Depois de desenvolver uma série de reflexões e transformações brilhantes na arte contemporânea brasileira, Abraham Palatnik, artista potiguar, deixa seu grande legado para os apaixonados por arte sendo, neste sábado (09), mais uma vítima do novo Corona Vírus.
Com muita leveza e carinho, falava sobre sua trajetória e suas paixões dentro da pesquisa artística, demonstrando como se dedicava a experimentar e descobrir novos rumos.
Seu nome, nada brasileiro, é de origem russa. Durante sua juventude, seu avô morava em Tel Aviv e, por isso, passou uma parte de sua formação educacional em Israel. Pintura e escultura estavam presentes no seu dia-a-dia ao frequentar ateliê de artistas e aulas de artes, ao mesmo tempo que estagiava em oficinas do exército, com motores e equipamentos de guerra, desenvolvendo conhecimento em mecânica e engenharia, o que, por incrível que pareça, influenciou a maior parte da sua criação artística.
Seus primeiros passos na arte plástica vieram através da figuração; pintava natureza-morta e retratos.
Até que, de volta ao Brasil, em 1947, conquistou mais liberdade para desenvolver outros projetos. Ao se aproximar de Mário Pedrosa e Almir Mavignier, conhece o hospital psiquiátrico que Mavignier trabalhava e se maravilha com a perspectiva dos pacientes sobre as profundezas do inconsciente. Traz a Pedrosa suas inquietações e vê toda sua concepção de arte cair por água abaixo, dando uma guinada em suas experimentações figurativas e pesquisando novos meios.
Agora sem a dependência da figuração, a luz passa a ser sua nova interrogação. Substitui o pigmento sólido para desenvolver uma nova ordem cromática através da pigmentação elétrica da luz e suas potencialidades cinéticas. Seu conhecimento de mecânica se torna a tônica para os trabalhos que se concluiriam em seguida.
APARELHO CINECROMÁTICO
Seus aparelhos são pequenas engrenagens que manipulam o ritmo de cores e de luz no espaço. As imagens acima mostradas são apenas ilustrativas, a concepção real da obra se dá em movimento, ao ver pequenas nuances de mudança de movimento.
É incrível observá-las em transformação e é importante entender que para um mundo da arte extremamente acostumado a telas estáticas, suas experimentações saíam completamente da curva e foram revolucionárias ao apresentar a sutileza do movimento em si. Tão diferentes e inovadoras foram a ponto de serem recusadas na Bienal de São Paulo no ano de 1951 em primeiro momento, só ganhando espaço diante da ausência de uma das obras prometidas para a exposição. No fim, recebeu menção honrosa ao invés da premiação principal pela dificuldade que a comissão internacional encontrou ao não conseguir enquadrar seu trabalho em qualquer das categorias artísticas propostas pela Bienal naquele ano.
PROGRESSÃO
Nesta série, Palatnik experimenta em madeira. São manipuladas em diferentes níveis a ponto de se entrelaçarem e misturarem, formando ondas de cores, traduzindo um ritmo próprio.
Seu trabalho, apesar de não ser mais pautado em tela e tinta como no início, não perde o caráter de artesania; o artista manipula os materiais sozinho, não teve assistente para auxiliá-lo na produção e realizava os trabalhos em seu ateliê.
OBJETO CINÉTICO
Expandindo ainda seus materiais, ao invés da luz, como no início, trabalha com objetos coloridos em movimento. São construídos com base em metal, tinta acrílica, madeira, engrenagens e motores elétricos.
Invoca uma tradição da escultura como volume, textura, escala e a tridimensionalidade é o tom maior. A experiência é completa quando o corpo de quem observa se locomove a ponto de perceber as cores e a velocidade; há uma intenção de compartilhamento do movimento entre público-obra.
Palatnik, não à toa, se tornou a referência no que se entende por Arte Cinética hoje. Concentrou-se com dedicação na observação das nuances do movimento e trouxe à arte contemporânea todos as minuciosas engrenagens que compõe a sua potência criativa. A nós, fica a agradável sensação de dançar ao ritmo de suas obras e a inspiração a sair da curva e vivenciar novos caminhos.
Victoria Louise é crítica e produtora cultural, formada em Crítica e Curadoria e Gestão Cultural pela PUC-SP. É fotógrafa independente e colunista da Artsoul.
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