinturas do Tolentino trazem o figurativo com uma vivacidade que raramente encontramos, tem traços extremamente sofisticados, e é um deleite invadir a sua cena cotidiana através das imagens retratadas.
Não posso deixar de mencionar Jorge Feitosa, Ricardo Becker, Nelson Porto, Carol Nogueira, Camila Alvite e Allann Seabra, artistas sempre importantíssimos na trajetória da galeria, além do Felipe Morozini que completa lindamente o time.
Artsoul: Neste último ano, com as medidas de isolamento, quais os maiores desafios que a Galeria enfrentou para continuidade do trabalho? Alguma mudança permanente que a pandemia trouxe?
Bianca Boeckel: Em março de 2020 quando a pandemia começou, o mercado de arte sofreu um baque muito grande e a gente viveu uma indefinição de futuro: como a gente conseguiria sobreviver numa crise sem precedentes e como a gente ia se manter relevante nesse momento. A minha primeira medida foi me aproximar dos artistas e fazer com que eles se aproximassem entre si, e entendessem que a gente estava vivendo uma crise coletiva que esperamos que acabe em breve.
Não queria que eles sofressem uma pressão minha ou do mercado para que produzissem imediatamente algo em relação a isso. Então eu montei um projeto Artista Fala de Artista para os artistas saírem do universo particular e encontrarem no outro um alento.
Foi muito interessante esse projeto porque eles se aproximaram demais, trocaram muito neste momento difícil. Foi uma ação linda onde eles falavam uns das obras dos outros, como uma corrente de positividade e assim a gente conseguiu pelo menos nesse primeiro momento surfar um pouco nessa insegurança. Depois, eu percebi as feiras online que começaram a chegar, e com os viewing rooms fizemos uma reformulação do nosso modelo de trabalho nos adaptando ao online. Foi incrível, é o que veio para ficar, na minha opinião. O modelo ideal vai ser o físico e o virtual combinados.
Não podemos, depois que tudo voltar ao normal, simplesmente dar as costas e ignorar tudo o que foi feito na pandemia em relação ao online. O modelo virtual, as plataformas de arte como Artsoul ou Artsy e outras que estão surgindo são essenciais para as galerias e devem ficar para sempre. Sempre aliando ao físico que é importantíssimo para as galerias e é como elas realmente sobrevivem, mas essa ferramenta foi essencial nesse momento para que tivéssemos boas vendas. Eu consegui me firmar nesse segmento que não existia para mim antes e fiquei bem feliz e surpresa. Acho que esse formato tem tudo para continuar.
Artsoul: Quais as contribuições mais significativas da galeria para o mercado de arte brasileiro?
Bianca Boeckel: Eu costumo dizer que me dá muita satisfação trabalhar com novos colecionadores, pessoas que estão iniciando suas coleções. Num primeiro momento, como eu falei antes, a galeria trabalhou apenas com artistas jovens em início de carreira. Agora a gente já está num outro lugar que tem essa mescla de artistas jovens com artistas mais consagrados.
Meu público mudou como uma consequência natural disso. Eu tenho colecionadores que estão iniciando suas coleções e grandes colecionadores que estão procurando a galeria justamente pelo frescor da descoberta de novos artistas. Essa sensação da primeira coleção se repete quando eu tenho um colecionador já experiente que começa a colecionar um artista que eu estou lançando.
Isso me motiva a continuar lançando talentos e atrair colecionadores que passam a adquirir artistas que eles não conheciam ainda. Proporcionar esse novo olhar tanto dos colecionadores quanto dos artistas é o que eu busco na Galeria.
Artsoul: Gostaríamos de saber algumas das suas indicações de filmes, séries, livros e podcasts para o público acessar neste momento de distanciamento social.
Bianca Boeckel: Documentário: “Maria, não esqueça que venho dos trópicos”, sobre a precursora artista Maria Martins
Filmes: Malcolm and Marie, pela fotografia de tirar o fôlego e Another Round, para mim um dos mais originais da temporada
Série no IGTV “Beabá da Arte Contemporânea”, Bigorna Art da Júlia Flamingo @bigorna_art
Livros: “Lágrimas não caem no espaço”, Luiza Mussnich, uma poeta descoberta por mim recentemente através de amigos e “A Noite dos Tempos”, Rene Barjavel, um livro que marcou a minha vida na adolescência e que, relido agora, teve outro sabor.
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Entrevista concedida em maio de 2021 por telefone
Victoria Louise é redatora da ArtSoul formada pela PUC-SP em Arte: História, Crítica e Curadoria e Gestão Cultural
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