
O design moderno brasileiro encontrou no mobiliário um dos campos mais férteis para expressar seus pilares: simplicidade estrutural, honestidade nos materiais e diálogo com a cultura. Algumas peças de mobiliário ajudaram a moldar a identidade estética do país e se tornaram verdadeiros manifestos. A seguir, um percurso por cinco criações que contam essa história.
Cadeira Paulistano, Paulo Mendes da Rocha (1957)
Projetada originalmente para o ginásio do Clube Paulistano, a Cadeira Paulistano carrega a identidade inconfundível de Paulo Mendes da Rocha (1928-2021), uma figura central da chamada Escola Paulista de arquitetura e vencedor do Prêmio Pritzker (2006). O arquiteto e urbanista capixaba, que articula o propósito do papel social da arquitetura, a economia de materiais, clareza construtiva e elegância sem esforço. A peça nasce de uma única barra de aço dobrada, contínua, sobre a qual repousa uma capa de tecido ou couro que funciona como assento e encosto. É um desenho direto, quase essencial, que transmite a lógica estrutural tão cara ao arquiteto e que traduz o modernismo em sua forma mais pura. Sua visão defendia a arquitetura como algo que “não se vê, se vive”, evidenciando seu foco no uso coletivo e na integração com a geografia local.

Banco Mocho, Sérgio Rodrigues (1954)
O Banco Mocho inaugura a trajetória autoral de Sérgio Rodrigues (1927-2014) e é um símbolo da sua vocação de transformar referências regionais em design moderno. Designer de móveis e arquiteto carioca, Rodrigues ficou internacionalmente famoso por conciliar a modernidade formal com uma expressão notável de regionalidade (critério que lhe garantiu o primeiro prêmio em Cantù, 1961, pela Poltrona Mole). Inspirado no banquinho rústico de fazenda, o Mocho traduz essa simplicidade ancestral em madeira maciça torneada, com proporções precisas e acabamento impecável. O designer priorizava o conforto e o aconchego, buscando criar objetos e espaços para o “prazer de viver”, o que o levou, em 1955, a fundar a Oca, espaço dedicado à produção e comercialização de mobiliário verdadeiramente brasileiro.

Cadeira Girafa, Lina Bo Bardi + Marcelo Ferreira + Marcenaria do Solar do Unhão (1962/1963)
Fruto da parceria entre Lina Bo Bardi, Marcelo Ferreira e os artesãos do Solar do Unhão, em Salvador, a Cadeira Girafa é a prova de que o modernismo e o saber popular podem caminhar juntos. A arquiteta, designer e artista ítalo-brasileira Achillina Bo Bardi (1914-1992) teve uma atuação abrangente e interdisciplinar, sendo fundamental na ruptura de paradigmas e na colaboração para um projeto moderno de sociabilidade e gestão cultural no Brasil (como nos icônicos projetos do MASP e Sesc Pompeia). De linhas altas e delicadas que justificam o apelido, a peça celebra o trabalho manual e o uso descomplicado da madeira. É um reflexo de como Lina incorporava técnicas e materiais locais, respeitando profundamente a cultura nordestina e expandindo os limites do design moderno no Brasil.

Poltrona Esfera ou Bowl Chair, Lina Bo Bardi (1951)
Poucas peças traduzem tão bem o espírito vanguardista e plural de Lina Bo Bardi quanto a Bowl Chair. Ousada para sua época, a poltrona consiste em uma concha semiesférica apoiada em uma base leve que permite ao usuário girar, inclinar e encontrar a própria forma de sentar. A liberdade quase lúdica distancia-se da rigidez do mobiliário tradicional dos anos 1950 e reinventa o cotidiano. Essa poltrona é um dos exemplos do design de Bo Bardi, que, assim como em sua arquitetura, demonstrava uma busca constante por soluções que priorizavam a vivência e a relação humana com o espaço.

Poltrona Mole, Sérgio Rodrigues (1957)
Uma das peças mais marcantes do design brasileiro, a Poltrona Mole é a tradução material do conforto. Criada em 1957, ela une uma estrutura robusta em madeira, frequentemente jacarandá, a grandes almofadas macias presas por tiras de couro. Sérgio Rodrigues, que atuava na arquitetura e no design com uma notável coerência, propôs ali uma nova ideia de viver: informal, relaxada e profundamente brasileira. Sua criação mais famosa, a Mole, ganhou o 1º prêmio no Concurso Internacional do Móvel em Cantù, Itália, em 1961, reforçando seu caráter de símbolo do design nacional por sua combinação de modernidade e expressão regional. A peça virou símbolo dessa identidade e permanece como uma das mais reconhecidas e celebradas do design brasileiro.

Gostou desta matéria? Leia também:
A cidade em linhas retas: um roteiro pelas casas que desenharam o modernismo em São Paulo