Neste sábado (04) a Pinacoteca inaugura seu terceiro edifício depois de 11 meses em obras. A Pina Contemporânea ocupa o local onde antes funcionava a Escola Estadual Prudente de Morais que em 2015 foi transferida e, após disputa da posse do terreno, em 2018 este foi oficialmente cedido à Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, que obteve a licença para iniciar o projeto da instituição.
Ao entrar no novo prédio, nota-se o caráter aberto, ventilado e iluminado que a arquitetura permite, a sensação é praticamente de um ambiente a céu aberto, sem tetos ou paredes.
Do primeiro passo para dentro, já é possível visualizar todos os ambientes que a Pina Contemporânea apresenta: galerias expositivas, dois ateliês para atividades do educativo, loja, mezanino e centro de documentação e memória. Esse detalhe não é trivial, o projeto arquitetônico foi assertivo em pensar como os ambientes se integrariam de forma a cumprir a missão desse novo prédio, o de ampliar a experiência artística.
O projeto é assinado pelo escritório Arquitetos Associados em colaboração com Silvio Oksman, e dialoga com diferentes momentos da arquitetura paulista. O edifício amarelo foi uma das primeiras construções escolares do século XIX e está presente na paisagem de quem entra no museu. Por outro lado, a construção escolar principal é mais recente, assinada em 1950 por Hélio Duarte. Estes dois volumes arquitetônicos foram mantidos e incluídos nesta terceira camada que traria elementos como escadas, claraboia, mezanino e coluna vertical transparente.
A estrutura aberta tem a intenção de ser convidativa para atrair mais pessoas para frequentar o museu que se mostra um espaço ampliado em diálogo com as obras, os visitantes e também o jardim de esculturas que o divide do prédio da Pina Luz.
O terceiro edifício, único da instituição pensado desde sua gênese para ser um espaço expositivo, traz um ambiente não só próprio para abraçar a arte do nosso tempo, mas que foi constituído por uma disposição institucional contemporânea, onde não se fragmenta o conhecimento mas inclui o ateliê do educativo, o centro de documentação e memória e as galerias expositivas no mesmo nível de importância.
O prédio também carrega a imcumbência de ser uma reserva técnica apropriada para comportar uma coleção como a da Pinacoteca, com cerca de 11 mil itens no acervo.
A biblioteca e o centro de documentação são ambientes rodeados por vidros que convidam o visitante a entrar. Sala de estudos e hall com mesas e livros é o primeiro ambiente que se vê, seguido pelo espaço interno onde estão acondicionados os materiais de pesquisa, cada um em sua especificidade; alguns importantes artefatos históricos como partes do vestido de Tarsila do Amaral e cartas de curadores e pesquisadores, outros mais recentes como registros dos processos de concepção de exposições e catálogos institucionais.
A praça pública, como se chama a parte central do museu, onde se concentra a circulação, é sobreposta a um enorme salão do subsolo. Este salão recebe a exposição inaugural do prédio, “Chão da Praça: obras do acervo da Pinacoteca” com uma curadoria voltada a obras do acervo que há muito não eram expostas ao público.
Segundo a curadora Ana Maria Maia, “a espinha dorsal da exposição é de instalações, esculturas e obras que se comportam fora das paredes e locais tradicionais das artes visuais“.
O que se vê quando se adentra o local são obras vivas, em movimento, que parecem passear junto com o visitante pelo espaço. Entre cores, texturas, dimensões, sons e experiências táteis, é notável a expressividade da montagem, que como afirmou a curadora causam ruídos “produtivamente conflituosos”.
A outra exposição que inaugura o prédio é uma individual da artista sul-coreana Haegue Yang. A obra de Yang é caracterizada pela utilização de uma ampla gama de materiais e técnicas, desde objetos cotidianos como persianas, até tecnológicos, como luz e som. Ela cria instalações que transformam os espaços em que são exibidas, muitas vezes incorporando objetos cotidianos como espelhos, ventiladores e lâmpadas para criar efeitos de movimento, sombra e luz que envolvem o espectador em uma experiência sensorial imersiva.
É curioso que a primeira exposição individual de uma instituição conhecida por contribuir para uma história do Brasil, seja de uma artista asiática. Sobre isso, Jochen Volz responde de pronto que a ideia de convidá-la a expor e criar obras site-specific veio da intenção de inverter o eixo discursivo tradicional, ou seja, ampliar os diálogos da arte brasileira com outras partes do mundo que não a europeia, branca e masculina.
O trabalho da artista sul-coreana se relaciona em diversos aspectos com o de artistas brasileiros como Cildo Meireles, ambos dando ênfase na experiência sensorial e na participação ativa do espectador na obra. Meireles, artista brasileiro que também tem uma trajetória reconhecida internacionalmente, utiliza frequentemente objetos e materiais simples em suas obras, como moedas, gaiolas e bolas de gude, para criar situações que desafiam a percepção do público e questionam as estruturas de poder e controle presentes na sociedade.
Além disso, ambos os artistas têm interesse em trabalhar com questões sociais e políticas. Meireles é conhecido por seu engajamento com temas como a ditadura militar no Brasil e a violência policial, enquanto Yang já abordou questões como migração, identidade cultural e relações de poder. Em ambos os casos, a arte é vista como uma forma de reflexão crítica e de questionamento das estruturas hegemônicas que moldam a sociedade.
O educativo ganha, neste novo edifício, um ateliê amplo, também cercado por vidros, que apresentará uma série de atividades para diferentes públicos. Uma das iniciativas propõe obras de arte famosas da história em miniaturas 3D com peças removíveis, nas quais pessoas portadoras de deficiências podem conhecer as pinturas pelo tato, pela manipulação de peças maleáveis, ou até, pelo olfato, como é o caso do material complementar à pintura de Almeida Jr, “O caipira picando fumo“, em que é possível cheirar uma peça com fumo que seria semelhante à que o personagem manuseia na pintura de 1893.
É uma lufada de ar fresco a notícia da abertura de um prédio como esse a integrar um museu histórico da cidade de São Paulo. Nos primeiros 30 dias, a entrada das exposições na Pina Contemporânea não será cobrada e o público poderá visitá-las gratuitamente.
Beatriz Preto é formada em Crítica e Curadoria da Arte pela PUC-SP.
Victoria Louise é jornalista, formada em Crítica e Curadoria da Arte pela PUC-SP.
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