Neste ano a Bienal de São Paulo – um dos maiores e mais relevantes eventos de arte do mundo – comemora 70 anos e, para comemorar, reunimos aqui algumas curiosidades que marcaram a história da Instituição.
Inaugurada em 1951, a Bienal de São Paulo foi criada por Francisco Matarazzo Sobrinho (1898 – 1977), mais conhecido como Ciccillo Matarazzo, também responsável pela criação do Museu de Arte Moderna de São Paulo em 1948.
Ciccilo era sobrinho do conde Francisco Matarazzo (1854 – 1937), italiano dono de um dos maiores complexos industriais de sua época, o que permitiu a Ciccillo ser referência no mecenato e fomento da arte na história do Brasil.
Segundo a Fundação Bienal, Yolanda Penteado (1903 – 1983), esposa de Ciccillo, teve papel fundamental no sucesso das primeiras edições da Bienal, ao percorrer o mundo com um dossiê, convencendo diversos países a participarem do evento. Oficializada em 1987, uma passarela que liga o Parque Ibirapuera ao Museu de Arte Contemporânea (MAC) leva o nome de Ciccillo.
Desde sua quarta edição em 1957 a Bienal acontece em um pavilhão no Parque do Ibirapuera, mas sua primeira edição foi realizada em uma estrutura provisória de 5 mil m2, levantada em frente ao Parque Trianon na Avenida Paulista, local onde o MASP está hoje.
A Bienal de São Paulo foi inspirada nos moldes da Bienal de Veneza, mega exposição criada em 1895 e até então a única no mundo. O formato de ambas exposições era baseado nas representações nacionais, pelas quais cada país apresentava seus artistas em destaque.
Foi na segunda Bienal de São Paulo, em 1953, que a Guernica de Pablo Picasso, um dos maiores artistas da história, foi exibida publicamente no Brasil. Com 3,49 metros de altura e 7,77 metros de comprimento, a grande pintura iniciada em 1937 por Picasso pertencia ao acervo do MoMA de Nova York e não costumava circular pelo mundo, o que atesta o grande feito da Bienal de São Paulo na época. Essa edição histórica do evento ficou conhecida como “Bienal da Guernica“.
Além de Picasso, a edição de 1953 conseguiu trazer grandes nomes internacionais como Alexander Calder, Edvard Munch e Marcel Duchamp.
A segunda metade dos anos 60 foi marcada pela ditadura militar instaurada no Brasil em 1964, que trouxe graves consequências para o circuito artístico nacional. Os planos para a décima edição da Bienal em 1969 eram grandiosos, esperava-se alcançar os feitos da segunda edição. Mas o país já estava sob o Ato Institucional n.º 5 que, entre outras coisas, promoveu perseguição e censura à oposição e classe artística de forma sistemática e ampla no país.
Como forma de protesto ao cenário violento e opressivo, diversos artistas e críticos decidiram boicotar suas participações na Bienal, deixando de enviar seus trabalhos. O movimento que partiu de agentes nacionais que participariam da exposição se estendeu para outros países que cancelaram suas participações da mesma forma. Gerou-se então grandes vazios no espaço expositivo.
A Fundação Bienal disponibiliza em seu site uma série de charges que foram produzidas em um concurso na época como tentativa de driblar a censura.
A primeira montagem da Bienal foi amadora, contando inclusive com o trabalho de alguns artistas na fase de produção da exposição, já que naquela época o sistema de arte não era profissionalizado. A pesquisadora Rita de Cássia Alves Oliveira, professora da PUC SP, conta mais sobre essas montagens em sua tese sobre a história da Bienal:
“Foram chamados para trabalhar na montagem jovens artistas, até então desconhecidos, como Aldemir Martins, Frans Krajcberg, Marcelo Grassmamm, Carmélio Cruz e Alexandre Wollner. Comiam marmitas geladas e dormiam pouco, tentando produzir um evento que nunca tinham visto e em com o qual não tinham a menor experiência”.
A pesquisadora entrevistou Guimar Morelo, que trabalhou para o MAM SP desde 1949 e foi encarregado pela montagem de muitas bienais, que revelou em seu depoimento que a Guernica de Picasso chegou enrolada dentro de um caminhão comum em um dia chuvoso, sem qualquer planejamento técnico nos moldes profissionais que conhecemos atualmente.
Na 28ª edição, no ano de 2008, a Bienal passava por um momento de reflexão a respeito dos formatos expositivos tradicionais e já ultrapassados, assim como o defasado fomento público à arte. Como uma forma de corporificar essa reflexão, os responsáveis pela edição, Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen, deixaram grande parte do espaço expositivo vazio.
Segundo a imprensa na época, um grupo de 40 pessoas entrou na Bienal e realizou intervenções de pichação neste espaço vazio do pavilhão.
O ano de 2008 foi palco para a discussão a respeito da pichação e outras linguagens marginalizadas pelo sistema de arte. Na mesma época ocorreram atos de pichação na exposição de formandos do Centro Universitário Belas Artes em São Paulo e na galeria Choque Cultural. Estes momentos foram fundamentais para que o sistema da arte revisse suas formas de exclusão ou assimilação de linguagens urbanas.
Em 2010 o artista Nuno Ramos causou polêmica com sua obra Bandeira branca, na qual urubus vivos faziam parte de uma instalação com um cancioneiro nacional sendo tocado.
Como resposta crítica ao uso de animais vivos na obra, uma intervenção de pichação foi feita em uma das grandes estruturas geométricas que faziam parte do trabalho, com a frase “liberte os urubu”.
Segundo a matéria do G1 de 2010, um abaixo assinado já havia colhido mais de 2.700 assinaturas contra a exibição da obra, antes mesmo da estréia da Bienal.
Desde sua inauguração até os dias atuais, a Bienal de São Paulo continua buscando refletir seu tempo como um grande panorama da arte. Dessa forma, cada edição traz suas especificidades. Visite a 34ª Bienal – Faz escuro mas eu canto, aberta ao público desde o começo de setembro, e descubra também o que desperta sua curiosidade nela.
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Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
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Para descobrir mais sobre a história desse grande evento das artes, acesse a página especial criada pela Fundação Bienal de São Paulo neste link: http://www.bienal.org.br/70anos
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Fontes:
OLIVEIRA, R. C. A. A Bienal de São Paulo: forma histórica e produção cultural. 2001.
Bienal, 70 anos: podcast | Obra polêmica com urubus dentro da Bienal é alvo de pichação – matéria do G1 | Site da Bienal de São Paulo