Computer Nude (Studies in Perception I), 1967 – silkscreen print – imagem de Albright-Knox
Ocupar espaços é uma virtude que a arte contemporânea desenvolveu por si só. Cria relações com o ambiente de forma orgânica e flexível o bastante pra adentrar campos que não são originalmente pensados para criação artística como o ambiente urbano e o grafite, os produtos de uso cotidiano e o ready made, a tecnologia e as novas experimentações na internet.
As duas últimas têm particulares desdobramentos na arte contemporânea brasileira e merecem mais atenção.
Arte e a tecnologia se aproximaram na década de 1960 quando alguns artistas contemporâneos passaram a abandonar os suportes tradicionais da arte visual e perceber potencial criativo nos suportes técnicos. Computer Nude (1967) é um exemplo clássico deste tipo de trabalho. Kenneth Knowlton e Leon Harmon, pesquisadores gráficos estadunidenses, lançaram uma referência às famosas pinturas em tela de nus femininos adaptada à nova geração computadorizada.
Passando por trabalhos de artistas como Nam June Paik e Allan Kaprow, que são pioneiros na experimentação da tecnologia como suporte para a criação de seus estudos conceituais, chegamos hoje a perceber que a tecnologia não só foi usada para construção das obras físicas, mas o desenvolvimento da internet, enquanto rede, fez com que essa ferramenta passasse a se fazer mais presente no circuito artístico contemporâneo.
Dentro dessa relação entre arte e internet, encontramos duas dimensões. A primeira é uma tentativa de democratização da informação tomada por museus e galerias, na qual passam a digitalizar seus acervos e disponibilizá-los por meio de fotos e vídeos. Através dessa proposta, o público passa a ter acesso a obras clássicas de arte e a grandes instituições mesmo estando do outro lado do mundo. Assim, a internet aqui desempenha a função de circulação, de divulgação e de plataforma midiática.
A segunda dimensão dessa conexão entre arte e internet é recente e surgiu quando artistas e espaços independentes se propuseram a entender a internet como suporte artístico e como material criativo. Não se entende, aqui, a obra física e posteriormente digitalizada, mas a obra concebida para ser veiculada na e para a internet. Essa dimensão se encontra em atual experimentação e constante expansão.
Em São Paulo, encontramos duas dessas plataformas que são jovens, mas já muito maduras em suas propostas. A primeira foi concebida como um projeto online, a segunda se propôs, nas últimas semanas, a desenvolver uma residência online de artistas.
Aarea.co é uma plataforma inédita para apresentação de trabalhos artísticos concebidos diretamente para a internet idealizada por Livia Benedetti e Marcela Vieira. Livia e Marcela se tornaram sócias e perceberam que a produção artística ainda não tinha ocupado a internet com propriedade de criação, apenas como meio de divulgação.
Foi então que em fevereiro de 2017, a plataforma foi inaugurada apresentando trabalhos feitos na internet por artistas que não costumam trabalhar com arte digital. Até hoje foram 29 projetos inéditos. O trabalho, durante sua exibição, ocupa o site inteiro sem espaço para logo ou caracteres que não são integrantes à obra. O site se torna o trabalho de arte a cada edição.
O nome Aarea.co é voltado para uma ideia de negação do conceito de área – o A inicial é um prefixo que gera a ideia de oposição da palavra original, indo de encontro à reflexão de que a internet é um lugar artístico mesmo não sendo um lugar em si.
Na curadoria, a proposta é, em sua maioria, convidar um artista que não tem familiaridade com o universo digital para fazer pela primeira vez um trabalho específico para internet.
No primeiro momento, a equipe se reúne junto ao artista para desenvolver as ideias iniciais. Depois, entram em cena o trabalho do Consultor de Tecnologia e Programação Adriano Ferrari, e dos designers Caterina Bloise e Victor Kenji para, então, arquitetar toda a configuração necessária à realização da obra.
Nuno Ramos foi um dos artistas convidados em 2017. O artista, que tem seu trabalho consolidado e renomado desde a década de 1980, nunca tinha realizado uma proposta como essa. Foi então que surgiu Lígia, o trabalho exposto no Aarea.co que utilizava recursos de edição para unir a música Lígia do Tom Jobim a um recorte de reportagens do Jornal Nacional na época do impeachment da presidente Dilma Rousseff e o vazamento da ligação entre o ex-presidente Lula e Dilma.
O início dos trabalhados foram feitos de forma experimental, com recursos internos dos colaboradores que acreditavam na ideia. Os financiamentos vieram depois, em projetos pontuais, como a parceria com a SP-Arte, a CCA Wattis Institute e o Salón Nacional de Bogotá. Mas ainda hoje, a plataforma não tem recursos de terceiros e bancam os projetos por si só.
É um espaço independente inaugurado no bairro da Barra Funda em agosto de 2018 pela artista Cléo Döbberthin. Suas vivências trabalhando em Berlim, fizeram com que a artista percebesse a potência de diálogo, de conexão e de transversalidade dentro dos espaços abertos à criação artística. O trabalho desenvolvido por ela segue a linha de construção de um espaço que se conecta com os diversos agentes que se envolvem na prática artística e influencia o entorno, trazendo mais pessoas para pensar junto.
Mesmo não sendo um espaço projetado para internet, o Olhão seguiu por pensar a internet como possibilidade de suporte e adotou uma proposta semelhante à do Aarea.co nas últimas semanas – após a suspensão temporária das atividades dos espaços nos quais há grande circulação de pessoas, em decorrência da pandemia de Covid-19.
No início de março deste ano, a artista e gestora pensou na criação de uma programação online de residência para artistas que estão experimentando as possibilidades da internet – foi assim que surgiu o Programa de Web Residência. Em entrevista para a Artsoul, Cleo comenta que o programa tem um tom mais próximo da ocupação do espaço virtual do que um programa de formação de artista. A proposta é que o espaço online do Olhão sirva de experimentação no qual o artista tem carta branca para vivenciar esse novo suporte, diferente de programas de take over que se popularizaram na internet como uma cobertura da vida pessoal do artista.
O projeto se propõe a desenvolver a exposição online dos trabalhos desenvolvidos, de amplo acesso às pessoas que estão em casa, mas conectados em rede. Os artistas são convidados, ocupam durante 1 semana as plataformas digitais do Olhão e, ao final, seu trabalho é apresentado no site. A partir de um interesse do público, o espaço foi aberto para um open call, no qual artistas se inscrevem e são selecionados para participar da residência.
Tendo a obra SONY GELO de Wisrah Villefort inaugurado o programa, também foi apresentado Passeio/2020 de Renata Har (com colaboração de Caio Har) na semana seguinte e agora, a plataforma caminha para a sua terceira produção que está em construção. Todos disponíveis no site.
Nas últimas semanas, com o adiamento de eventos e fechamento das instituições culturais, a arte está conquistando uma área maior da internet que antes não se pensava possível. Um desafio encontrado ao propor essa dinâmica de arte online, comenta Cleo, é a possibilidade de saturação do público, já que, ao sermos bombardeados por conteúdo audiovisual constante na internet, o público pode chegar a um momento de não absorção do conteúdo das produções artísticas ou ter uma relação superficial com o que é apresentado.
Por outro lado, o retorno positivo que essas duas plataformas recebem do público, nos leva a pensar que a pandemia pode se tornar o ponto de partida para que o conservadorismo do mundo da arte finalmente perca o preconceito com essa concepção artística e passe a usar a internet como aliada às suas produções.
Interessante notar também que as propostas de arte contemporânea online estão sempre em movimento, sendo uma responsabilidade constante a atualização de seus meios, visto a velocidade com a qual a tecnologia evolui e, para a acompanhar essa dinâmica, nenhum agente melhor do que a cadeia produtiva da arte contemporânea que sempre está à frente de seu tempo.
Victoria Louise é crítica e produtora cultural, formada em Crítica e Curadoria e Gestão Cultural pela PUC-SP. É fotógrafa independente e colunista do Artsoul.
Conheça os nossos artistas, ou para saber mais do universo da arte contemporânea, leia em nosso Blog: “Arte Têxtil Contemporânea“.
4 Comments
[…] Para ler mais sobre arte contemporânea, clique aqui. […]
[…] Para conhecer mais sobre Arte Contemporânea, clique aqui. […]
[…] Arte Contemporânea […]
[…] Arte Contemporânea […]