A Artsoul conversou com Andrea Rehder da galeria que leva seu nome para entender como ela exerce seu trabalho no circuito da arte contemporânea e atua no mercado desde a gênese do seu envolvimento com arte até os dias de hoje.
Andrea Rehder – Sempre senti muita afinidade com arte, desde menina tinha apreciação pelo fazer artístico, como trabalhar com pintura. Comecei com 4 anos e parei por volta dos 30 para me dedicar a minha profissão. Sou engenheira de formação e também trabalhei na área de marketing. Mas, queria buscar uma coisa que pudesse me dedicar a vida toda, que me fizesse realizada, e fiquei pensando qual área de arte poderia me dar esse prazer. Até então, eu não tinha nenhuma visão do que era uma galeria de arte que não fosse a de um comprador. Resolvi trabalhar com alguns artistas, me aproximando da produção. No início me concentrei em fotografia e com o passar do tempo fui me envolvendo cada vez mais. A arte contemporânea mistura muitos suportes, e a fotografia também adotou muitos outros materiais com o passar do tempo. Foi então que percebi que não dava para me limitar apenas à fotografia. Resolvi ampliar e trabalhar com outros artistas de diferentes linguagens. Foi quando surgiu a ideia de abrir a galeria. Tentamos criar uma linguagem própria como galeria, não entrar em uma área competitiva, mas dar força ao meu nicho, ao que eu acreditava e gostava.
Andrea Rehder – No início, contávamos com a colaboração do curador Amador Griño para essa seleção e os contratos dos artistas eram bem criteriosos. O que me mostrou, quando fiquei sozinha e encerramos a parceria com Griño, que eu queria criar uma outra relação. O nosso dia a dia é muito enriquecido com as pessoas que estão ao nosso redor e isso não dá para formalizar em um contrato. Hoje, o processo de escolha do artista é fluido e pode ser muito rápido ou pode ser construído ao longo do tempo. Eu sempre penso no grupo, na equipe, o que é bom para a galeria como um todo. Procuro construir um time forte que contemple ações coerentes e consistentes.
Andrea Rehder – Nunca acreditei nesse olhar específico, mas a afinidade que tenho com a produção do artista é atípica em relação a outros galeristas. Não vejo muitos que são atraídos pelo processo de produção como eu. Falo isso não só pelo que sinto, mas pelo feedback de artistas que já tiveram experiências com outros galeristas antes de mim. Tenho essa afinidade, assim como um artista tem um interesse natural pelo processo de curadoria. É muito difícil um artista não querer escrever um texto curatorial ou não querer se envolver no desenvolvimento da exposição.
Andrea Rehder – Todos os meus artistas têm seu lugar de destaque, mas posso mencionar alguns exemplos de trabalhos que estou desenvolvendo com artistas que fizeram exposições recentemente na galeria. O Fernando Soares, por exemplo, é um artista jovem que já está na galeria há dois anos. É um rapaz muito talentoso, muito trabalhador. Gosto muito de pessoas trabalhadoras e por isso tenho afinidade com artistas que aprofundam constantemente sua produção. Embora também trabalhe com artistas brilhantes que têm outro processo, menos constante. Sempre aconselho a produção pensando no que é melhor para a carreira do artista no momento, e só depois, no lado comercial.
Outro exemplo é o Jaime Prades, um artista que converso muito todos os dias. Tudo que ele produz, faz questão de me mostrar, para a gente pensar juntos e fazer testes. Eu procuro demonstrar o que penso sobre mercado e fazemos análises em conjunto.
Tenho artistas que me dão a liberdade de compartilhar detalhadamente da pesquisa que eles estão desenvolvendo. Tenho outros que trabalham de maneira mais introspectiva, e igualmente desenvolvem trabalhos primorosos.
Andrea Rehder – A galeria tem marcado bastante presença nesse espaço online, mas ainda tem um âmbito que eu não gosto muito e que não tenho interesse em trabalhar. Meu perfil é mais tradicional, gosto de desenvolver contato direto e pessoal. Sou eu quem atende os meus clientes. Posso ter o apoio da minha assistente, mas eu nunca deixo que um cliente passe pela galeria sem se aproximar de mim. Acredito nesse trabalho, nessa responsabilidade. Mas entendo que o que faz a galeria crescer é a seleção de artistas, isso é muito importante, assim como o trabalho de educar os clientes para a produção do artista.
Não penso em criar uma plataforma de e-commerce dentro do site da galeria, apesar de ver muitos fazendo isso. O que faço é fortalecer a relação com os parceiros, como a Artsoul ou a ArtRio, que traçam esse caminho comercial e trabalham forte na divulgação.
Andrea Rehder – Quando comecei, por não ser um negócio de família, eu não tinha noção da complexidade dessa indústria da arte. Eu não entendia a arte contemporânea como uma indústria, como uma máquina que movimenta outras áreas. E é uma coisa importantíssima esse entendimento. Vejo que minha galeria movimenta essa roda da indústria em vários formatos. Não faço só o comercial como galerista, atuo na área institucional também, onde eu posso expor um lado criativo, colaborando com a produção intelectual e artística do circuito. Um exemplo é o projeto Rizoma, de cunho social, onde artistas convidados tinham uma relação íntima com a galeria durante 1 mês, utilizando um pedaço do nosso espaço como ateliê, tendo autonomia para pesquisar, produzir, elaborar seus trabalhos e dou o meu acompanhamento. No final do processo, conseguimos 18 artistas que fizeram três exposições coletivas, no final de cada semestre. Eles conheceram e aproveitaram todo o fluxo da galeria para apresentar o trabalho deles e tiveram o benefício da exposição, que contou com a presença de curadores, colegas da área, clientes. Eu não interferi em nenhuma questão comercial desses artistas. Foi muito interessante, e demonstrou para mim a carência desse tipo de iniciativa. Outra coisa que me motiva a estar nesse mundo mais institucional, apesar de evitar misturar os campos comercial e institucional, é que tive muitos artistas que foram diretores de museus por muitos anos, como a Katia Canton, o Wagner Barja e o Emanoel Araújo. A minha vivência institucional por causa deles foi muito grande, a troca de ideias é enriquecedora para mim. Foi também a partir deles, que eu soube das necessidades e as carências do circuito.
Além do Rizoma, estou para lançar um projeto chamado Extandarte, onde busquei elaborar um programa de arte para trazer para o público uma perspectiva mais educativa, de crescimento social pela arte.
Andrea Rehder – Já ouvi vários podcasts mas para mim os que fizeram a maior diferença são as de grandes instituições porque a qualidade de acervo deles é absurda. Existem muitos cursos livres e programas menores, mas sobre o que as grandes plataformas têm trazido não há nada mais valioso. Exemplos bons são os programas do Museu de Fotografia de Fortaleza no Youtube ou o podcast da Bienal de São Paulo comemorativo dos 70 anos da Fundação. A gente já ouviu algumas coisas sobre o tema, mas quando é reunido e didático assim é uma forma muito prática de aprendizado. Indico isso para todo mundo.
Entrevista concedida em novembro de 2021; imagens cedidas pela galerista.
Victoria Louise é crítica e produtora cultural, formada em Crítica e Curadoria e Gestão Cultural pela PUC-SP.
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