Sofisticados e exclusivos, os hotéis de luxo chamam cada vez mais a atenção no mercado hoteleiro. Com a virada do século, diversos hotéis modernizaram as suas instalações para atender às novas demandas que o mercado turístico exigia, porém, mais do que somente gerar um serviço personalizado, os hotéis expandiram a sua área de atuação.
Entre as partes que mais chamam a atenção nestes novos empreendimentos – além dos restaurantes e spas – podemos citar o design e a dedicação em criar o processo de curadoria artística, onde são criados espaços expositivos com obras de arte pelo hotel. Feitas sob medida e exclusivas, as coleções de arte em hotéis flertam com os hóspedes pelos corredores, onde cada caminhar gera uma nova descoberta.
Com o aumento da demanda artística neste setor, o mundo das artes expande a sua forma de comunicação, aproximando-se dos visitantes e ressignificando espaços onde é possível ver arte. Além de explorar este elo, o mercado profissional fortaleceu uma demanda exclusiva que auxilia nesta relação obra-visitante, o Art Concierge.
O Concierge originou-se da profissão de porteiro, função que recepciona os hóspedes na entrada do hotel, ajudando no carregamento das malas e conduzindo-o para a recepção. Com o aumento de hotéis de luxo que buscam oferecer serviços e atendimento exclusivo, o Concierge surge para auxiliar no bem estar dos hóspedes, no traslado, organização de eventos, além de indicar passeios turísticos e ter o contato direto para fazer reservas em restaurantes concorridos.
Elevando o nível de sofisticação no setor hoteleiro, surge o Art Concierge. O profissional que atua neste segmento tem como referência a função do Concierge, porém dedicado ao serviço cultural exclusivo, indicando exposições, museus, além de passeios que somente o concierge pode oferecer, como visitação noturna em museus e ateliês de artistas; cada indicação é única e planejada, usando como referência o gosto e o interesse artístico do hóspede.
Além de indicar e reservar passeios, o Art Concierge é o curador do acervo de obras que o hotel detém, cuidando e organizando toda a exposição; no universo dos hotéis de luxo, eles se especializam em ter a sua própria coleção de artes, passando por centenas de obras. Com ambientes ricamente planejados, o hotel torna-se uma galeria de arte nas diversas áreas sociais e nos quartos, onde o hóspede poderá ser assessorado pelo Art Concierge, que comentará as obras em uma visita guiada, mostrando o design do hotel e a proposta da coleção.
Pela exclusividade da profissão, há somente dois hotéis com a função de Art Concierge em sua equipe: em Paris, o hotel Le Royal Monceau, é administrado pela Julie Eugene e no recente hotel inaugurado em São Paulo, o Rosewood, sob os cuidados do Osvaldo Costa, que cuida e cataloga todo o valioso acervo. Para os amantes da arte, a experiência de vivenciar este encontro é único, tendo a exclusividade de ter o serviço do profissional que cuida do acervo, onde ambos podem compartilhar a paixão pela arte.
Situado no coração da capital paulista, o hotel fica localizado no mega complexo Cidade Matarazzo, composto por dez prédios tombados, o espaço abriga comércios, restaurantes e apartamentos de alto padrão. Com custo estimado em R$ 3 bilhões, o espaço que ainda está em obras abrigará teatro, cinema e salas de shows.
Assumindo o posto de ser o primeiro hotel 6 estrelas da América Latina, surge entre os prédios tombados, o hotel Rosewood no espaço onde era localizado a Maternidade Matarazzo. Todo o edifício foi restaurado e modernizado para abrigar o luxuoso hotel. Ainda em abertura parcial, o espaço será formado por 160 quartos e mais 100 suítes, que serão instaladas também em outro anexo, a nova torre construída com jardins verticais.
Adentrar no hotel parte da transição da agitada cidade para o tranquilo e convidativo lobby. O corredor que leva até ele é cercado por plantas brasileiras que se expandem para um espaço iluminado já cercado com as decorações do hotel. Na área de embarque e desembarque, o carro torna-se por alguns instantes, parte do ambiente, estando ao lado de colunas com livros, mobílias e obras de arte; além de uma loja que vende entre outros, livros e peças de decoração: tudo é conectado.
Absorver a beleza do hotel requer tempo, logo na entrada vemos a longa tapeçaria de Regina Silveira, que mescla insetos e cores encontradas no ecossistema brasileiro. Ao fundo da tapeçaria, é visto o painel criado por Vik Muniz que conta a história do edifício e da Família Matarazzo. Quadros, esculturas, fotografias, colagens e livros saltam por todos os cantos no hall da recepção e adjacências; incentiva a apreciar com calma, e caminhar lentamente ao redor, pois cada detalhe foi pensado e planejado para celebrar a natureza e as diversas culturas brasileiras.
Esta pluralidade harmoniosa foi alcançada graças aos 57 artistas e designers envolvidos que resultaram nas 450 obras site-specific, gerando um elo de diálogo entre elas, formou-se uma personalidade única em forma de hotel. Toda a elaboração e contextualização foram concebidas sob a égide do curador francês Marc Pottier.
“Não estamos pegando uma tela para colocar na parede, utilizando obras que já existem. Estamos convidando todos os artistas para criarem obras de arte especificamente para o projeto, com tamanho especial, com fixação nas paredes, fazendo parte por completo do ambiente. A maioria não pode ser retirada dali: são afrescos, azulejos na piscina e na cozinha, tapetes gigantes no lobby e nas áreas comuns. Tudo é feito pelo lugar e para o lugar. Nenhum artista se repete. São obras inéditas e exclusivas.” – Marc Pottier¹
No bar, nos restaurantes e na cozinha também é preciso parar e observar os detalhes com cuidado. No bar Rabo di Galo, o artista Cabelo pintou um afresco no teto que aborda a temática dos rituais indígenas, além das diversas peças metodicamente instaladas pelo bar que reforçam a narrativa indígena. No restaurante Blaise, a decoração foi inspirada no chalé do romancista franco-suíço Blaise Cendrars, que amava o Brasil. Nele podemos ver pedras verdes brasileiras cravejadas entre as frestas da parede, correlacionando o estilo europeu com a natureza brasileira. Na cozinha do restaurante, azulejos à distância chamam atenção, de longe aparenta ser flores, em proximidade a verdade se revela, são grupos de quatro ou mais mulheres em posição de parto; o erotismo atrelado ao florescer da vida é a proposta do artista Fernando de La Rocque.
Em direção aos outros andares, os hóspedes serão surpreendidos com um mundo à parte nos elevadores, as paredes são decoradas com pequenos quadros do artista plástico Walmor Corrêa, que desenvolveu uma série que explora a misticismo da flora brasileira, utilizando plantas medicinais e formando novas plantas híbridas.
Em cada corredor dos sete andares foi feito um mundo à parte, onde cada artista elaborou um projeto temático. Como na obra de Daniel Senise, artista que já explorou a história da maternidade em outros trabalhos, criou uma obra que resgata por vidros emoldurados as antigas paredes da instituição, criando o diálogo entre a memória preservada e a nova reforma. Assim como também foram preservadas as escadas da maternidade, sendo possível observá-las à distância, como um objeto arqueológico que registra a história. Continuando na abordagem que remete às lembranças do edifício, Laura Vinci criou em outro andar pingentes de folhas douradas que “flutuam” pelo corredor; eternizando as árvores que cercavam a maternidade.
No terceiro andar, com fortes cores e formas, a artista urbana Ananda Nahu criou um projeto que aborda a cultura indígena e as origens do povo brasileiro. Na obra a artista retrata nas extremidades do corredor dois rostos femininos, um com traços europeus e outro africano, formando o diálogo sobre a formação genealógica do Brasil e a sua multiculturalidade.
No último andar, Virgílio Neto fez um afresco que registra os elementos da flora, fauna festas e rituais brasileiros de forma enigmática, provocando que o visitante interprete a obra de forma diferente a cada observação, trazendo a forma delicada aos detalhes e misteriosas formas; Neto também cuidou da criação dos papéis de parede dos quartos. Abordando o design dos quartos, todos os interiores foram desenhados pelo designer francês Philippe Starck. Banheiras esculpidas em um único bloco de mármore, escadarias esculturais inspiradas no estilo francês dialogam com o mobiliário feito com madeira brasileira.
Chegando ao terraço, toda a área é formada por azulejos desenhados à mão e com o processo serigráfico. Inspirando-se na fluidez e espelhamento das formas encontradas nos tapetes orientais, a artista plástica Sandra Cinto, constrói no caminhar dos azulejos um fluxo caudaloso que remete a trajetória dos rios brasileiros junto com a flora e a fauna.
E não é somente na parte interna que houve a dedicação de enaltecer a arte e o legado histórico do complexo. Ao lado da maternidade há a capela Santa Luzia, sendo o edifício que houve o maior restauro do projeto. Para compor o ambiente externo do hotel, a capela precisou ser erguida dois andares e rotacionada. Além disso, o afresco na parte interna foi recuperado e os novos vitrais foram criados pelo artista Vik Muniz.
Reconhecida como patrimônio mundial pela Unesco, a cidade de Paraty no Rio de Janeiro abriga a Pousada do Sandi (agora com novo nome, Sandi Hotel). Sendo um dos empreendimentos mais luxuosos da cidade, a pousada foi fundada em um casarão com 26 quartos e mais de 300 anos de existência. Somada com a decoração secular da casa, o hotel é rodeado de obras de artista locais e famosos artesãos, tendo uma galeria permanente com o primeiro mapa do Brasil, um acervo de objetos da cantora Carmen Miranda e litogravuras com mais de 200 anos que abordam a temática da fauna e flora do país. Toda a elaboração do projeto e curadoria foi idealizada pela fundadora Sandra Foz.
Fundado em uma das cidades mais desejadas pelos turistas, o hotel Le Royal Monceau fica no coração da capital parisiense. Fundado em 1928, o hotel tinha como essência representar a arte da cidade, tornando-se rapidamente ponto de encontro entre os artistas e celebridades. Em 2008, o hotel passou por um processo de renovação e modernização, alcançando a classificação de hotel 5 estrelas, foi premiado nos anos de 2020 e 2021 como um dos melhores hotéis em Paris; tornando-se referência em hotelaria de luxo mundialmente. Com diárias que podem chegar a R$ 100 mil, o hotel é ricamente decorado, abordando diversas temáticas nos restaurantes, corredores e áreas para os hóspedes; contando com restaurantes, bares, spa, galeria de arte, cinema e salas de reunião. A elaboração do design do hotel foi criada por Philippe Starck.
Com vista para as montanhas, para o lago e a cidade de Zurique, o hotel Dolder Grand é considerado um dos melhores hotéis da Suíça e da Europa. Inaugurado em 1899 e renovado com um novo anexo em 2008, o luxuoso hotel tem em seu programa de hospedagem uma vasta gama de serviços, como spas, piscinas interiores, saunas e trilhas; além de três restaurantes, onde um se destaca por conter duas estrelas Michelin, o The Restaurant. Para os apreciadores de arte, o hotel possui uma coleção de arte com cerca de 130 obras de 90 artistas, entre eles, Damien Hirst, Salvador Dalí e um quadro de 11 metros na recepção de Andy Warhol. Como forma de acessibilizar o contato com a arte, o hotel disponibiliza um guia virtual que pode ser acessado via tablet.
Carlos Gonçalves é graduando em Jornalismo pela PUC-SP, com pesquisa científica em crítica de arte.
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2 Comments
Trabalho com Arte desde 1974, desenvolvo pesquisa sobre técnicas e materiais, além de experimentação com os mais variados suportes, papéis especiais, que na verdade, acolhem e retém os pigmentos.
Muito boa e oportuna reportagem.
No momento estou fazendo um trabalho com meus alunos sobre o Palace Hotel (RJ-RJ) e o Modernismo.
Vou utilizar a reportagem nas minhas aulas.
Grato,
Rico Montenegro