Muitos conhecem Claude Monet por suas obras como as pinturas da famosa Nymphéas, os belos lírios de seu jardim ou pelo sobrenome mencionado em tantas mídias diferentes. Outros o conhecem pela teoria da arte, como parte do movimento impressionista com estilo e técnica particulares.
Mas quem era realmente Monet? Como foi sua jornada artística? De onde vieram suas inspirações?
Oscar-Claude Monet, nascido em Paris em 14 de novembro de 1840, se mudou para a cidade de Le Havre na Normandia aos 5 anos de idade onde passou sua infância. Aos 11 anos ele entrou na École secondaire des Arts du Havre, onde estudou por quatro anos. Apesar de ser hoje conhecido por suas pinturas, Monet começou sua jornada artística através das caricaturas.
As produções caricatas feitas pelo artista com carvão eram de colegas e professores, feitas no meio de suas aulas escolares. Em uma de suas cartas para seu colaborador – disponível abaixo na íntegra, em tradução para o português – François Thiébaud-Sisson, publicada pelo jornal “Les Temps” no dia 26 de novembro de 1900.
“Eu nasci indisciplinável. Ninguém jamais foi capaz de me fazer seguir as regras, nem mesmo em minha infância. Foi em casa que eu aprendi a maior parte do que eu sei. Eu comparo minha vida acadêmica a uma prisão da qual eu jamais pude me obrigar a permanecer e gastar meu tempo por lá, nem mesmo quatro horas por dia. Como poderia? Enquanto o sol estava brilhando, o mar estava tão belo, era tão bom correr pelas falésias ao ar livre e brincar na água.
Quando fiz quatorze ou quinze anos, para o desespero de meu pai eu continuei esse estilo de vida irregular, mas muito saudável. De alguma forma, no meio tempo, eu aprendi os rudimentos da educação básica, incluindo uma certa proficiência em ortografia. Meus estudos não foram além e não me causaram tantos problemas, pois eu era capaz de combiná-los com várias distrações.
Eu ornamentava as margens de meus livros, eu decorava o papel azul dos meus cadernos com enfeites extremamente caprichosos, e eu representava da forma mais irreverente possível, a face e perfil de meus professores, deformando-os o máximo que podia.
Eu fiquei muito bom nisso e me adaptei ao estilo rapidamente. Aos quinze anos, eu era conhecido por toda Le Havre como um caricaturista. Minha reputação estava tão bem estabelecida que eu era comissionado por todos que buscavam esse tipo de retrato. Em efeito disso, considerando o número de comissões que eu recebia, e da insuficiente mesada que eu ganhava de minha mãe, tomei a audaciosa decisão de cobrar uma taxa pelos meus retratos.
Isso é claro, escandalizou minha família. Eu cobrava de dez a vinte francos dependendo se eu gostava da aparência dos meus clientes ou não, e esse método funcionou extremamente bem. Em um mês, o número de clientes havia duplicado e eu fui capaz de cobrar uma taxa fixa de vinte francos, sem reduzir de forma alguma a demanda. Se eu tivesse continuado por esse caminho, hoje eu seria um milionário!”
Carta escrita por Claude Monet
Foi em meados de 1857 que Monet conheceu o artista Eugène Boudin, famoso pelas pinturas dos balneários da Costa Chanel, que viria a se tornar um de seus mentores.
Boudan notou o talento para a arte de Monet e o encorajou a expandir seus horizontes, instruindo-o a começar os estudos de pintura e desenho de paisagens. Boudan ensinou a utilizar tinta a óleo em seus trabalhos e lhe apresentou técnicas para pintar ao ar livre, com ênfase em capturar a luz natural do ambiente. A partir desse ponto Monet iniciou sua jornada como pintor.
O artista interrompeu seus estudos aos 16 anos, pouco após a perda de sua mãe, decidindo morar com sua tia por parte de pai, Marie-Jeanne Lecadre, uma artista amadora e com grande interesse pelas artes que lhe deu apoio financeiro por vários anos.
Viajou à Paris no fim de sua adolescência, permanecendo na cidade até completar 20 anos. Nesse período teve a oportunidade de conhecer vários artistas que se tornaram amigos e mais tarde lhe acompanharam no movimento impressionista, como Edouard Manet e Camille Pissarro.
Em Paris, Monet teve a oportunidade de visitar o Museu do Louvre e observar artistas estudando e copiando o estilo de obras dos grandes mestres do realismo, porém, ainda preferia continuar criando seus trabalhos a partir das paisagens que ele observava.
Também conheceu e se impressionou com os trabalhos da Escola de Barbizon, um movimento de pintores cujo foco era retratar paisagens, pioneiros do naturalismo. Apesar das experiências positivas em Paris, Monet ainda se recusava a entrar para a Académie des Beaux-Arts.
Sua viagem teve fim ao fazer 20 anos. Teve de se alistar ao exército e entrar para o Primeiro Esquadrão de Cavalaria Leve na Algéria, servindo por 2 anos, entretanto, nesse período contraiu febre tifóide e ao invés de permanecer por 7 anos como era previsto, ele pôde voltar para a França para se recuperar.
Isso se deu graças a sua tia Lecadre, que interviu para livrá-lo do serviço militar e trazê-lo de volta para casa contanto que ele aceitasse estudar arte da forma que ela achava apropriada, por meio de uma academia renomada em Paris.
Apesar de desgostar dos estudos acadêmicos, Monet aceitou a proposta e retornou para Le Havre para se recuperar da doença. Em seguida, retomou os estudos acadêmicos como prometido, dessa vez, com o pintor suíço, Charles Gleyre, como seu professor. Através dele conheceu outros pintores como Alfred Sisley, Auguste Renoir e Frédéric Bazille, que vieram a se tornar seus amigos próximos.
Eles compartilhavam novas técnicas, com pinceladas rápidas e a composição de cores que criam uma impressão tênue de um mosaico, saíam para pintar juntos ao ar livre, se dedicavam ao novo estilo no qual trabalhavam, que ficou conhecido mais tarde como impressionismo.
Aos 24 anos, duas de suas pinturas foram aceitas em sua primeira tentativa de fazer parte do Paris Salon, a exibição de arte oficial da Académie des Beaux-Arts. Duas pinturas foram expostas, em 1865, retratando paisagens marinhas.
Os trabalhos mais antigos de Monet não faziam parte do período impressionista, porém, podemos notar as pinceladas curtas e ágeis, trazendo uma impressão de luminosidade diferente do resto da obra, tão bem conhecidas em seu trabalho. Apesar de sutis, estão presentes tanto nas nuvens, quanto na coloração das ondas. As cores se mantêm monótonas e o artista se ateve às normas tradicionais, que buscavam representar os elementos da cena de forma realista.
No ano seguinte, mais um de seus trabalhos foi aceito na Paris Salon, um retrato de sua futura esposa Camille Doncieux. A obra que Monet gostaria de submeter para o comitê era sua versão de Luncheon on the Grass, mas mudou seus planos de última hora; o artista Gustave Courbet o visitou e ao notar o tamanho da peça, avisou que não daria tempo para terminá-la e que ele precisaria criar algo menor para que conseguisse submeter a obra a tempo.
A pintura La femme à la robe verte (1867) retrata sua musa e futura esposa, Camille. Essa tela foi feita em apenas quatro dias e foi muito bem recebida pelo júri. Podemos notar as pinceladas curtas e soltas, típicas de Monet quando nos aproximamos da obra. Isso é perceptível nos detalhes do chapéu de Camille, também presentes no pelo do casaco e em sua mão.
O vestido listrado, com cores vibrantes é o que chama mais atenção na peça, fazendo com que tais detalhes menores da peça passem despercebidos. A pintura foi considerada uma belíssima representação do estilo moderno e elegante das mulheres parisienses, descrito como “a rainha parisiense, a mulher triunfante” pela revista L’Artiste.
Claude Monet. La femme à la robe verte (Camille). 1867. Óleo sobre tela. Reprodução: Wikipedia
Em 1870, em vista da guerra franco-prussiana, Monet, com sua esposa e filho, buscou refúgio em Londres, onde estudou os trabalhos de John Constable e Joseph Mallord William Turner, que o levaram a inovar na utilização de cores. O artista se mudou para Holanda em 1871, onde criou 25 obras que retratavam os canais, os barcos e os moinhos de vento.
Na peça Canal à Zaandam (1871), é notável que as pinceladas se tornaram mais soltas, transformando os contornos das casas e barcos mais irregulares, não se preocupando tanto com o realismo da cena, o que é especialmente perceptível na representação das nuvens. Apesar dos tons permanecerem fiéis à cena, a pintura começa a tomar um ar mais inacabado, como se fosse apenas um esboço.
Nessa cena temos um moinho de vento característico da Holanda; aqui o estilo impressionista de Monet começa a se tornar mais evidente. As cores são mais vibrantes, a aplicação da tinta é fracionada, dando uma aparência de mosaico para a ondulação da água.
A representação da forma se torna cada vez mais desprendida da reprodução realista, e o foco vai para as cores e para a técnica cada vez mais livre das exigências da arte acadêmica.
Quando Monet voltou à França no final do ano de 1871, após viver alguns meses na cidade de Zaandam, Holanda, se mudou para uma casa na comuna de Argenteuil, onde aprimorou e criou sua própria técnica, criando alguns de seus trabalhos mais icônicos. Também visitou antigos amigos como Renoir, Pissarro e Manet. Em conjunto com outros artistas criou a Société Anonyme des Artistes, Peintres, Sculpteurs, Graveurs, onde organizaram uma exibição independente, já que suas obras eram normalmente rejeitadas em Paris Salon.
Em 1874, Monet, Pissarro, Degas, Renoir, Sisley e Berthe Morisot organizaram o que ficou conhecido como a primeira exposição impressionista em Paris. Ele expôs 11 de suas pinturas, incluindo a famosa Impression: soleil levant. Louis Leroy, um crítico de arte, usou o termo “Impressionista” em seu artigo na magazine ilustrada francesa Le Charivari, em referência ao nome da obra. Apesar de ter usado a palavra de forma pejorativa, os artistas gostaram do termo e adotaram a expressão.
Uma das pinturas mais famosas de Monet, é uma representação do porto de Le Havre. Na época, a pintura recebeu comentários negativos dizendo que não era possível compreender o que se passava na cena, muitos apontaram que parecia um rabisco inacabado. Esta era uma leitura da época, que estava habituada às regras acadêmicas de representação.
Uma leitura atual permite perceber a sutileza na paisagem aliada aos tons serenos, o que traz a impressão da quietude do início da manhã. A iluminação se torna limitada pela névoa, e aproxima a imagem da abstração quando comparada com as peças anteriores.
As cores alaranjadas do amanhecer começam a iluminar o céu enquanto os tons azulados apenas esboçam a ideia das construções e barcos à distância. Quanto mais próximos, mais definidos os objetos se tornam, delineados e sombreados graças ao contraste da luz.
As pinceladas são desprendidas e fazem com que a aplicação da tinta seja mais alongada na parte superior da pintura, representando as nuvens e a névoa. Aos poucos se tornam mais tênues em volta do sol e da linha do horizonte. Apresentando um efeito mais leve no rio, nas ondas e nos reflexos.
Claude Monet. Impression: Soleil levant. 1872. Óleo sobre tela. Reprodução: Wikipedia
Os trabalhos mais conhecidos de Monet são séries de estudos das mesmas paisagens sob diferentes momentos do dia, diferentes estações, diferentes condições atmosféricas. O pintor começou a criá-las a partir de 1890, como a série de pinturas dos Palheiros, e a série de pinturas da catedral de Notre-Dame.
As pinturas das pilhas de feno são alguns dos trabalhos impressionistas mais icônicos do artista. Essa série de pinturas teve início no fim do verão de 1890 e se prolongou por 18 meses. No dia 7 de outubro de 1890, em carta ao amigo Gustave Geffroy, Monet admitiu que teve dificuldade para conseguir capturar a luz como desejava já que em certos momentos do ano o sol se punha muito rápido.
Aqui temos algumas de suas peças em diferentes momentos, a primeira com o efeito da neve sobre o campo e sobre as pilhas de feno, aparentemente pintadas no início da manhã. Os tons pastéis na paisagem e no chão dão a impressão de uma manhã fria de inverno, na qual o sol está começando a derreter as camadas finas de neve onde a luz toca, o que é perceptível pelos tons terrosos das pilhas de feno já livres da neve.
As casas ao fundo podem ser identificadas pela neve nos telhados que trazem esses tons mais puros de brancos e formas mais geométricas. Podemos notar ao fundo os tons amarelados do céu fazendo uma sutil transição para tons rosados dos vales distantes.
A diferenciação de luz e sombra se torna mais suave conforme a visão se afasta do foco das pilhas de feno. As pinceladas são curtas, é notável que são feitas de forma ágil para acompanhar a luminosidade presente no curto período de tempo disponível para representar a cena da forma mais precisa possível. Já a composição das cores recriam a mesma sensação do exato momento no qual a peça foi criada.
Na segunda peça temos uma cena mais colorida, em uma estação claramente mais quente. As cores são vívidas e tem uma bela mistura de cores quentes e frias, o que lembra um dia de primavera. As casas já não são tão perceptíveis já que os telhados e cores se perdem em meio às árvores à distância. As montanhas, dessa vez um pouco mais delineadas, ainda se mesclam com as cores do céu e das nuvens.
Agora podemos ver claramente os tons alaranjados e amarelados das pilhas de feno, e as sombras indicam que a cena foi pintada em um horário diferente da anterior, algumas horas de diferença, ainda na parte da manhã.
A sensação é completamente diferente, mas a técnica e as cores segmentadas permanecem ainda mais evidentes.
Na obra seguinte podemos notar que a pintura foi feita ao pôr do sol pelas sombras que estão em uma posição oposta às primeiras imagens. A paisagem ainda é a mesma, mas a mudança dos tons indica o cair da noite.
A luz começa a ficar mais escassa e tem um tom próximo das pilhas de feno, o que afeta a definição das mesmas, que agora parecem ter menos detalhes e começam a se amalgamar com o resto da paisagem.
As montanhas tem uma definição clara contra os tons do céu, dessa vez começando a se fundir com as cores verdejantes das árvores. As casas conseguem se destacar pelos tons de branco, pelas formas geométricas dos telhados em meio aos tons verdes. Os lugares com um pouco mais de sombra onde a luz do sol não alcança começam a ficar em tons arroxeados denotando o anoitecer que está chegando.
Quando se mudou para Giverny, Monet comprou uma casa que contava com um terreno de aproximadamente 4.000 m², e que hoje está preservada e aberta ao público para visitação e tours.
Foi nesse período que começou a criar e cuidar de seu jardim, com belíssimas flores exóticas, bambos, salgueiros e com os famosos lírios d’água, que ele mesmo plantou. Foi o próprio artista que criou e planejou o local como se fosse uma obra de arte e dizia que era sua verdadeira obra-prima.
As pinturas dos lírios foram inspiradas no viridário de Monet. Ele empregava 6 jardineiros que o auxiliavam na manutenção do grandioso terreno, alguns eram especializados no cuidado com os lírios do lago para que o artista pudesse começar a pintar as flores na parte da manhã.
A série de pinturas dos Lírios de Monet conta com aproximadamente 250 peças e foi a última série que o pintor fez antes de morrer em 1926.
Recentemente, uma exposição imersiva das obras do artista chamada “Monet à Beira D’Água”, esteve em cartaz no Rio de Janeiro. Foi uma exposição digital que contou com 285 obras do pintor francês. Encerrada em 12 de junho, foi uma ótima oportunidade para apreciar a beleza e a diversidade de seu magnífico trabalho.
Hakai S. Ghilardi é graduado em Design Gráfico e pesquisador independente de História da Arte.
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